Luanda - Não foi surpresa nenhuma - pelo menos para os mais atentos - confirmar a ausência do Ministério da Comunicação Social (MCS) no debate de sábado, 4, realizado pela rádio MFM, que reflectiu sobre as incompatibilidades na comunicação social.

Fonte: Club-k.net

O EXEMPLO TEM DE PARTIR DE CIMA

Começo, por esta via, um conjunto de artigos em que me debruçarei sobre um assunto para o qual fiz provocar um comunicado (estranho) do Ministério de tutela. Este é a primeira parte. Virão outras partes sobre o mesmo tema, numa hierarquização de responsabilidades.

 

A ausência do MCS no debate traduz bem que o último comunicado foi um tiro furado; i.e, na verdade, foi um tiro no próprio pé do ministro João Melo que assinou o documento.

 

1. Comecemos pelo tiro no pé, datado de 25 de julho: o comunicado abre com um palavreado tendencioso, indicando que existe a tentativa, "com objectivos desconhecidos", de se desinformar o público sobre o assunto "incompatibilidades na comunicação social", mas, estranhamente, é o próprio MCS que não se fez representar no debate para "desmascarar", quando teve a primeira oportunidade de o fazer, os "enganadores com objectivos desconhecidos"! Por que perdeu a oportunidade de mostrar ao público o que alegou no comunicado, se de facto o que se segue é a Lei?

 

2. O tiro no pé (o comunicado) confirma que foi o MCS que orientou para que os órgãos de comunicação social públicos resolvessem o problema da dupla efectividade e orienta o "cumprimento escrupuloso da legislação". Aí começa justamente o tiro no pé: a que legislação se refere? A de Angola? Se for a legislação de Angola, o próprio ministro da Comunicação Social João Melo é o primeiro que violou a Lei. Foi nomeado e tomou posse, até onde sabemos, sendo dono maioritário da agência de comunicação "Movimento", incompatível com a Lei da Probidade Pública, já que há claramente conflito de interesses. Violou-se ab initio o princípio da legalidade (art. 4.° da Lei da Probidade Pública). Não se salvaguardou a possibilidade de se confundir o que é "interesse público" com o "interesse privado".

 

3. Um ministro da Comunicação Social não pode ser em simultâneo dono de uma agência de comunicação, que também produz conteúdos jornalísticos ou até de marketing para outras empresas, pois nada garante haver um distanciamento entre o que é público e o que é privado. O conflito não é só empresarial. João Melo até pode ter acções em empresas. É um direito que qualquer cidadão tem. Mas ao fazê-lo fica impedido de exercer o cargo de ministro da Comunicação Social, pois não há a garantia de imparcialidade na sua função, como estabelece o artigo 198.°, n.° 1, da Constituição: "A Administração pública prossegue, nos termos da Constituição e da lei, o INTERESSE PÚBLICO, devendo, no exercício da sua actividade, reger-se pelos PRINCÍPIOS DA IGUALDADE, LEGALIDADE, JUSTIÇA, PROPORCIONALIDADE, IMPARCIALIDADE, RESPONSABILIZAÇÃO, PROBIDADE ADMINISTRATIVA e respeito pelo PATRIMÓNIO PÚBLICO.

 

Para além do conflito de ter acções numa empresa que pode beneficiar de serviços adjudicados pelo MCS, há também um conflito de possibilidade de "concorrência desleal", pois a sua empresa pode ser privilegiada - em relação às concorrentes do ramo - pela produção de conteúdos (no exercício privilegiado de pesquisa dos órgãos públicos, cujo chefe é a mesma pessoa), podendo canalizar ao privado o que se conseguiu com meios públicos, pela sua função protagonista de ministro do mesmo ramo em que a sua empresa actua: comunicação pública.

 

Há ainda, na Lei da Probidade Pública (Lei n.° 3/10, de 29 de Março), o artigo 28.° que fala sobre os "impedimentos do agente público". Na alínea c) do ponto 1, o agente público é impedido de exercer cargos públicos "quando exerça actividades privadas, incluindo de carácter profissional ou associativo, que se relacionem directamente com órgão ou entidade ao qual prestem serviço".

 

4. Não se salvaguardou aqui o "princípio da imparcialidade administrativa", previsto na Constituição e na Lei da Probidade Pública (artigo 8.° da Lei n.° 3/10, de 29 de Março) . Creio que o comunicado fala em "cumprimento da legislação"? Ou "legislação" tem outro sentido no conceito do MCS?

 

5. É verdade que João Melo mostrou publicamente que colocou à venda as suas acções da empresa de comunicação privada - foi um bom gesto (antes tarde do que nunca) -, porém nada garante que conseguiu vendê-las ou se não se tratou apenas de uma tentativa de branqueamento da sua imagem para fugir à Lei da Probidade Pública. Por outro lado, a confirmação do seu desligamento da empresa privada devia ter sido feita igualmente de forma pública para que pudesse garantir a sua posterior autoridade moral sobre os seus colaboradores directos e não só.

 

6. A responsabilização é extensiva ao partido no poder (MPLA) - que escolhe os quadros, até onde sabemos! - e ao Titular do Poder Executivo que permitiram que se nomeasse para a Comunicação Social alguém incompatível, quando afinal se pretendia combater "incompatiblidades".

 

Portanto, o ministro da Comunicação Social não tem autoridade moral para orientar o cumprimento escrupuloso de incompatibilidades previstas na Lei, pois a sua nomeação foi, à partida, incompatível. Não deu exemplo. E o Titular do Poder Executivo também fica mal na fotografia. É preciso "corrigir o que está mal". Se o número 1 do MCS ainda não provou publicamente que já não tem nada a ver com a agência de comunicação "Movimento", qual é o exemplo que está a passar aos conselhos de administração das Edições Novembro, TPA, RNA e ANGOP? Como os jornalistas e comunicadores afectados pelas incompatibilidades vão respeitá-lo?

 

Se nós quisermos moralizar a nossa classe e a sociedade, O EXEMPLO DEVE PARTIR DE CIMA. Tenho uma sugestão: se quisermos de facto fazer cumprir a Lei, ou o ministro mostra publicamente que de facto vendeu as suas acções antes de começar a exigir incompatibilidades aos outros - se não conseguiu fazê-lo por alguma razão, deve justificar aos angolanos, com vista a salvaguardar o seu bom nome -, ou deve pedir demissão para permitir que o Titular do Poder Executivo nomeie alguém compatível, ou, por outro lado, o Titular do Poder Executivo deve exonerar o ministro - como o fez em casos em que notou haver conflito de interesses - para mostrar aos cidadãos angolanos que o Presidente da República não ajuda a promover filhos e enteados e que respeita a Constituição e demais leis que jurou cumprir e fazer cumprir quando tomou posse perante Angola e o mundo.