Luanda - Em qualquer sociedade politicamente organizada, a justiça desempenha um papel capital de saúde pública e democrática, pois por meio dela previne-se o exercício autoritário do poder, a barbárie política, a corrupção, assegura-se o exercício da cidadania e da participação política bem como a protecção dos direitos do homem. A existência da justiça assenta na observância de alguns valores cardeais tais como a imparcialidade, a igualdade, a verdade, o bem e a honestidade, pois sem os quais a justiça torna-se injustiça, legitimando a desigualdade, a falsidade, a maldade e a desonestidade.

Fonte: Club-k.net

Assim sendo, o administrador da justiça deve ser autónomo, esta autonomia significa o seu comprometimento exclusivo com a verdade, o bem e a honestidade, isto é, o garante da justiça deve ser antes de mais, um sujeito ético.


O modus operandi dos órgãos de justiça em Angola (com certas excepções) está eivado de graves falhas a esse respeito, pois os encarregados de administrar a justiça têm-se mostrado reféns e submissos ao poder executivo, lesando a própria verdade, o bem-comum, a legalidade e a igualdade.

Atenhamo-nos a alguns factos recentes:

Os vícios dos tribunais


A mais recente condenação dos 3 jovens estudantes em Malanje em função da manifestação do dia 4 Abril e a sua posterior libertação pelo Tribunal Supremo.


O Vice-presidente em sua entrevista a Rádio Nacional mostrou seu posicionamento reprovando os protestos, alegando que não reflectiam o carácter do povo de Malanje, um povo que considerou pacifico, cumpridor das normas, da lei, da Constituição, e sempre disponível para comparticipar com o executivo e as autoridades em todo o processo de desenvolvimento do potencial da província. Com isto estava indirectamente a dizer que os manifestantes não eram pacíficos nem cumpridores da lei. Portanto, foi o primeiro a condenar os jovens.

A seguir a isto, numa velocidade estonteante o tribunal provincial de Malanje julgou e condenou os mesmos pelo crime de perturbação ao funcionamento dos Órgãos de Soberania. Temos aqui um facto negativo: a clara demonstração de que a justiça em Angola está ao lado dos mais fortes e poderosos ou o medo dos agentes de justiça do tribunal de Malanje. Este é um vício muito antigo de alguns juízes angolanos, proveniente do tempo do imperador JES, bastando olhar para os episódios jurídicos que se desenrolaram em torno do caso William Tonet em 2011, Marcos Mavungo e 15±2, só para citar alguns. Vício este, que precisa ser corrigido, pois sob casos em que existe pressão política muitos juízes (essencialmente os de 1ª instancia) têm-se mostrado inaptos para administrar ou fazer justiça, ou por medo dos governantes ou por uso abusivo de sua autoridade de juiz. Muitos juízes ainda estão amarrados à mão invisível “das ordens superiores”.


Um segundo facto refere-se a actuação da P.G.R. Desde a tomada de posse do novo governo, que tem como um dos lemas principais da sua governação “o combate a corrupção e a impunidade” (que o tempo e os factos aos poucos vão transformando numa falácia), a Procuradoria Geral da República tem-se assumido como uma instituição na vanguarda deste lema. Bastando olhar para algumas das suas acções: realização de conferência sobre ética e boa governação e processos crimes de alegada corrupção (como por exemplo o caso A. G. T e B.N.A) e também da burla tailandesa, que sem sombras de dúvidas são indicadores que devem ser louvados.

Os vícios da P.G.R.


O tão propalado combate à corrupção e à impunidade está a ser feito bem à maneira e à vontade do Chefe do Estado e do partido que detém o Governo (o M.P.L.A), deixando a descoberto a parcialidade e a dependência doentia da justiça angolana. É importante deixar claro que o problema aqui não é do combate à corrupção, mas de um combate talhado bem a maneira do Chefe de Estado e seu partido. Os órgãos de justiça continuam a dançar a mesma música de sempre: o vício de agradar o chefe, fazer o que ele quer, pois ele fala e os súbditos limitam-se a cumprir. A justiça angolana ainda continua doente e viciada, por um cancro maligno: a sua politização. Prova isto o facto de que aqueles que foram indiciados por crimes de corrupção até agora, na sua maioria ou são “peixe miúdo” ou então, não mereceram a confiança do Chefe de Estado, isto é, aqueles que foram exonerados ou descartados por JLO. Os grandes tubarões continuam fora da linha, pois a justiça ainda continua a ser um privilégio dos homens de colarinho branco. A corda continua a rebentar pelo lado mais fraco.


Deste primeiro vício, resulta outro não menos grave: a selectividade de quem deve ou não deve ir para a cadeia, (já muito o Maka Angola tem-se batido sobre este assunto) demonstrando claramente que em Angola a Justiça é sempre útil aos que têm dinheiro e poder e nocivas aos que nada têm, violando claramente um valor democrático e um princípio constitucional que é a igualdade de todos perante a lei (ver artigo 23º da C.R.A nº 1 e 2). Verdade seja dita: Um combate sério à corrupção implicaria a instauração de processos crimes a uma grande maioria dos dirigentes do Mpla que governa e desgoverna Angola há quatro décadas, pilhando seus recursos financeiros de forma descarada, roubando por conseguinte as escolas, a saúde e o futuro dos angolanos.


A selectividade mostra as mazelas de uma justiça que não se baseia na igualdade, mas sim na desigualdade de todos perante a lei, pois usa medidas correctivas diferentes para crimes com a mesma ou até maior gravidade.


A justiça só será autêntica quando muitos juízes abusadores da sua função e autoridade estiverem comprometidos com a imparcialidade, a igualdade, a verdade, o bem e a honestidade, isto é, tornando-se sujeitos éticos deixando de lado o emotivismo e o medo; quando o arquitecto e pai da corrupção, que que governou e desgovernou Angola a seu bel-prazer, sobre o qual ninguém tuge nem muge até agora, responder criminalmente juntamente com a sua cúpula que roubou, sugou e faliu o país (com decretos e peculato) enriquecendo-se ilicitamente à custa da pobreza do povo; a justiça só será autêntica quando aqueles que a administram deixarem de violar a própria lei e de violar os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos vinculando-se a critérios de legalidade e objectividade (Cf. Nº 2 do artigo 185º da CRA).