Luanda - Este trabalho é produto de várias reflexões que publicaremos nas próximas semanas sobre a problemática da construção do Estado-Nação em África, tendo em conta as realidades próprias de cada país, quer históricas, quer culturais e sociais. Como reconhece Juvenal de Carvalho, mestre em história da Universidade Federal da Bahia, Brasil, “ só é possível falar de construção com relação a algo que não existe.” Logo, esse debate impõe-se, de facto, nos dias de hoje, no contexto das realidades africanas e `a guisa de balanço do exercício do poder político das elites africanas desde a outorga das independências nacionais. Há, feliezmente, casos de sucessos, infelizmente muito poucos em África, que a historia registou. Quais são, assim, as perspectivas tendo em conta que a maior parte dos países africanos debate-se com inúmeros problemas sociais, políticos e económicos. Debate-se com questões bem identificadas, na visão de Juvenal de Carvalho, como “ as dimensões continentais de alguns Estados, as profundas desigualdades sociais e económicas, as disparidades regionais, a imensa diversidade cultural, as estruturas de poder extremamente hierarquizadas, dentro de Estados autoritários, excludentes e corruptos”. Logo, os mais simplistas consideram que a amálgama de comunidades étnico linguísticas dentro dos Estados pós coloniais constituem uma só nação. Outros, entendem, que existem dentro dos actuais Estados africanos vários povos, ou seja, varias nações, varias comunidades étnico-linguísticas, com tradições diferentes, que procuram construir a nação. No entanto, convém reter que o conceito de Estado-Nação, enquanto fenómeno político, é recente, tendo nascido do pensamento estruturante da Revolução Francesa. É sobre essa problemática da construção do estado-Nação em Africa que vamos reflectir no contexto das realidades africanas.

Fonte: Club-k.net


Com efeito, Edward W. Blyden, um antilhano descendente de escravos oriundos do Togo, (Ki-Zerbo: 386, 1972) escreveu, em 1881, num discurso que proferiu na cerimonia de inauguração do “ Liberian Colledge “, em Monróvia, capital da Libéria, que a “ promoção dos africanos deve ser realizada por métodos que lhe sejam próprios. Eles devem possuir um potencial distinto do potencial dos europeus. Devemos mostrar que somos capazes de avançar sozinhos, de abrir o nosso próprio caminho.”
 

Ao propor essa nova metodologia para abordar e debater os problemas africanos da época, Blyden demonstrou ser visionário. Demonstrou, sobretudo, ser corajoso e coerente, se nos atermos a que as suas palavras foram proferidas num contexto histórico difícil para os descendentes de escravos das Américas, para os quais se abriam novos horizontes. De facto, a Libéria emergia, para os que quisessem regressar para o continente africano, como país de destino dos escravos livres da América. No entanto, já se perspectivava nessa época, e em pleno século 19, a partilha do continente africano entre as potencias coloniais europeias, como, de facto, veio acontecer quatro anos mais tarde na Conferencia de Berlim, realizada na capital do império Alemão. A África foi, assim, açambarcada pelas grandes potências coloniais da época, que impuseram novas fronteiras aos povos de África, sem que os africanos fossem consultados. Esta decisão arbitrária abriu um capítulo novo na história da África e a nova colonização a que foram submetidos os povos de África, desestruturou as respectivas sociedades. Criou um novo tipo de relações entre os povos colonizados, e entre estes e os colonizadores, forçados assim a viver dentro de novas fronteiras físicas, sob a bandeira do império colonial. Logo, as palavras de Blyden mantêm-se vivas e continuam cheias de sentido histórico, enquanto guia de acção. Mantêm-se de grande actualidade. Promovem, de facto, a procura identitária. Mexem com a consciência colectiva das elites intelectuais da África subsariana. Reafirmam, quão ingente é, a necessidade de se repensar a África com os olhos postos em África, “ e por métodos que lhe sejam próprios” de forma a “ abrir o nosso próprio caminho”. Impelem repensar a África no contexto das suas próprias realidades socioculturais e histórico-filosóficas, particularmente, a África subsariana, objecto dessa reflexão. Compelem repensar a África enquanto unidade cultural quase homogénea, resultante de complexos processos migratórios, no seio do qual sobressaem os povos de origem “bantu”, que constituem a maioria da população africana. Exclui-se, nessa reflexão, a África do Magreb, a África branca, que conheceu ao longo dos séculos uma evolução politica, social e económica diferente por imperativo de influências exógenas de datam do império romano.
 

Por conseguinte, nesse tempo longo, de 1881, data em que Blyden proferiu o seu discurso, ao ano de 2009, muitas décadas se passaram no compasso longo do tempo, e muitas gerações de africanos se sucederam, tendo-se acumulado variadas e ricas experiencias. É esse conhecimento acumulado que nos permite retirar-se dele, nos dias de hoje, e sem emoções, importantes lições para o enriquecimento do debate contemporâneo interafricano que tem de ser feito para a construção de uma sociedade global Pan-Africana, que se pretende mais justa, democrática e inclusiva. O que é está assim em causa em África? Esta pergunta – que nos interpela amiúde a consciência – suscita várias respostas, que conduzem a diversas interpretações consoante o ângulo de análise e a perspectiva histórica de cada um. Muitos europeus terão, certamente, sobre essa problemática, uma visão diferente da maior parte dos africanos que habitam a África profunda, rural, suburbana e urbana. Os árabes serão, talvez, os menos preconceituosos sobre os africanos e as suas realidades. Viajaram extensivamente pelo continente africano na época áurea do continente africano antes do século 16. (Ki-Zerbo). Seja como for, a África dos nossos dias – a África contemporânea – se transformou num canteiro de tensões por responsabilidade das elites dirigentes. Transformou-se num alfobre de crises, de exclusão social, de golpes de Estados e de assassinatos; num canteiro de cíclicos conflitos, de guerras civis e de disputas fronteiriças, palco de constantes violações dos direitos humanos de milhões de africanos que vivem abaixo dos limites da pobreza. Muitos desses inocentes, que habitam a África profunda, perseguidos nos seus países de origem, procuram refúgio nos países vizinhos, como acontece actualmente na região dos Grandes Lagos.
 

De facto, e com raríssimas excepções, a instabilidade politica e social, produto de politicas e da pessoalização do poder, é uma constante que caracteriza o ambiente político dos Estados actuais africanos. Assim sendo, o debate que se propõe, inclusivo e permanente, que tem de ser feito por africanos e entre africanos, independemente da raça, grupo étnico e credo religioso de cada um, com os olhos postos em África, e por “ métodos que lhe sejam próprios”, tem de se estruturar para que os Estados africanos ocupem um importante lugar no concerto das nações, particularmente no contexto da globalização. Só Estados dotados de instituições fortes podem enfrentar os desafios da globalização, que traz consigo, enquanto nova ordem mundial, não só oportunidades, como também o risco dos países continuarem sempre na periferia da globalização. Independentemente dos desafios da globalização, as elites das comunidades étnico-linguísticas das sociedades africanas, os intelectuais e a classe dirigente dos respectivos Estados, têm de construir os elementos de identidade nacional para que a sociedade global se reveja no processo de construção do Estado-Nação, que tem de ser inclusivo. A exclusão social é fonte de conflitos.
 

Alcides Sakala
Docente Universitário
Mestrando em Relações Internacionais e Estudos Europeus e Africanos
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