Luanda - Há um ano, o Presidente da República dizia aos angolanos que as eleições inauguravam um novo ciclo na vida do país e na forma de fazer política.


* Ismael Mateus
Fonte: SA

A lógica do chefe absoluto:
Andamos todos fartos da prepotência,
impunidade, abusos de poder

Até hoje o Presidente JES só tem razão parcial. Definitivamente, a vida do país mudou. As estradas, o caminho-de-ferro, os hospitais, pescas, as escolas e os projectos habitações têm vindo a mudar de facto o país e, nessa medida, justiça seja feita, as promessas têm vindo a ser cumpridas.


Porém, a forma de fazer política mantém-se a mesma. A começar de Maio de 2008, com a sua III conferência nacional indo até Setembro o MPLA impôs-se a si próprio, internamente e para a sociedade, o compromisso de fazer uma governação diferente. Mais dialogante, mais virada para os cidadãos, mais participativa e menos vulnerável a esquemas e outros males. Um ano depois, o fracasso, neste ponto, é total e, mais grave, ninguém acredita que venha a melhorar a curto prazo.


Houve até nestes 12 meses um certo retrocesso. O governo, sobretudo em Luanda, embruteceu e deixou de dialogar. A liberdade de imprensa, sobretudo na imprensa pública, está muito mais condicionada. O abuso de poder, o nepotismo, o enriquecimento fácil são mais evidentes, menos puníveis e há mais intocáveis.


Realmente, se alguma coisa mudou na forma de fazer politica foi para pior.


O corte radical com as práticas do passado é, até agora, uma quimera, apesar de um resultado expressivo de 82% de votos que deveria permitir dar mais liberdade aos cidadãos (direito de reunião e manifestação) mais circulação de ideias e muito mais autonomia aos tribunais. Um ano depois o país é uma espécie de gelado quente e frio. De um lado quente, com pulsar e visível melhoria.


De outro, frio: calculismo,insensibilidade, mudez e excessos. A própria confusão eleitoral e a falta de culpados são a prova mais do que acabada de que nada mudou e que o crime compensa.


Se o MPLA ao menos tem ‹‹obras que fazem o país acontecer››, como diz a propaganda televisiva, na oposição o desalento é geral. Na nossa oposição é uma esperança que nem sequer chegou a nascer, quanto mais ser a última a morrer.


Um ano depois, todos os partidos da oposição, sem excepção, continuam desnorteados. Mantêm o discurso da fraude e agarram-se a ele para justificar a derrocada eleitoral.


É, no mínimo, esconder a cabeça debaixo da areia. O MPLA obteve cinco dos seis milhões e meio de votos válidos. Conseguiu 84 dos 90 assentos parlamentares do círculo provincial e 107 dos 130 do círculo nacional. Foi vencedor em 162 dos 164 municípios do país. Com toda a sinceridade, os erros cometidos não justificam os números e nem há fraudes que produzam uma cabazada destas.


Ao invés de fazer uma aprendizagem com os resultados, a oposição esconde-se neles. Prefere uma linguagem desculpabilizante, minimizando a falta de empatia com o público, a falta de acutilância e de alternativas. Quando se esperava que democraticamente os líderes renunciassem por terem fracassado do modo tão espectacular, a maior parte deles usou o argumento da fraude para ficar no poder. E não admira que queiram ficar os mesmos 20, 30 ou 40 anos como todos outros políticos e estadistas africanos que se auto-proclamam democráticos. Um ano depois, se eleições fossem hoje, o MPLA não conseguiria os 80 por cento porque, apesar dos balões de oxigénio das obras públicas, andamos todos fartos da prepotência, impunidade, abusos de poder, dos jogos políticos nas questões de Estado. Todavia, o voto também não iria para a oposição que, se fossem hoje, nem chegaria aos 20%. Na oposição nada mudou. Não há uma nova cara política.Nem ideias novas e muito menos um novo estilo de fazer oposição. Até as desculpas para a pouca acção são as mesmas.


Como muitos dirigentes do MPLA, muitos dos líderes da oposição acham-se ‹‹os escolhidos››. A lógica do chefe absoluto, as candidaturas únicas e a intolerância contra o pensamento independente, a luta desmedida pelo poder ou a gestão privada de um bem ou organismo público são traços comuns à oposição e ao partido no poder. Ninguém dá sinais de mudança quanto a isso. Alguns desses dirigentes não têm sequer um perfil claro de liderança.


Do nosso ponto de vista, partidos como a UNITA, pós Savimbi ou,no futuro, o MPLA pós Eduardo dos Santos, necessitam de líderes de transição, que façam o partido emergir depois de um forte estilo e cunho pessoal do líder. Os líderes de transição criam pontes, novas bases de afirmação política, novas práticas e novas elites. Chegam a ser para a vida das instituições mais importantes do que os carismáticos, que quando saem deixam órfãos ou cópias piratas do seu estilo. Às vezes os partidos ou mesmo países se fragmentam com a saída dos carismáticos.


Notam-se esforços mas, na maior parte das vezes, é como o defesa central que é colocado a jogar a ponta de lança: é esforçado, chegam-lhe as bolas mas falta-lhe o jeito e as manhas de ponta de lança. A antecipação, a finta, a provocação da grande penalidade e até a simulação.


A proposta de constituição da UNITA é uma agradável surpresa. Notam-se alguns esforços de maior acutilância do discurso político da oposição mas falta o toque de classe. Os líderes actuais querem ganhar eleições ou querem derrubar os seus adversários internos. Uma nova forma de fazer política requer partidos estruturados, consistentes e assente em ideias e pessoas com pensamento livre. Isso não existe em nenhum partido. O MPLA assume-se como uma máquina eleitoral e, portanto, tem uma engrenagem própria que arrola quem se ajusta na engrenagem. As oposições infelizmente seguem pelo mesmo caminho.


Já só faltam três anos para novas eleições e, ao que tudo indica, teremos outra vez um show de betão, o cimento, a tinta e coisas do género. Ganham-se muitos votos com isso, é verdade, mas ninguém pode garantir que nestes três anos restantes – se chegar a três anos as pessoas não queiram interessar-se também em saber dos seus direitos, de justiça social, de autoridade e de renovação politica.


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