Prezados companheiros:


Amanhã, dia 15 de Outubro, a Assembleia Nacional vai iniciar a segunda sessão legislativa da legislatura inerente ao mandato de 2008 a 2012. Esta é uma ocasião nobre para transmitirmos aos angolanos o ponto de vista da UNITA sobre o que deve orientar os nossos Deputados no exercício das suas funções, das quais destacamos a fiscalização do Governo e a função constituinte.

 

Sendo o Governo politicamente responsável perante a Assembleia Nacional, o início da sessão legislativa constitui uma singela oportunidade para avaliar se o Governo cumpriu ou não os objectivos constantes do seu programa, consagrado no Plano Nacional para 2009, que foi aprovado pela Assembleia Nacional. Estes objectivos são: “reforçar a democracia, respeitar os direitos humanos, melhorar a qualidade de vida dos angolanos, combater a corrupção, melhorar a governação e consolidar a estabilização política do país.”

 

As opiniões dos diversos sectores da sociedade e dos cidadãos em geral, são convergentes: Angola não “mudou para melhor.” Angola piorou. Ao invés de reforçar a democracia, o Governo deixou de dialogar e asfixiou a democracia. Não há liberdade na imprensa pública. A TPA, a Rádio Nacional e o Jornal de Angola tornaram-se nos principais obstáculos ao amadurecimento da democracia angolana. A Assembleia representativa de todos os angolanos não pode permitir que estes órgãos, que pertencem a todos os angolanos, continuem a atentar contra o pluralismo de expressão, que é um dos fundamentos da República de Angola.


Ao invés de promover a unidade nacional, o Governo aumenta o fosso entre ricos e pobres, promove as desigualdades e institucionaliza a exclusão social. Hoje, a filosofia do Governo é esta: “quem não está connosco é contra nós. Há uma subversão da democracia e dos objectivos da República de Angola, consagrados na Lei Constitucional. 

 

A relação de confiança política que deve existir entre o Governo e o corpo eleitoral de cidadãos foi minada, muito especialmente pela não convocação das eleições presidenciais marcadas para 2009. Os compromissos assumidos por Sua Exa. o Presidente da República não foram cumpridos.  


Como já  o declaramos, a não convocação da eleição do Presidente da II República nos termos da Lei Constitucional e dos compromissos assumidos, constitui um atentado a dois princípios estruturantes da República: o princípio democrático e o princípio do Estado de Direito.

 

A agressão do princípio democrático, como princípio fundamental estruturante, significa que o Presidente da transição violou também os princípios constitucionais gerais que o concretizam, nomeadamente, o princípio da soberania da vontade popular, o princípio do sufrágio universal e o princípio de renovação dos titulares dos cargos públicos. 

 

Ao agredir o princípio estruturante do Estado de Direito, o Presidente da República violou igualmente os sub-princípios da constitucionalidade, da prevalência da lei e o princípio da vinculação do legislador aos direitos fundamentais dos cidadãos, em particular ao direito dos angolanos de eleger, de cinco em cinco anos, o seu Presidente da República. 

 

A Assembleia Nacional, enquanto instituição do Estado, deve reflectir no plano institucional, o sentimento e a vontade geral da sociedade, não apenas a vontade de maiorias sazonais, já ultrapassadas no tempo e no espaço. E o sentimento geral da sociedade hoje é que Angola não pode ter por mais tempo um Presidente que não foi eleito pelo povo. Portanto, a Assembleia representativa de todos os angolanos, não pode permitir que o Chefe do Governo sob vossa fiscalização se transforme e actue como um poder à margem da Lei Constitucional e a ela não juridicamente vinculado.

 

Prezados companheiros:

 

Os direitos sociais, económicos e políticos dos angolanos continuam a ser violados pelo Governo, quer por via do esbulho das suas terras, quer pelas demolições arbitrárias das suas casas, quer pelos salários de miséria que promove, quer pela supressão do exercício do direito do sufrágio, quer ainda pelo agravamento da condição de pobreza. No seu Relatório anual, a Universidade Católica evidenciou que a política fiscal do Governo continua a usurpar os recursos das famílias angolanas mais pobres, a despesa pública social foi reduzida e a taxa de pobreza subiu para 68,2%.

 

De facto, a qualidade de vida das famílias deteriorou. A expectativa de vida do angolano continua na casa dos 40 anos. Aumentou a criminalidade e a violência nas cadeias. Agravou-se a má qualidade do ensino, dos serviços públicos de saúde e o fornecimento público de água e luz.   

 

Os objectivos da política económica também não foram alcançados. O PIB decresceu; a inflação subiu para 14%; as medidas de política monetária asfixiaram as empresas e fizeram disparar os preços. A dívida externa aumentou e as reservas do Tesouro baixaram de $20 bilhões, em Novembro de 2008, para cerca de $12 bilhões, em Julho de 2009, sem explicações. Este desempenho não se deve à crise internacional. Deve-se essencialmente às políticas erradas, à má gestão e à corrupção.

 

Angola voltou a descer na lista dos países que governam com transparência e que combatem a corrupção. Angola estava no 147º lugar, agora desceu para o 158º lugar na lista de países menos corruptos, elaborada pela Transparência Internacional (TI).


O abuso do poder, o nepotismo e o enriquecimento ilícito tornaram-se impuníveis. A imprensa continua a publicar denúncias de promiscuidade entre negócios públicos e privados, pelas mesmas pessoas. Sempre as mesmas pessoas! Ficou evidente, no decurso de 2009, que Portugal tornou-se um destino seguro de fortunas desviadas do erário público angolano. 

 

Prezados companheiros:

 

Este quadro permite-nos concluir que a conduta do Governo não reflecte a vontade do povo. Em vez de governar para todos, passou a governar para um grupo cada vez mais pequeno. O Governo confundiu a vontade geral, da maioria nacional, que é social e permanente, com a vontade particular, da maioria política, que é parlamentar e sazonal.  Confundiu o interesse nacional com os interesses particulares. 

 

É vossa responsabilidade, senhores representantes eleitos do povo, utilizar os mecanismos adequados para fazer reflectir nas instituições do Estado, este sentimento geral do povo em relação à má representação que o Governo faz da sua vontade e dos seus interesses.  

 

Outra questão que o povo quer ver resolvida é se a Lei Constitucional vigente fornece ou não a base jurídica necessária para os angolanos elegerem o seu representante para o exercício democrático do cargo Presidente da República. Ou seja, se a mesma Lei que serviu para realizar as eleições legislativas também serve, ou não serve, para o povo escolher o seu Presidente da República. E se o Presidente da transição, que exerce o poder há 30 anos, tem ou não tem competência para impedir que o povo exerça o seu direito de voto, em 2009, como já estava marcado. 

 

A UNITA remeteu à Assembleia Nacional propostas concretas para se resolverem estas questões. O Senhor Presidente do Tribunal Constitucional considerou pertinentes e importantes estas questões, e já manifestou a disponibilidade do Tribunal para pronunciar-se sobre elas. É necessário apenas que a Assembleia representativa de todos os angolanos faça chegar ao Tribunal, em nome de todos nós, o pedido de consulta que a UNITA enviou e que já está na posse do Senhor Presidente da Assembleia Nacional há mais de um mês. 

 

A lei confere à Assembleia Nacional reserva absoluta de competência legislativa para regular todas estas questões do foro constitucional. Por isso, o povo espera que os Senhores Deputados se debrucem com urgência sobre a normalização constitucional do órgão Presidente da República, sobre a data de entrada em vigor da Constituição da III República e sobre o calendário para a criação dos novos órgãos constitucionais. Nesse respeito, a UNITA entende que, na gestão da transição dos órgãos de soberania elegíveis, somente titulares de órgãos eleitos, com mandatos legítimos, deveriam continuar em funções até à eleição dos novos titulares. Os Senhores Deputados não têm mandato do povo para legitimar mandatos que o povo não legitimou através do seu voto livre e secreto.

 

É necessário também que o poder constituinte seja exercido nos marcos dos limites já estabelecidos pelos artigos 158º e 159º da Lei Constitucional. A Assembleia Nacional não pode legitimamente constituir-se em poder constituinte nos termos da Lei Constitucional vigente e ignorar as regras e limites para o seu exercício, estabelecidos pela mesma lei.

 

Angola precisa de criar um clima de estabilidade, serenidade e de segurança jurídica para o exercício do poder constituinte. A base para a criação deste clima é o estrito cumprimento da Lei por todos, em particular por Sua Exa. o Presidente da República, que é o Chefe do Governo sob fiscalização da Assembleia Nacional.

 

Prezados companheiros:

 

Não podia deixar de aproveitar esta oportunidade para apresentar o nosso ponto de vista sobre a situação difícil das famílias angolanas que residem nos dois lados da fronteira com os dois Congos.

 

Os angolanos do Norte de Angola e os congoleses do Baixo Congo fazem parte da mesma grande Nação Bakongo. Os povos de Angola e dos Congos são irmãos. Estão unidos por fortes laços de sangue, por laços históricos e de amizade que não podem ser destruídos nem perturbados por simples políticas migratórias. 

 

Por isso recomendamos que o Governo reavalie as políticas migratórias em curso e resolva esta questão política e social através do diálogo com os governos amigos, nossos vizinhos. Para que todos, angolanos, congoleses e zairenses, possam viver em paz, legalmente, e livremente, no país que escolherem, seja a República Popular do Congo, seja a República de Angola, seja a República Democrática do Congo. 

 

Esta é uma questão política e social, não é, definitivamente, uma questão militar. As forças de manutenção da ordem e de solidariedade social devem pautar a sua conduta no estrito respeito pela dignidade da vida humana e pelos direitos do homem consagrados nas Convenções internacionais e na Lei Constitucional.    

 

Pedimos que todos mantenham a serenidade e exibam o espírito tradicional de hospitalidade e solidariedade, que caracterizam os laços históricos e fraternais existentes entre os povos de Angola e dos Congos. 

 

Desejamos aos Senhores Deputados um ano bastante produtivo e interventivo. Os angolanos sabem que quantidade não é qualidade. Eles esperam de vós inovação, coragem e lealdade, na defesa dos seus interesses, quer no exercício da função fiscalizadora, quer no exercício do poder constituinte. 

 

Muito obrigado.