Luanda - Uma intensa tumultuosidade caracteriza actualmente o funcionamento do sistema angolano de inteligência, sendo provável que pelo menos dois dos três serviços  instituídos, os Serviços de Informação (Sinfo) e o Serviço de Inteligência Militar (SIM), já não estejam a cooperar, revelaram a este jornal fontes dignas de fé.

Fonte: Semanario Angolense 

Serviços de inteligência civis
 e militares em pé de guerra?

Desinteligências entre o director-geral do Sinfo e o chefe do SIM, respectivamente Sebastião Martins e Zé Maria, estão na origem do que será a nula ou quase nenhuma cooperação entre este dois órgãos do sistema securitário angolano, algo decretado em correspondência oficial por Zé Maria, que as fontes deste jornal apontam como tendo escrito ao seu rival, em Abril último, dizendo que «o período de graça (…) para o bom relacionamento entre os dois serviços atingiu o seu termo».

 

De acordo com as fontes deste jornal, quando o chefe do SIM escreveu essa autêntica declaração de guerra, estava a responder a um ofício que a 13 de Abril lhe foi dirigido pelo seu colega do Sinfo a reclamar da actuação de operacionais a inteligência militar angolana na República Democrática do Congo (RDC) e na República do Congo.

 

As fontes contaram que Sebastião Martins escreveu a Zé Maria, contestando o facto de cidadãos angolanos em missões específicas no Congo Kinshasa e no Congo Brazzaville terem estado «a utilizar de forma abusiva» o nome dos Sinfo, apresentando como prova disso a naquela altura recente detenção, pelas autoridades da RDC, de três indivíduos que se identificaram como membros do Sinfo em missão de serviço.

 

Sebastião Martins notou, prosseguiram as fontes, que os três foram libertados pelos serviços de informação congoleses da região de Matadi, depois de terem advertido aos seus congéneres angolanos da «inamistosidade» do acto.


O director-geral dos Sinfo denunciou, nessa correspondência, o facto de investigações conduzidas por esses serviços terem determinado, com base na interpelação de um desses operacionais angolanos, a ocorrência de missões de um designado Grupo Operativo de Inteligência (GOI), em que vários efectivos têm como missão localizar, influenciar e capturar e aniquilar militares da FLEC em território da República do Congo.


Segundo as fontes, Sebastião Martins forneceu a Zé Maria a evidência do indivíduo interpelado ter confirmado estarem os operacionais do SIM envolvidos nessa operação orientados a utilizar a cobertura de pertencerem ao Sinfo.

 

O director-geral dos Sinfo queixou-se, então, ao seu colega do SIM, do facto de aqueles procedimentos enfermarem de uma «falta de coordenação no âmbito do Sistema Nacional de Segurança» que permitisse melhores ganhos do ponto de vista da eficácia e eficiência das acções desenvolvidas no teatro das operações.


Já a utilização abusiva do nome dos Sinfo, concluiu, constitui uma violação à lei. Sebastião Martins aludiu às «excelentes relações» entre os dois serviços e pediu que o general Zé Maria tomasse as providências para sanar esse procedimento, o qual considerou «incorrecto».

 

As fontes que forneceram esta informações ao Semanário Angolense disseram que o general Zé Maria não gostou nada da ‹‹brincadeira›› e que os termos da sua resposta deixam transparecer que pode ter espumado de raiva enquanto respondia ao seu cordial colega do Sinfo.

 

A declaração de hostilidades

 

O general Zé Maria declarou-se pelo fim da cooperação entre o SIM e o Sinfo quando, ao responder ao director-geral destes últimos serviços, escreveu que o «período de graça» que Sebastião Martins, na sua qualidade de vice-ministro do Interior estabeleceu para o bom relacionamento entre os dois serviços, «atingiu o seu fim».

 

«A nota (…) demonstra o período de graça que o senhor vice-ministro estabeleceu para o bom relacionamento que deverá existir entre os dois serviços, atingiu o seu termo, precisamente três anos depois que a actual direcção do Sinfo foi nomeada e empossada, em Abril de 2006», escreveu Zé Maria citado por fontes do Semanário Angolense.

 

De acordo com as fontes deste jornal, Zé Maria afirmou na sua resposta dar também por findo o período de boas relações caracterizado pelo diálogo como forma privilegiada de tratar e dirimir conflitos.


«A nota», voltaram a citar as fontes, «esclarece que o período de boas relações caracterizado pelo diálogo como forma privilegiada para tratar e dirimir eventuais conflitos que nunca chegaram a este nível, também chegou ao fim.

 

Além disso, disseram as fontes, o chefe do SIM considerou de «cínica» e de «pretenso civismo» a alusão às «excelentes relações que unem os dois serviços» evocada por Sebastião Martins no ofício que despoletou a ira do general.

 

As fontes indicaram que ao rebater as questões suscitadas pela carta do director-geral do Sinfo, Zé Maria deteve-se numa referência à violação da lei feita por Sebastião Martins. O general afirmou, citado pelas fontes, que apesar do apego à Lei constitucional vigente, considera que a Lei da Segurança Nacional causa «prejuízos» à actuação dos órgãos da comunidade de inteligência, manifestando, assim, todo o desprezo que nutre por esse instrumento legal.


Nessa carta, o general explica porque despreza essa lei, ao escrever que foi graças a uma nova figura jurídica, o Sistema de Informações de Segurança de Estado, que o SIM passou a gozar de paridade em relação aos outros dois serviços, o Sinfo e o Serviço de Inteligência Externa (SIE).


As fontes disseram que Zé Maria alegou a seu favor o facto das operações do SIM nos dois Congos, iniciadas entre 2004 e 2005, nunca terem chocado com as autoridades securitárias daqueles países.

 

O general afirmou, de acordo com as fontes, que o GOI Militar de Cabinda, ou seja, o próprio SIM, nunca utilizou «roupa usada» de ninguém (uma referência à utilização indevida
do nome do Sinfo em operações como a atracção do comandante da FLEC/FAC para a região de Massabi, Pedro Chicaia «Lembiano», e do ex-secretário de defesa e segurança da FLEC Renovada, conhecido por Zulu, em Julho de 2005.

 

Citando as fontes, para provar o facto hipotético do SIM não utilizar o nome do Sinfo, o general Zé Maria trouxe à liça, em resposta a Sebastião Martins, o facto de numa cerimónia de apresentação de cumprimentos de fim de ano no palácio presidencial, o director-geral do SIE ter-lhe dito:


«general, você faz, mas eu vejo e controlo o que você faz». As fontes disseram que essa alusão foi levantada por Zé Maria para provar que o SIE, que actua no mesmo teatro operacional do SIM, nunca recebeu informações das autoridades congolesas que atestem o facto de oficiais destes serviços terem usado o nome do Sinfo.

 

Zé Maria deixa subjacente que o major Aliança, a quem no seu ofício Sebastião Martins identifica como coordenador de operações do SIM na 2ª região Militar de Cabinda, não trabalha de facto para o SIM, recomendando ao Sinfo que nas suas investigações aprofunde a sua história, a sua inserção militar, com quem ele realmente trabalha, de quem depende e quem lhe dá ordens.

 


Zé Maria pôs em causa o papel do director do Sinfo na eficácia e eficiência das operações do SIM, acusando-o de não ter comparecido a uma reunião tripartida, entre os três serviços da comunidade de inteligência, em 2006 realizada em Cabinda para estabelecer as «linhas de enfrentamento » coordenado contra a FLEC/FAC.

 

Zé Maria termina a sua resposta, um documento oficial, citando os clássicos da antiguidade numa frase que tanto pode constituir uma ameaça quanto o presságio agoirento: «viva Marte, mora Eros…».


Ao contrário, na correspondência inicial, Sebastião Martins apresentou-lhe «protestos da mais alta estima e consideração».