Luanda - Na casa dos 20 anos e longe dos 30, é um dos mais jovens psicólogos clínicos do país, dando o seu contributo no Hospital Psiquiátrico de Luanda.


* Dani Costa
Fonte: O Pais


É docente da Universidade Óscar Ribas e colaborador do Portal de Psicólogos de Portugal, assim como mestrando em Novas Tecnologias aplicadas à Educação pelo Instituto Universitário de Posgrado de Madrid. A psicologia foi a opção mais certa que tomou na vida, segundo ele.


Normalmente, os jovens são apaixonados pela medicina geral, mas enveredaste para a psicologia clínica. Quais foram as razões de fundo?

 

Cada pessoa deve seguir as suas motivações intrínsecas. Claro que na adolescência é muito tênue a linha de definição em relação ao que pretendemos ser no futuro. Sempre gostei de perceber a maneira como as pessoas se comportam. Tive um professor de Psicologia na 10ª classe, embora não fosse o preferido, mas soube transmitir aquilo que precisava para decidir sobre a opção final a par da influência literária, nomeadamente nos romances policiais de Agatha Christie, Sherlock Holmes, Henrique Nicolau entre outros. Tenho amiúde referido que foi a opção mais certa que tomei até aqui.

 


O que é ser um psicólogo clínico num país como Angola, onde vivemos muitos anos de conflito? Sente que já se dá a devida importância aos profissionais deste sector?

 

A vitória não se dá, conquista-se.

 

Não se pode viver do passado, nem alimentar falsas esperanças sobre o futuro. Cada país tem a sua especificidade. Angola, como tenho escrito na coluna “Psicologia & Você”, teve um contexto particular e cada um de nós, na sua área de formação tem de contribuir para o relançamento das bases que se perderam nos variados campos do saber. Particularmente, falando dos profissionais de saúde, o caminho a percorrer ainda é longo, desde a consolidação da formação, a divisão das estruturas de base, as condições materiais e humanas, culminando com a assistência médica e medicamentosa, assistência psicológica aos pacientes e suas famílias no sentido de manter o equilíbrio emocional.

 

A guerra trouxe várias consequências às pessoas, sobretudo a nível psicológico. Como quadro do Hospital Psiquiátrico de Luanda, quais são as patologias que mais tem atendido?

 

Essa questão parece que é a que mais alimenta os repórteres e as pessoas de modo geral. No fundo, o medo que temos de ser considerado “perturbado”, “louco”, “anormal” leva-nos a tatear no escuro e muitas vezes escondemo-nos na aparência comum, para dizer que somos normais. O critério de normalidade é subjectivo e estatístico. De acordo com a estatística do Hospital Psiquiátrico de Luanda elaborada em 2008, as principais patologias são: Esquizofrenia, Perturbação psicótica induzida pelo uso de álcool, Transtorno Bipolar, Depressão e Malária Cerebral. Em relação às consultas de Psicologia, refiro-me à estatística pessoal no mês de Outubro: Hiperactividade (tipo desatento e tipo impulsivo), Perturbação de Adaptação, Perturbação de Ansiedade Generalizada, Fobia Social, Esquizofrenia, Distimia e Depressão.

 


Sete anos depois do fim do conflito, acha que a psicologia clínica tem sabido dar respostas às solicitações, tendo em conta que as dificuldades sociais agudizaram-se no seio de algumas famílias?

 

O número de quadros que o país tem não é suficiente nem desejável para responder à demanda. Temos ainda a agravante das pessoas formadas estarem confinadas aos centros urbanos, porque no interior do país, não existem as condições de habitabilidade para um técnico superior.

 

Outro inconveniente é a formação quantitativa que se faz nas nossas universidades, onde a qualidade dos formandos deixa muita a desejar, por vários factores, desde o baixo nível de interpretação dos estudantes, ao turbo dos docentes e o facto de muitos estudantes terem preconceito de actuar na sua área, estando apenas para receber o canudo e elevar o elogio fúnebre.

 


Essa tarefa de tentar controlar o comportamento humano não é mais difícil que tratar, por exemplo, doenças como a malária e outras?

 

A existência humana pressupõe sofrimento. Não existe doença difícil nem doença fácil. Estar doente é uma condição desagradável que o ser humano é acometido e precisa aceitar para poder melhorar o seu quadro clínico. A aceitação é o primeiro passo para o êxito do processo terapêutico.

 


Tem-se dito que cada um de nós tem a sua “pancada”, mas uns mais do que os outros. Concorda com isso? Porquê?

 


Uma vez, o conceituado cantor brasileiro Caetano Veloso disse “Ninguém é normal”. As pessoas são diferentes e apresentam caracteres de personalidade predominantes no seu modo de ser.

 


Os hábitos e costumes que ao longo da infância se formam mecanicamente, ao longo da adolescência e no amadurecimento das relações interpessoais, tornamo-nos autênticos na maneira como lidamos com o mundo e no jeito de gerir as emoções.

 


É verdade que os doentes com perturbações mentais nunca ficam curados a 100 por cento, restando sempre algumas sequelas que podem acompanhálo para a toda a vida?

 

No Workshop sobre saúde mental e integração social, que se realizou a 13 de Outubro na Universidade Óscar Ribas, debateu-se essa questão veemente. As perturbações mentais estão entre as mais custosas para a sociedade. Quem tem acompanhado a nossa actividade na promoção da saúde mental, sabe que toda patologia psiquiátrica e os distúrbios emocionais podem ser evitados. Quando me pergunta sobre sequelas em relação ao futuro preciso de elementos científicos para o responder e depois conduzir uma pesquisa com os pacientes psiquiátricos para confirmar ou rejeitar a sua hipótese. Em ciência fala-se com dados. Desculpe se não fui directo à questão colocada.

 


Sentir-se-ia magoado se alguém acorra a si tratando-o como “médico dos malucos”, tendo em conta a designação pejorativa com que muitos ainda se referem ao Hospital Psiquiátrico de Luanda?

 


Magoado não diria, cada vez que alguém usa este termo, faço questão de corrigir a pessoa. A minha correcção começa em casa, com a minha irmã que tem a mania de chamar “doidos” “, “o teu paciente maluco está aí fora”.

 

É preciso dizer que as pessoas no fundo desconhecem a funcionalidade do psiquiatra e do psicólogo. Tenho escrito que cada um de nós a determinada altura da vida, pode sentir que por si só, não é capaz de suportar as emoções, tomar uma decisão ou enfrentar um desafio e necessite de ajuda especializada, sem que para isso seja chamado de “louco”, aliás, este termo já não se usa.

 


Pertence a uma família com algum historial a nível da política e do jornalismo. A psicologia foi um mero acaso ou a realização de um sonho?

 


O histórico familiar exerce influência na tomada de decisão da pessoa. O homem por natureza é um animal político. Não podia fugir ao caso. Embora não seja jornalista, escrevo com regularidade, sou editor cultural, tenho livros científicos escritos que aguardam por financiamento. Mas para responder directamente a questão que me coloca, digo-lhe sinceramente que é a realização de um desafio exercer a clínica em psicologia no contexto angolano e sinto que sou útil aos meus pacientes, seus familiares, que no fundo tem sido a minha base de inspiração nestes últimos dois anos que tenho dedicado a maior parte do meu tempo à investigação sobre saúde mental.


 

Perfil


Nome: Nvunda Will Sérgio Tonet

Filiação: William Afonso Tonet e Ana Francisco Sérgio Tonet

Data de Nascimento: 29 de Agosto

Estado civil: Solteiro

Filhos: Nenhum

Cantores favoritos: Minha musicoterapia: Linkin Park, Djavan, Coldplay, Andrea Bocelli, Amy Winehouse, Anselmo Ralph, James Blunt, Lenny, John Legend, Alcione, Paulo Flores, Maroon 5 e U2.

Prato preferido: Caldeirada

Tempos livres: Passear, descansar, comer em restaurante, viajar, escrever, ler e auto-análise.

Livros: “A Quarta Idade” de Dario de Melo, “Alquimista” de Paulo Coelho, “O futuro da humanidade” Augusto Cury, “Ombela” de Manuel Rui, “Momentos de aqui” Ondajki “Um anel na areia” Manuel Rui “Cartas para maridos temerários” Dyakasembe “Doença mental: Pesquisas e teorias” Christian Spadone, “História da Loucura” Michel Foucault, “Psicologia dos transtornos mentais” David Holmes, “O mal-estar na civilização” Freud, “Psicogenese das doenças mentais” Carl Gustav Jung e “Identidade e Genero entre os Handa no sul de Angola” Rosa Melo.

Filmes: Uma mente brilhante, Mrs. Brooks, Hallowen, O quarto do Filho, O último rei da Escócia, Melhor é impossível, 16 Blocks, Paranóia, Uma vida secreta.