Luanda - O Príncipe reconheceu que a sociedade tem um muito mau conceito dos políticos angolanos. Ele disse que o político é tido como um “homem sem palavra, desonesto, sem escrúpulos”. Acrescentou também na ocasião que “os políticos devem respeitar as regras estabelecidas e as leis, pautando a sua conduta por comportamentos e procedimentos éticos e tendo no centro das suas preocupações o respeito pela pessoa humana e a sua liberdade para o exercício da cidadania”. Isto não é novo. Trata-se quase de um plágio do colectivo.


Fonte: AGORA

 

Muitos já o disseram. Fazedores de opinião, comentadores, analistas, cientistas, líderes religiosos, políticos, associativos, corporativos, cidadãos anónimos já gritaram esta verdade, vezes sem conta, perante a surdez do Príncipe. Se o diz hoje (mais vale tarde do que nunca) tem que fazer casar as suas palavras com os seus gestos. Uma pessoa (ou uma instituição) não pode ser avaliada por aquilo que diz de si própria; o critério da verdade são os seus actos e a consequência (lógica ou real) desses actos. Sendo o seu grande problema o de aceitar a ideia da responsabilidade dos governantes diante dos governados (incluindo a dele próprio), JES continua a fazer de conta, cada vez que fala, que não tem nenhuma responsabilidade em relação ao que está acontecer neste país. Fala dos problemas políticos, económicos e sociais, como se fosse um político que chegou ao poder ontem e que ainda não teve tempo para mudar o quadro profundamente negativo por ele próprio descrito e “denunciado”, mas que transborda de boas intenções para o fazer. Quem tivesse chegado recentemente ao país e ouvisse o presidente do partido da situação a falar era capaz de pensar que ele tinha chegado ao poder, no ano anterior, pelas eleições de Setembro de 2008 e que teria conseguido a votação excepcional de cerca de 82% dos votos, não através de batota, (o que contribui muito para a “boa” imagem dos políticos) mas porque a situação do país era muito má, os políticos que estavam anteriormente no poder eram muito corruptos e tinha caído no descrédito completo e ele, com a força da legitimidade popular, estava agora a fazer um grande esforço de mudança. Mas, apesar dessa boa-vontade, um ano de “novo” governo não tinha ainda sido suficiente para concretizar a suas promessas eleitorais que agora, por circunstâncias do congresso do seu partido, empenhadamente reafirmava os seus compromissos.  

 

Ora, o cumprimento da palavra dada é fundamental para se ajuizar da seriedade dos políticos. E, neste capítulo, JES tem sido um mau exemplo para o país, demonstrando um verdadeiro desprezo e falta de respeito para com os cidadãos, mesmo para com aqueles que o têm como o seu presidente. Ora, se quer colocar qualquer coisa de genuíno nas suas palavras de hoje, tem não só de deixar de dizer uma coisa e fazer outras mas também abandonar o mau hábito das meias-palavras, dos silêncios e da reserva mental e adoptar a boa prática da justificação e da clarificação. Ora, o que tem que clarificar agora, é a incoerência de se afirmar como defensor da democracia e ter a intenção de se manter no poder sem a legitimidade do povo. Isto é que os cidadãos, (mesmo quando não o sabem explicitar em boa forma) não percebem. É, por isto, que “é voz corrente, como diz, equiparar-se a pessoa investida em funções políticas com o homem sem palavra, desonesto, sem escrúpulos, etc”.

 

O PR disse, de forma tão solene como agora, que o país entraria num novo ciclo político, caracterizado, em primeira linha, pelo facto de reencontrar a normalidade institucional através da legitimação dos órgãos de soberania pelo voto popular, como está previsto na Constituição. Deixou implícito, até pelo pronunciamento de vários governantes, que depois de realizada a eleição presidencial, por voto universal directo, em eleição própria, em 2009, viriam as eleições autárquicas, a ter lugar, de forma gradual, nos anos subsequentes. Agora o mesmo PR (não outro) vem dizer que acha que “é desejável que o MPLA possa cumprir integralmente o mandato para governar o país, que obteve através das urnas no ano passado”.


Muito bem! É legitimo que assim o seja. Mas, o Presidente da República? Vai ser o Presidente de Angola, durante este período, com que legitimidade? Mais uma vez vai gozar de uma “legitimidade” excepcional? Baseada em que argumentos de razão? Que “esquerda democrática” é esta que recorre ao atavismo político conservador, à “continuidade do poder”, à “legitimidade histórica”, à “força providencial”, ao “líder de excepção” e a todos os argumentos do fascismo para se opor à legitimidade democrática? Qual a diferença entre esta “esquerda democrática” atípica e a “legitimidade” ditatorial da ideia zuche, na Coreia do Norte, do líder revolucionário em Cuba e de outras ditaduras, pelo mundo fora que estiveram todas representadas no recente Congresso?  Isto, associado a ideia de que o mais importante não é a liberdade mas a disciplina; isto não é o “centralismo democrático”, que dizem ter abandonado no interior do partido da situação, aplicado ao país?

 

Há qualquer coisa de fundamental que tem que ser percebido. Todo a filosofia de base de desenvolvimento que está a ser pensada ou realizada a vista descoberta é tendente a afirmar um desenvolvimento separado, à reprodução do subdesenvolvimento e, a termo, a alimentar uma explosão social. Para que o país seja previsível, dê passos seguros na senda do desenvolvimento e da realização da justiça social, é preciso que se aceite, como ideia de fundo (por isto, estruturante) e de orientação da acção a necessidade de políticas integradas e integradoras, a mudança da estrutura de oportunidades do país. Ora, o Príncipe tem estado contra tudo que vai nesse sentido e sente-se “orgulhoso de ser um dos mentores da mudança que nos conduziu até à presente situação e de ter emitido as primeiras opiniões nesse sentido”; o do apartheid social. Apesar de hoje se mostrar aparentemente preocupado com o facto do país registar índices sociais vergonhosos, dispondo de imensas riquezas, no passado, depois da sua conversão às virtudes do mercado, nunca tomou posição contra o capitalismo triunfante, pelo contrário, louvou-lhe as virtudes e mostrou-se orgulhoso de pertencer a corrente da moda, o liberalismo mais radical. Nessa altura era sua prioridade a formação de uma classe rica que pretensamente seria a locomotiva do desenvolvimento e do enriquecimento dos “outros” que não tinha sabido acumular riqueza. Agora, depois de duas décadas de acumulação primitiva selvática, traduzida pelo forte e constante crescimento do índice de Gini, e mudos a todas as chamadas de atenção, atribui o facto da pobreza, no país, a razões históricas e à guerra e nunca à política de predação do grupo hegemónico de poder.

 


Por isto, os discursos de abertura e encerramento do VI Congresso do partido da situação, embora sejam peças de retórica política muito interessantes, do ponto de vista da ciência política, até pelas contradições que encerram, pela psicologia política que demonstram, embora possam parecer diferentes na sua forma e na aparência de algumas passagens (“democracia”, “voto secreto”, “dialogo social”, “bem-estar”, “justiça social”, “mérito do trabalho”, “remuneração justa”), em termos de conteúdo essencial não trazem nada de novo.

 

Desde logo, porque ignora uma perspectiva de desenvolvimento integrado, de largo alcance, e, por isto, não fala da Estratégia de Combate à Pobreza, nem de agendas de consenso nem tão pouco da Agenda 2025. A “grande questão” para o partido da situação e, particularmente, para o seu Presidente é (continua a ser) o poder: o de hoje e o de amanhã. O que quer dizer que não aceitam, em situação nenhuma, a ideia de alternância, o que seria normal, para um partido democrático. O poder, antes de mais e eternamente. Depois, subordinado a este poder, vem então a “concepção de desenvolvimento, bem-estar e felicidade dos cidadãos”. O que quer dizer que se preocupa mais com as questões de Estado, do que com as questões de sociedade, que prefere a ordem à liberdade, que para si o “partido (de todo) do Povo”, o seu partido, é um partido providencial. É esta concepção de partido total e a relação de subordinação da sociedade ao “partido do Povo” que põem a descoberto um pensamento totalitário que se procura esconder por detrás da repetição, sem nenhuma convicção, de alguns “lugares comuns”.

 

É aqui, na incapacidade de honrar a palavra dada, ou de se justificar, perante a opinião pública, em caso de uma nova opinião, que está o descrédito pessoal do Príncipe e de outros dirigentes do país. É claro que há necessidade de se “credibilizar”, “valorizar” e tornar nobre a função política, desde logo a partir da mais alta magistratura da Nação.