Com o título «Dinheiro farto», a Veja de 23 de Abril dizia isso: «A Camargo Corrêa vendeu em apenas seis dias os 148 apartamentos do Acquaville Residencial Talatona, lançado em Março.

Os preços, salgados, variavam entre 760 000 e 1,9 milhão de dólares. Beleza. Mercado imobiliário brasileiro aquecido? Nada disso: o Acquaville fica, pode acreditar, em Angola. É o primeiro empreendimento imobiliário da Camargo na África».

Construção dos complexos...direccionados para o
nicho do mercado de renda média-alta e alta

Já antes disso, a Escom, que, entre outras coisas, actua como promotor imobiliário associado do português Grupo Espírito Santo, havia despachado por inteiro o seu ainda não concluído Edifício Espírito Santo, onde o preço de uma unidade habitacional era mais do que salgado: era «ajindungado», certamente, em face da sua localização, no elegante bairro luandense do Cruzeiro.

Muitos mais exemplos podem ser dados para provar a autêntica febre compradora que aquece o mercado imobiliário de Luanda, mas estando isso a acontecer aqui, no meio de flagrantes contrastes entre os pouquíssimos que podem e os muitos que não podem ter acesso à habitação pela sua severa condição de pobreza, acaba por destapar o curso de um insidioso fenómeno de exclusão social que, se não está a ser promovido pelo Governo, pelo menos está a ser tolerado.

É que os promotores imobiliários, ou seja, as empresas ou entidades que financiam a construção dos complexos habitacionais posicionam-se maioritariamente em projectos direccionados para o nicho do mercado de renda média-alta e alta, deixando a procura de habitação social por conta de ninguém. Aliás, segundo apurou este jornal, é a isso que se dedica a generalidade dos promotores imobiliários: os dez mais importantes em Angola, como são os casos da Soares da Costa, Teixeira Duarte, Mota-Engil, Somague, Escom e Edifer (Portugal); China International Fund (China); Odebrecht e Camargo Corrêa (Brasil); e Geny Angola (Angola) posicionaram-se na oferta de habitação e outras facilidades imobiliárias de alto padrão.

Um caso paradigmático do posicionamento dos promotores imobiliários é o da Odebrecht. Quando iniciou aqui os seus negócios imobiliários, em meados dos anos 90, essa empresa projectou uma pesquisa para tentar mensurar o mercado e, a partir daí, decidir em que tipo de oferta apostar. Naquela altura não havia, no mercado luandense, dados estatísticos fiáveis sobre o assunto, pelo que o foco da pesquisa foi desviado para o posicionamento da empresa, o que significa a predisposição para actuar em prol de um determinado segmento ou nicho do mercado.

Os estudos acabaram por determinar que a Odebrecht servisse o nicho representado pela classe média-alta e alta. Logo a seguir, em 1997, a empresa lançou o seu primeiro condomínio de luxo, a Atlântico Sul, que só acabou de ser vendido em 2005. Quando, entretanto, no ano seguinte a Odebrecht lançou o Riviera Atlântico, as vendas apenas levaram sete meses. Hoje, conforme atestam os factos, a venda desses dispendiosos imóveis, em que os preços partem de perto de um milhão de dólares e chegam a atingir dois ou três milhões de dólares, pode levar, no máximo, entre dois dias e uma semana.

Num cenário leonino como esse, apenas um promotor imobiliário decidiu actuar no mercado da habitação de custo controlado, mas, mesmo assim, na qualidade de intermediário e não como executor. Trata-se da Imogestin, que em 2003 obteve do Governo um contrato para organizar o processo de venda pública dos imóveis do Projecto Nova Vida, fundamentalmente destinado a funcionários públicos, mas que costuma distribuir alguns deles por particulares interessados.

Há, no mercado luandense, um outro tipo de oferta de imóveis, consubstanciado no cooperativismo e até mesmo no associativismo, casos como os condomínios ou conjuntos habitacionais mandados erguer para os seus trabalhadores por empresas como a Sonangol, Bci, Bpc e Chevron. Mas, via de regra, não se pode dizer que estes últimos projectos tenham resolvido a questão do controlo dos custos: a cooperativa O Lar do Patriota, que, com base em prestações adiantadas pelos compradores, prometeu casas com preços que inicialmente partiam dos 45 mil dólares, já desfez o compromisso à luz dos preços dos insumos, que se tornaram incompatíveis com o que parecia ser a carolice dos promotores da iniciativa.

Por último, mas sem ser o fim, começou a emergir, com principal incidência para os últimos cinco anos, uma oferta de habitação social afecta aos programas de desalojamento de cidadãos das chamadas áreas críticas (ou seja, voláteis a desastres), ou de zonas em que decorrem actualmente obras de beneficiação e construção de infra-estruturas. Nestas condições, o acesso à habitação em Luanda pode conduzir a constatações que revelam a natureza do regime político-social vigente no nosso país: uma especulação que beneficia os mais favorecidos, resultando num fenómeno de exclusão social.

Segundo representantes de um promotor imobiliário posicionado no nicho de casas de alta renda, os seus clientes são sempre empresários angolanos e expatriados, estes, quase sempre ligados aos sectores do petróleo e diamantes. Os empresários locais, precisou, compram os imóveis como investimento e, uma vez satisfeitos com os resultados, voltam e persistem nesse negócio, comprando uma ou várias outras casas, para depois alugar ou revender.

Uma vez que não existe uma oferta sistematizada de imóveis mais baratos, ficando-se, esta, por aquela direccionada para os fins da contingências das obras de Luanda, dois flagrantes problemas emergem. Em primeiro lugar, nem a também emergente classe média deste país, de pobreza dominante e arrebatadora, consegue aceder à habitação, uma vez que a oferta maioritária aparece com preços milhares de vezes superiores ao seu poder aquisitivo.

O fenómeno que ocorre a esse nível é o de uma exclusão tão ampla quanto profunda, já que ela inicia em patamares anteriores àquilo em que é suposto. Em segundo lugar, dá-se o facto dos projectos de alta renda não poderem solucionar o problema do equilíbrio entre a procura e a oferta de imóveis, deixando pairar a pressão sobre os preços. Isso transporta a exclusão para um ciclo vicioso.

Especialistas do sector têm deixado claro, em vários foros, que o problema dos preços do mercado imobiliário de Luanda não será suplantado enquanto perdurar o desequilíbrio vigente entre a procura e a oferta. Mas esses especialistas acreditam que, por si só, uma eventual redução dos actuais desequilíbrios não solucionará o problema dos preços dos imóveis caso não se resolva, também, a questão de todas as outras variáveis que contribuem para a formação dos preços no imobiliário.

Antes do Presidente José Eduardo dos Santos ter anunciado, na recente conferência nacional do Mpla, o ambicioso projecto de construção de um milhão de casas em quatro anos, conjecturas avançadas quando esteve em Luanda o presidente do Banco de Desenvolvimento da China apontavam para o facto do acordo financeiro para a obtenção de um crédito de nove biliões de dólares, naquela altura assinado, pudesse estar ligado à construção de umas 180 mil habitações em todo o país.

Fontes deste jornal estimaram que mesmo uma oferta dessa magnitude poderá não ter qualquer impacto sobre os preços do imobiliário se os actuais custos de produção se mantiverem (ler mais na caixa «o preço da lua»). Para já, o facto que mais poderia contribuir para a redução dos custos, segundo os especialistas, seria o aparecimento de uma indústria nacional de produção de insumos.

Para isso teria que haver um nível tal de transacções imobiliárias que desse lugar a investimentos num parque industrial dedicado à construção civil, sendo, no entanto, preciso lembrar que as compras desse mercado aparentam estar em efervescência, não pelo número de unidades vendidas, mas pela escassez aliada ao volume das somas envolvidas. Estudos internacionais de há dois anos, nunca contestados pelo Governo antes de Bob Geldof ter posto a boca no trombone, mostravam Luanda como um local em que o imobiliário detinha uma das mais altas taxas de rentabilidade do mundo. A esse nível, de ano para ano, as coisas têm evoluído de feição para os promotores e investidores, mas a desfavor dos necessitados de habitação residencial.

Fonte: SA