Luanda - Consulta Aos Líderes E Membros Das Bancadas Parlamentares Sobre O Modelo De Eleição E A Propriedade Da Terra No Debate Constituinte  Angolano. Depois dos dois debates que foram os primeiros e os últimos realizados pela Comissão Constitucional nos dias 21 e 22 passados, sobre o texto de base resultante da Versão das Normas Assinaladas, das quais setenta anotações foram tomadas do projecto A, cento e treze do Projecto B e duzentos e um do projecto C que contou com a participação de juristas, estudantes, investigadores, jornalistas e outros grupos sociais, propus-me aprofundar um pouco mais o estudo em torno deste fenómeno político-jurídico, consciente da delicadeza do assunto.


Investigador: Coque Mukuta
Fonte: mukuta.bloguepessoal.com

Constitucionalistas um sentimento de patriotismo

Sabe-se que cada época vivida apresenta suas feições espirituais e têm características próprias. Assim, andei de bancada em bancada e procurei conhecer o espírito e o sentimento que norteia os líderes e membros das agremiações políticas, no que concerne a forma de obtenção do poder presidencial, como símbolo da nação, (Artigo 106 modelo de eleição do Presidente da República), e a estada territorial, (Artigo 15 sobre a propriedade da terra), todos eles do actual texto de base da futura constituição.


Alistei, nomeadamente: ND, FNLA, PRS, UNITA e MPLA para a interpretação de algumas redacções à serem discutidas, entre as quais uma delas teve já o pré-debate, entretanto, suspenso por não ter reunido consenso; a “propriedade da terra”, assim como o actual Artigo 106) com apanhados que passamos a citar:

O número 1 do Artigo 15). A terra constitui propriedade originária do Estado e pode ser transmitida para as pessoas singulares ou colectivas, tendo em vista o seu racional e efectivo aproveitamento, nos termos da Constituição e da Lei. 2. É reconhecida às comunidades locais o acesso e o uso das terras, sem prejuízo da possibilidade de expropriação por utilidade pública nos termos da Lei.

 
Artigo 106) É eleito Presidente da República o cabeça de lista do partido político ou coligação de partidos políticos mais votado no quadro das eleições gerais, realizadas ao abrigo do Artigo 139) e seguintes da presente Constituição.
Os resultados produzidos resultam fundamentalmente de três questões preliminares colocadas:

1.      Se, o Artigo 106) sobre o modelo de eleição do Presidente da República no texto de base que está a ser discutido pela Comissão Constitucional viola ou não o Artigo 159, sobre os Limites Materiais da actual Lei Constitucional?

2.      Que interpretação deve ser feita sobre “a votação de dois órgãos de soberania num único boletim de voto?”
3.      Afinal de quem é a terra. E porquê?


Vejamos os argumentos de fundamentação dos nossos entrevistados:
ND - Nova Democracia Nzola Pierre Momona, Deputado e membro da Comissão Constitucional. Para a eleição do Presidente da República diz defender, não o modelo a cabeça de lista, como propala o projecto C, mas sim a eleição indirecta na Assembleia Nacional onde os deputados elegem o Presidente da República exemplificou a África do Sul e a Inglaterra, advoga ser uma inovação e diz não ser uma imposição, mas sim uma proposta. Não respondendo directamente se viola ou não o Artigo 159) remete as questões de legalidade ao senso do povo angolano.


Sobre a terra revelou haver duas posições uma política e outra pessoal. Para a posição política diz ser o que propuseram no seu ante-projecto é propriedade originária do Estado. A posição pessoal é que “a terra do meu ancestral não pode ser de outra pessoa mas sim minha” asseverou.

 
Caracterização: um homem livre, mas sem ideias de sociedade é mais virada, as orientações e o ventre do que a honra e dignidade.


FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola, Ngola Kabangu Presidente da Bancada Parlamentar formação Superior Licenciatura concluída em Engenharia Electrónica.


Para o político a eleição do futuro Presidente da República deve ser feita de maneira universal, directa, secreta, periódica, livre e democrática, respeitando assim rigorosamente os limites materiais definidos no Artigo 159º e defende ainda que se as eleições forem em simultâneo, elas devem ser bem definidas para não confundir os cidadãos eleitores.


O seu partido diz o político, sempre defendeu e continuará a defender que a terra seja uma propriedade originária do povo, cabendo ao Estado a gestão e a regulamentação do acesso e da utilização para o bem das comunidades e de outros beneficiários. Lembrou ainda que a problemática da terra no tempo colonial constituiu a causa principal das revoltas patrióticas de 4 de Janeiro e 4 de Fevereiro, e finalmente do levantamento generalizado de 15 de Março de 1961, data do inicio da luta de libertação nacional.


Caracterização: um homem livre mas com expressão condicionada à delicada situação interna que se vive no seio do seu partido. Está por esta razão cauteloso, mas conserva a dignidade.


PRS – Partido de Renovação Social, Sapalo António Presidente da Bancada Parlamentar, formação superior, Dourando em Gestão Global e Docente de Economia da Universidade Independente de Angola.


Para o político a problemática do Artigo em que o Presidente é eleito a cabeça de lista não é discutível por ser imoral, ilegal e inconstitucional. E sustentou: Imoral porque do ponto de vista social, cultural e tradicional o comportamento de um líder molda a posição de uma sociedade, e foi o Presidente da República José Eduardo dos Santos incitou o mal. Ilegal porque no projecto de constituição apresentado a Comissão Constitucional no tempo estabelecido em nenhum constava eleições a cabeça de lista dos deputados e segundo o político a lei proíbe entradas fora dos prazos previstos. Inconstitucional porque viola a separação de poderes, para o caso, dois órgãos de soberanias não podem ser eleitos num único boletim de voto. E sustenta ainda que o Artigo 159 alíneas d) e f) da actual constituição é clara e que o grande problema está na salvaguarda do Presidente da República José Eduardo dos Santos.


No que diz respeito ao Artigo 15) sobre a terra diz que é propriedade originária do povo por simplesmente o Estado existir depois do povo, o povo Angolano é muito mais antigo e que pertence aos nossos ancestrais, enquanto o estado angolano existe apenas desde 11 de Novembro 1975 a quando da Independência de Angola.


Verdadeiro sentimento: um homem livre, com ideias próprias, saturado com o que chamou de Imoral, Inconstitucional e ilegal, com dificuldades de passar das ideias às palavras é minimamente virado à honra e a dignidade.


UNITA – União Nacional para Independência Total de Angola, Presidente da Banca Parlamentar Alda Sachiambo Formando em Ciência Política na FLCS da Universidade Agostinho Neto.


Sobre a eleição do Presidente da República, Sachiambo cita as cláusulas Petreas, como os pilares da Democracia, conquistada a sangue dos Angolanos.


Cita ainda o Artigo 159) da actual Lei Constitucional, nas suas alíneas d) o sufrágio universal directo, secreto, e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania e do poder local; f) a separação e interdependência dos órgãos de soberania e a independência dos Tribunais.


E se a eleição por sufrágio universal directo e secreto em lista autónoma é uma garantia à separação do poder. O constituinte originário pretendeu criar uma barreira de protecção em torno dessa matéria, de tal forma que nem mesmo por maioria qualificada a Assembleia Constituinte pode revogar esse pressuposto considerado como fundamental. A Assembleia Constituinte através de emenda, pode modificar qualquer norma da Constituição, menos revogar aquelas que são consideradas como cláusulas pétreas. Sendo, portanto, “ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a aboli-las”

 
Já à votação de dois órgãos de soberania num único boletim de voto, considera ser autêntica violação ao princípio da separação de poderes, para a dirigente o órgão de soberania Presidente da República é o órgão executivo do sistema de poder, onde o Poder legislativo faz as leis e o Judiciário julga os conflitos que possam surgir entre os cidadãos, entre estes e o poder executivo ou mesmo entre os órgãos da administração do Estado na prossecução dos interesses da comunidade ou do Estado.


Portanto, seja dado como liquida a interpretação de que essa proposta é inconstitucional, diz a Deputada, porque contraria a alínea f) do artigo 159º da Lei Constitucional, sobre a separação dos órgãos de soberania. O Presidente da República é órgão de soberania. A Assembleia Nacional, constituída por deputados é também outro órgão de soberania. Poderia não ser assim, mas essa é a vontade do constituinte originário, o Povo é o ente investido de soberania, ou seja do poder de autodeterminação dos seus destinos e anseios. Ninguém tem poderes para contrariar essa vontade, salvo em caso de referendo, também não exercitável através desta constituição. Neste ponto realçou, o ensinamento de Celso Ribeiro Bastos sobre o poder, em lição de Lowenstein de que: “O poder é tido como um dos três incentivos fundamentais que dominam a vida do homem em sociedade e rege a totalidade das relações humanas, ao lado da fé e do amor, unidos e entrelaçados”. 


Na verdade a terra deve ser propriedade originaria do povo, essa qualidade conferiria a possibilidade de o angolano ter pelo menos algum meio de posse, por titularidade originaria, mesmo sem documento de entidade pública, conferindo-lhe prerrogativas de, da mesma, fazer valer os direitos de posse, os direitos de crédito, e mesmo até os direitos de dela não ser espoliado sem a devida compensação por quem detenha “poderes leoninos”, especialmente quando se está perante pessoas com poder financeiro que lhes permite usar e abusar às vezes dessa qualidade, ou ainda perante os poderes públicos em caso de expropriação por utilidade publica.


É pensamento defensável para o legislador constituinte que a terra é propriedade originária do povo angolano sendo que o Estado é o instrumento jurídico criado e controlado pelo povo para a realização dos fins políticos, culturais, económicos e sociais dos angolanos. Ao Estado incumbe-lhe proteger e valorizar as comunidades autóctones africanas herdeiras do território da República de Angola, as suas terras, a sua cultura, as suas línguas, os seus valores e os seus direitos de cidadania.


Verdadeiro sentimento: uma mulher livre, com firmeza nas suas ideias e virada à honra e a dignidade, lembro-vos que, é das líderes que revelou-me: “se fosse pela decisão uni-e-pessoal, eu já teria abandonado aquele parlamento!”.


MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola, Bornito de Sousa é Presidente da Bancada Parlamentar. Formado em Direito é Professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto – para o político se o modelo de eleição de modo cabeça de lista reflectido no Artigo 106) do texto de base em discussão na assembleia nacional, viola ou não o artigo 159 da actual Lei constitucional parece que não.


Sobre a interpretação da votação de dois órgãos de soberania num único boletim de voto o deputado disse que é assim nos outros países, e toma por exemplo a África do Sul entre outros.


Sobre a terra o deputado remeteu-nos ao conceito de Estado que é o território, poder e o povo, questionando porque que vai ser apenas de um elemento e não de todos? (entrevista colectiva)   
Caracterização: um homem livre, com bastante ideias e virado ao chefe. Preserva o mínimo de honra e a dignidade. Sabe esclarecer à não favorecer apenas o chefe, mas sim, deixar transparecer que é uma ideia legítima e argumentativa do ponto de vista cientifico.


Conclusão:

Dentre outras matérias a que nos propusemos analisar, esta revela-se ser a mais sensível, antes de tudo por se tratar do Estar (Terra) e do Ser (Poder).


Existe na problemática levantada alguns fundamentos sustentados e outros são completamente infundados. Impõe-se a necessidade dos políticos harmonizarem os seus argumentos para convencer o seu adversário ideológico. Apenas considerar a terra como uma questão ideológica e não de legalidade “uns pelo Povo outros pelo Estado” na verdade não pode ser de um ESTADO discriminatório nem de um POVO desorientado como se assiste actualmente.


A forma de obtenção do poder presidencial tem na verdade uma questão de fundo que é a moralidade, legalidade, legitimidade quando se cumpre com estes requisitos não se engana um povo, caso contrário, aquele que se designa de “maioritário” poderá legitimar, legalizar e não moralizar um controverso. Os riscos estarão sempre subjacentes: ter uma Constituição só de papel e sem o cumprimento, uma lei só para o tempo do Chefe (não duradoira), quando morre o chefe, também morre a constituição.


Uns falam pela maioria parlamentar outros clamam pelo consenso, moralidade, constitucionalidade e legalidade. Por isso recomenda-se aos constitucionalistas um sentimento de patriotismo, competência e bom senso, pôr de fora as pretensões e ideologias à favor de alguns.


Uma nota aqui para os deputados e membros do MPLA que têm pensado que a realização do debate constituinte ser um favor aos angolanos ou a esse ou aquele partido, pelo contrário a lei é para Angola e Angola é dos Angolanos!