Lisboa -  As autoridades do Togo alegam (oficiosamente) que não dispunham de informações indicativas da existência de problemas de segurança no território de Cabinda, tendo sido essa a razão da opção pelo transporte da sua selecção de futebol, por estrada, entre Ponta Negra e a cidade de Cabinda.


Fonte: Africa Monitor


Para reforçar o argumento de que não lhes foram prestadas informações de tal natureza, quer pelo COCAN quer pelas autoridades angolanas, aduzem que a viagem estava a ser efectuada sob escolta da PNA-Polícia Nacional de Angola – facto interpretado como permissivo da realização da viagem, por estrada.


A selecção do Togo, por razões apresentadas como técnicas, desembarcou em Ponta Negra, cidade fronteiriça da Rep Congo, com aeroporto internacional. Dali tomaria o destino de Cabinda, (viagem de 2h, por estrada), a fim de se instalar numa aldeia desportiva recém-construída. As outras selecções do mesmo grupo desembarcaram em Luanda, viajando de avião para Cabinda.


As recriminações das autoridades togolesas, não manifestadas publicamente em razão do interesse de não perturbar as suas relações com Angola, nos últimos anos a recomporem-se dos efeitos nefastos de um passado de apoio à UNITA, alargam-se a outros aspectos, entre os quais “pressões excessivas” para não abandonarem a competição.


2 . A atitude de ocultamento e/ou minimização da existência de problemas de segurança em Cabinda, em especial a N do território, é conforme com políticas do Governo destinadas a cultivar tal aparência, mas desconforme com a “situação em concreto” e com a razão de ser dos seus próprios procedimentos.


Factos demonstrativos da ambivalência:

- A escolha de Cabinda como uma das quatro cidades do CAN-2010 foi determinada por critérios predominantemente políticos; vincar o princípio da soberania de Angola, promover uma imagem de estabilidade interna implicitamente associada ao Memorando de Entendimento.


- O estádio do Chiazi e a aldeia desportiva foram as únicas estruturas construídas para servir a competição; nenhum hotel foi construído no território propriamente dito (apenas no Soyo) – realidade interpretada como destinando-se a não atrair o turismo, deixando para os media oficiais a promoção de uma imagem benevolente do território.


- Nas semanas anteriores ao início da prova o dispositivo de segurança no território foi reforçado e aprimorado (AM 435); o estádio e a aldeia desportiva foram postos sob vigilância permanente; estabelecidas regras restritivas para assistência aos jogos por parte do público; objectivos como a ponte de Lucola, no acesso a Cabinda, normalmente desguarnecida, passou a estar protegida.


- Em fins de 2009 (AM 426) registaram-se acções armadas da FLEC, embora de baixa intensidade, no troço de estrada em que ocorreu a emboscada da coluna da selecção do Togo.
O Gen José Maria, presentemente a desempenhar funções de alta responsabilidade no aparelho de segurança (AM 409), efectuou nos últimos meses viagens regulares a Cabinda, algumas das quais demoradas (ficava alojado em Nto, pequena vila do S onde estaciona uma força da UGP-Unidade da Guarda Presidencial).


Em geral, a sua missão tinha por objectivo avaliar em permanência a situação de segurança e planear acções, incluindo do tipo especial, destinadas a limitar riscos. Foi para tal criada uma task force, por ele próprio coordenada, integrando oficiais de alta patente das FAA de várias especialidades e serviços. Reporta directamente ao PR.


3 . A retórica oficial do Governo angolano de apontar o atentado contra a coluna da selecção do Togo como um “acto terrorista” obedeceu, de acordo com outlooks de intelligence, a propósitos como os seguintes:


- Não conferir importância política ou militar ao ocorrido; não prejudicar a aparência da pacificação do território; um acto terrorista pode ter lugar em qualquer parte, independentemente de critérios de estabilidade e outros.


- Identificar a FLEC e os autores da acção como terroristas, de modo a expô-los a reacções de condenação e desaprovação e, eventualmente, a julgamento em tribunal penal internacional.


Há conhecimento avulso de iniciativas informais de altos funcionários angolanos tendo em vista encorajar governos e organizações internacionais e condenarem publicamente o sucedido realçando a sua natureza “terrorista”. O primeiro a fazê-lo foi o Governo português pela voz do MNE, Luis Amado.


4 . A aplicação com que as autoridades promovem a ideia de que o território de Cabinda se encontra pacificado (clima de estabilidade e segurança), decorre do interesse de manter o Memorando de Entendimento politicamente válido ou de ganhar tempo (AM 428), para procurar uma alternativa ao mesmo ou o seu “aperfeiçoamento”.


O Memorando de Entendimento, formalmente concluído em 01.Fev.2006 (AM 127), é geralmente considerado um fracasso – não apenas no sentido de que não resolveu o problema da instabilidade no território, como eventualmente o agravou. As causas basilares de tal fracasso do são as seguintes:


- A lacuna em termos de legitimidade política e representação social dos interlocutores e signatários de Cabinda, incluindo Bento Bembe; tratados pela população como impostores materialmente agenciados pelo Governo.


- Rejeição da evidência por parte da sociedade local, em especial a juventude, mais instruída e politizada; idem nas elites da diáspora; o Memorando de Entendimento é visto como ofensivo e destinado a perpetuar uma política, agora subtil, de dominação de Cabinda.
São vulgares, em caracterizações da população de Cabinda, referências a sentimentos de afirmação própria em relação a Angola – também chamados separatistas. Na formação de tais sentimentos contam a noção de uma cultura superior e de uma dependência de Angola relativamente ao petróleo de Cabinda.


5 . O Governo lida com o problema da animosidade e desconfiança da população de Cabinda empregando métodos que têm agravado o clima: aliciamentos individuais, mas sem correspondência dos visados em termos de quebra de lealdades às suas origens; discriminações nas nomeação para cargos públicos e na oferta de oportunidades.


Há c 10 anos o Governo denotava predisposição para outorgar a Cabinda um estatuto de autonomia. Posteriormente o cenário foi posto de parte por reflexo de uma visão das coisas de acordo com a qual qualquer abertura política tenderia sempre a avolumar o fenómeno do separatismo, tendo em conta sentimentos análogos presentes na população.


A linha de inflexibilidade que o Governo passou a seguir e deu lugar ao Memorando de Entendimento, é interpretada como reflexo de uma concepção materialista do problema. De acordo com a mesma, o controlo dos recursos do território, em especial petróleo (63% da produção), só está garantido num quadro de apertado controlo político.


Ao conferir primazia a figuras sem prestígio local como co-signatários do Memorando de Entendimento, o Governo fez uma demonstração de que não pretende fazer concessões no que toca ao controlo do território – um objectivo que um clima de tensão pode ajudar a atingir, por justificar medidas extremas.


No regime do MPLA, na UNITA e noutros sectores da sociedade angolana, estão referenciadas personalidades de Cabinda que sendo leais às suas origens, também o são em relação aos mesmos. Em princípio seriam o melhor parceiro num acordo para Cabinda, mas o Governo denota preferir a parceiros mais submissos.


6 . O Governo tem conseguido desviar o problema de Cabinda das atenções internacionais e aplacar os revezes provocados pelo Memorando de Entendimento, graças a um forcing – no essencial bem sucedido:


- Garantir a neutralidade dos EUA, de preferência apoio para as suas políticas (este comprometido pelos relatórios de organizações internacionais sobre violações dos direitos humanos no território).


- Idem em relação aos países vizinhos, Rep do Congo e RD Congo, ambos com afinidades e alegadas ambições territoriais e/ou de influência em relação a Cabinda.


- Garantir a aquiescência do Vaticano para a linha seguida pelo novo Bispo de Cabinda, D. Filomeno Vieira Lopes (AM 421), de isolar a componente considerada “independentista” da igreja local, em especial o clero.


A promoção de aparências de conveniência que as políticas do Governo para Cabinda apresentam como objectivo, em lugar de uma efectiva resolução da questão, é considerada resultado de avaliações internas segundo as quais a mesma não constitui preocupação internacional; não tem visibilidade.


7. O elemento a que Angola confere mais importância no seu forcing é o dos EUA. A política norte-americana para Angola (formulação influenciada pelas companhias petrolíferas, agora mais do que em qualquer outra altura), é em larga escala da competência da Embaixada em Luanda.


O actual embaixador, Dan Mozena, ao qual é geralmente reconhecida uma atitude sistematicamente contemporizadora com a política angolana, afastou-se da linha seguida pela sua antecessora, Cynthia Efird, esta identificada por uma visão crítica (AM 131) sobre a política do Governo para Cabinda.


A posição mais alinhada com o Governo de Angola no transe que envolveu a selecção do Togo proveio da embaixada norte-americana. Classificou o sucedido como “acto terrorista”; admoestou que tal violência “tem de ser parada”; adicionalmente referiu-se em termos excessivamente apologéticos ao papel de Angola na organização da prova.


Ao contrário, a posição geralmente considerada mais equilibrada foi a do Brasil. Num comunicado do Ministério das Relações Exteriores, associou o episódio à “promoção de objectivos políticos” e identificou os seus autores (a FLEC) como “separatistas do enclave de Cabinda, em Angola”.