Luanda - Em Outubro de 2000, o actual Presidente do Tribunal Constitucional (TC), Dr. Rui Ferreira (RF), proferiu no Centro de Imprensa Aníbal de Melo (CIAM) uma palestra sobre a "Garantia e Controlo do Cumprimento da Constituição.


Fonte: http://morrodamaianga.blogspot.com


Na altura o causídico Rui Ferreira ainda não sido escolhido por JES para ser o Presidente do TC, o que só viria a acontecer em Junho de 2008. Pelo seu conteúdo a palestra de Rui Ferreira, passados que são já mais de 9 anos, mantém todo o seu interesse e actualidade.


Em vésperas do aguardado acórdão que o TC foi "convidado" a pronunciar sobre o texto da nova constituição que acaba de ser aprovada pelo parlamento no meio de uma intensa polémica, decidimos revisitar o pensamento constitucional do académico Rui Ferreira. Para o efeito deixamos aqui à vossa consideração algumas passagens da referida intervenção, com a certeza de que ela continua a reflectir fielmente o pensamento de RF sobre esta matéria.


Se não for este o caso, o interessado que nos faça chegar os necessários esclarecimentos.
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Desde estes tempos longínquos, até aos nossos dias, a questão de fundo que mais preocupa e ocupa os constitucionalistas é, como diz LOEWENSTEIN, " a busca de limitações ao poder absoluto exercido pelos detentores do poder, o esforço de criação de instituições para limitar e controlar o poder político" GEORGES BURDEAU, um eminente constitucionalista francês dá mesmo uma receita, porventura a mais geral, quando sugere que "a função governamental deve ser exercida por vários órgãos de maneira a que ao lado do titular de um poder de decisão esteja uma outra autoridade encarregue de o controlar."
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- Em África é grande a tendência de pessoalização do poder, de concentração ilegítima das funções do Estado e do poder real de decisão política, seja por razões culturais (nas sociedades tradicionais africanas o poder é monopolizado pelo Chefe da tribo, do clã ou do grupo), como pela experiência Político-Constitucional do pós-independência e do estádio de desenvolvimento do processo de estruturação do Estado;
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- A generalidade dos sistemas de Governo constitucionalmente conformados nos Países da África Austral acentua as competências e responsabilidades do Presidente da República o que, não sendo em si um mal para a democracia, faz contudo, redobrar de importância os mecanismos de checks and balances, de equilíbrio de poderes e de controlo do seu exercício.


- Vários são os Países da África Austral que conhecem ainda alguma instabilidade política, espirais de violência e insegurança, crises económico-sociais profundas, uma situação que acarreta o perigo de crises e vazios de autoridade e, consequentemente (prova a história), o advento de "pulsos de ferro" que, em nome do "bem comum" e da necessidade de ordem, advoguem esquemas totalitários de exercício de poder político.


- Por tudo isto há que aquilatar da bondade e do mérito das soluções técno-jurídicas escolhidas nestas Constituições para defendê-las destes perigos, para assegurar a sua observância e, por esta via, afiançar ou não a precariedade das intenções de democracia declaradas no discurso político e nos textos normativos.
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Não esqueçamos nunca que a experiência universal mostra que poderes sem limites, poderes não sujeitos a controlo acabam por, mais cedo ou mais tarde, redundar em arbitrariedades e abusos de poder.


A propensão ao abuso de poder, à "corrupção da Constituição e da Lei" é uma tendência habitual na dinâmica da actuação do poder do Estado.
Não se espere assim que por auto-limitação voluntária os titulares do poder, por muito franca e bem intencionada que seja a sua vontade democrática sejam capazes de livrar a sociedade e os governados do que LOEWENSTEIN considerou de "tragédia de abuso do poder" ou "caracter demoníaco do poder".


Nem se espere que as instituições de controlo nasçam e operem automaticamente. Elas têm de ser discutidas, debatidas, previstas e inseridas na Constituição.

E o momento para fazer esse debate é o actual em que estamos todos como angolanos, à espera da oportunidade de contribuir na elaboração e aprovação da futura Constituição de Angola. (cont)


(Rui Ferreira in Palestra sobre a "Garantia e Controlo do Cumprimento da Constituição" proferida em Outubro de 200 n0 CIAM em Luanda)