Luanda - Com duras críticas a João Lourenço, por suposta operação de «cosmética» na prometida abertura à imprensa, coordenadora para África do Comité de Protecção de Jornalistas revela que o País possui um registo de que não se pode orgulhar. Angela Quintal fala de estudos que colocam Angola muito abaixo de Moçambique, em termos de diversidade dos media, e lamenta que se continue a «usar a lei como arma» contra jornalistas. Da entrevista ao Novo Jornal, constam ainda «farpas» sobre os «queridinhos» que o MPLA continua a favorecer, dados sobre segurança dos jornalistas pelo mundo e conselhos aos profissionais jovens sobre como cobrir as eleições deste ano.

Fonte: NJ

No que toca à segurança/protecção de jornalistas, como classifica Angola?
Embora a pesquisa do Comité de Protecção de Jornalistas (CPJ) mostre que há mais de uma década que em Angola não há registo de jornalistas mortos em conexão com o seu trabalho, o que obviamente é a forma máxima de censura, isso não significa que o País seja um farol da liberdade de imprensa. Ao longo dos anos, o CPJ documentou inúmeros casos de censura a jornalistas e meios de comunicação, agressões e ataques a membros da imprensa, sem mencionar prisões e processos judiciais contra jornalistas. Um grande problema é que Angola continua a criminalizar o Jornalismo. Falo aqui, por exemplo, sobre o uso pavoroso da criminalização como intimidação para censurar a imprensa independente. Também documentámos a revogação de licenças de três canais de TV, que é um golpe na diversidade dos media e no direito do público a uma pluralidade de fontes. Documentamos que as autoridades ainda prendem jornalistas no decorrer do seu trabalho. Este não é um registo que dê orgulho.


Um jornalista angolano residente no País, que sinta a sua segurança ameaçada, o que deve fazer para obter a protecção do CPJ?
Entre em contacto com o CPJ e, se não estiver em condições de fazê-lo pessoalmente, peça a colegas ou familiares que o façam em seu nome. Escreva, envie um e-mail, ligue e entre em contacto connosco, como muitos fizeram ao longo dos anos. A advocacia do CPJ é baseada em pesquisas minuciosas, por isso é importante documentar as violações. Embora identifiquemos violações por meio dos nossos correspondentes em todo o mundo e monitoremos reportagens da media e redes sociais, são os jornalistas em campo os nossos olhos e ouvidos. Em termos de apoio, fornecemos advocacia no terreno e resposta rápida a jornalistas feridos, presos ou forçados a fugir devido ao seu trabalho. E, se não estivermos em condições de ajudar, usaremos as nossas redes para ver se outros parceiros podem fazê-lo.

 

Em termos concretos, até aonde pode ir a protecção oferecida pelo CPJ? Pode, por exemplo, chegar ao ponto de retirar o jornalista de determinado país para o alojar noutro mais seguro, arcando com os custos de estada?

O CPJ tem ajudado jornalistas em situações graves de risco de vida a encontrar refúgio e também apoiou jornalistas que não querem ir para o exílio com realocação interna. O Afeganistão vem à mente, assim como a Ucrânia, mas ajudamos muitos jornalistas ao redor do mundo com o apoio ao exílio ao longo dos anos, inclusive de Moçambique, Burundi, Etiópia, Camarões, Eswatini e Zimbabwe, entre outros países. O CPJ fornece apoio emergencial de curto-prazo e coopera com outras organizações afins para garantir que os muitos jornalistas que precisam de assistência emergencial possam receber a ajuda necessária para salvar as suas vidas.


Em Setembro de 2017, ao tomar posse como Presidente de Angola, João Lourenço prometeu assegurar que os angolanos tivessem acesso a "uma informação fidedigna" e apelou aos órgãos públicos para manterem "maior abertura". Cumpriu esta promessa?

Em Março de 2018, o CPJ escreveu uma carta ao Presidente João Lourenço, na qual pedia que ele e o seu Executivo defendessem a protecção de jornalistas e meios de comunicação, revogassem as leis criminais de difamação e insulto e que o Estado retirasse as acusações criminais contra jornalistas que foram alvos de retaliação por trabalho deles. Ficámos desapontados que o Presidente não deu continuidade a algumas das suas conversas iniciais sobre reformas. Em vez disso, o Presidente Lourenço parecia tolerar ameaças à liberdade dos media. Embora tenhamos saudado que Rafael Marques tenha sido homenageado pelo Presidente, após anos de difamação e assédio, a realidade é que isso foi em grande parte cosmético, porque as autoridades angolanas continuaram a assediar e a intimidar a imprensa, como documentámos extensivamente. Isso inclui a revogação das licenças de transmissão e o facto de jornalistas continuarem a ser detidos pelo seu trabalho e agredidos. Além disso, não houve nenhuma reforma significativa das leis que criminalizam o Jornalismo. Por exemplo, o Presidente teve uma oportunidade de ouro para abolir as leis criminais de difamação e insulto, mas, em vez disso, o seu Executivo continua a usar essa lei como arma contra jornalistas. O Código Penal revisto é totalmente inadequado e manteve os "crimes de imprensa" da era colonial. Em vez de defender a liberdade de imprensa e os meios de comunicação independentes, assistimos ao encolhimento do espaço cívico e dos meios de comunicação independentes sob o Executivo de Lourenço. A nacionalização de meios de comunicação privados como a Media Nova e outros reforçou a ideia de que o MPLA continua a calar as vozes críticas e favorece os meios "queridinhos" que seguem a linha do Governo. Documentámos e pesquisámos mais de 15 investigações criminais de difamação desde 2021.


No quesito da liberdade de imprensa, comparativamente a outros Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), onde/como classificaria Angola? E a nível da África Austral?
No que diz respeito aos PALOP, acredito que Moçambique e Angola se destacam por diferentes razões. Não posso dizer que um é pior que o outro, pois não estaria a comparar maçãs com maçãs. Da mesma forma que África não é um país, os países de língua portuguesa não são homogéneos. Cabo Verde e Guiné-Bissau também são motivos de preocupação por diferentes razões. Melhorámos a nossa investigação nos PALOP, com a nomeação de um correspondente lusófono e, como resultado, temos, certamente, uma melhor e mais intrincada compreensão do ambiente de liberdade de imprensa nestes países. Isso também informou a nossa advocacia. No ano passado, por exemplo, atribuímos ao jornalista moçambicano Matias Guente o nosso prestigiado Prémio Internacional de Liberdade de Imprensa. Documentámos como Cabo Delgado se tornou numa área proibida para a imprensa em Moçambique e como alguns jornalistas, como Amade Abubacar, ainda têm acusações criminais pairando sobre as suas cabeças por reportarem sobre as insurgências lá. Depois, há o caso de Ibraimo Mbaruco, que está desaparecido desde Abril de 2020, depois de ter enviado uma mensagem de texto a um amigo, dizendo que estava cercado por soldados. Quando se olha para a nossa pesquisa sobre Angola, nota-se que, de longe, as violações que dominaram a nossa pesquisa estão relacionadas com a difamação criminal. Em termos de diversidade mediática, no entanto, penso que Angola fica atrás de Moçambique. A media pública e privada em Moçambique mostra mais diversidade do que em Angola, actualmente. Se olhar para a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), os registos de liberdade de imprensa de Eswatini, RDC, Moçambique, Angola e Zimbabwe são bastante sombrios. O meu próprio país, a África do Sul, também é motivo de preocupação, devido às agressões e aos assédios a jornalistas que cobrem protestos, bem como às ameaças e abusos on-line dirigidos a jornalistas que expõem a corrupção por parte daqueles a quem denunciam ou de apoiantes. A violência on-line, particularmente contra as mulheres jornalistas, muitas vezes incitada por políticos, é particularmente preocupante e não deve ser subestimada.