Luanda - As chuvas que caem com alguma intensidade, em certas regiões do país, têm criado enormes dificuldades às populações ribeirinhas dos grandes rios. A província do Cunene é uma dessas regiões, rasgada por grandes rios como o Kuvelai e o Cunene, que têm sido palco de sofrimento devido ao drama das águas das chuvas .  


Fonte: Club-k.net


De facto, as chuvas que caem no Norte desta província fazem transbordar as águas dos rios, particularmente do Kuvelai e seus afluentes, inundando as regiões de planície do Sul, em direcção à fronteira com a Namíbia.


Por ironia da vida, estas cheias, que matam a vida e destroem o meio ambiente, trazem no seu leito peixe e rãs comestíveis. Nesse movimento lento e imparável, em alguns casos, as águas que extravasam o nível dos leitos afectam as regiões de Ongiva, Namukunde, Evale e Nehone, para citar apenas algumas, criando enormes dificuldades às populações que ali habitam e vivem do comércio informal, derivado de alguma agricultura e da pastorícia nómada. 


Quando chove com violência, vêem, quase sempre, as suas casa são engolidas pela força das águas, levando todos os seus haveres, e, algumas vezes, destruindo a vida humana e animal. Este quadro dantesco repete-se de forma cíclica ano após ano, pondo em causa a precariedade dos trabalhos então realizados pelo governo provincial, no caso do Cunene, para estancar essa triste e difícil situação.

 

Na província, berço do rei Mandume, as chuvas têm estado a fiscalizar as obras de recuperação e reconstrução das infra-estruturas urbanas, rodoviárias e de saneamento básico, particularmente na cidade de Ongiva e nas vias que ligam Santa Clara a Ongiva e desta cidade em direcção à província da Huíla.


Pude constatar com preocupação a precariedade das obras feitas em algumas ruas desta cidade, que se apresentam alagadas quando chove, sem possibilidade de escoamento das águas, formando poças em algumas ruas o que dá à cidade um ar de desleixo e abandono urbanístico. Quando não chove, é a poeira que faz lei, transformando-se num problema de saúde pública. Pude verificar que, em certas ruas da capital provincial, quando as ruas permanecessem alagadas, os peões disputavam com as viaturas as passagens estreitas de alguns passeios para fugirem das poças de água e da lama.

 

A opinião pública angolana bem se lembrará que as estradas nacionais e provinciais, assim como os passeios e ruas da cidade de Ongiva,  foram reconstruídos há bem pouco tempo e inauguradas com pompa e circunstância, entre cortes de fita e sorrisos à mistura. Gastaram-se milhões de dólares por esse trabalho mal feito, mal fiscalizado, que as chuvas, agora caem com intensidade, põem em causa. A estratégica via que liga Santa Clara à cidade de Ongiva, apresenta, em certos locais, um tapete asfáltico em estado degradante, e o troço de Ongiva à cidade do Lubango, não asfaltado na totalidade, leva os grandes camiões, nacionais e estrangeiros, a percorrerem esse troço com muitas dificuldades.

 

A região fronteiriça de Santa Clara carece de importantes investimentos, a exemplo da região fronteiriça da vizinha Namíbia. Em termos de fronteira terrestre, Santa Clara e Namukunde são uma das mais dinâmicas regiões do país em matéria de comércio internacional, e que mais dificuldades de organização apresentam relativamente aos serviços aduaneiros; sem capacidade de produção interna, os angolanos adquirem, quase tudo, da vizinha Namíbia, nessa localidade fronteiriça de Ochikango. Ou seja, desde alimentação, bebidas, roupas, viaturas novas e usadas até medicamentos e outros bens utilitários. Camiões há que vêm da Namíbia e da África do Sul cheios de mercadorias que ficam mais de um mês na fronteira, do lado angolano, à espera do "clearing", o que redunda em grandes prejuízos para os empresários nacionais, e não só, como também para as empresas importadoras. Mesmo os camiões carregados com cebola, batata e outros produtos perecíveis ficam dias à espera para regular a sua situação alfandegária para prosseguir viagem para o interior de Angola a fim de alimentar os centros urbanos do nosso país, potencialmente ricos em facilidades agrícolas.

 

O que ainda é mais preocupante é o facto de que, angolanos, vítimas das cheias de há três anos, que perderam tudo, continuam a viver em tendas, sem perspectiva de terem casas próprias e condignas como lhes foi prometido pelo governo angolano na época. Essas tendas encontram-se gastas, carcomidas pelo tempo e cheias de buracos, metendo água por todos os cantos, aumentando o sofrimento de crianças, mulheres grávidas e idosos. Perante a incapacidade do governo central em honrar os seus compromissos assumidos junto destas populações,   a comunidade internacional e as organizações humanitárias nacionais  têm de prestar uma atenção muito especial à situação destas populações que vivem longe dos centros de decisão política e procurar promover, no plano nacional, iniciativas  concretas para ajudar, materialmente, esta população sem beira nem eira Globalmente, há que se adoptar novas políticas e estratégias de contenção das cheias, e não correr sempre atrás do prejuízo, como parece ser a prática de todos os anos.

 

Por últimos, os movimentos ecológicos do nosso país devem dar uma atenção muito particular à situação ecológica da região do Cunene, que é vítima de latifundiários sem escrúpulos que expropriam grandes extensões de terras para benefício próprio em detrimento das populações que ali vivem. Os referidos latifundiários quebram o frágil equilíbrio ecológico, que sustenta a relação entre a população e o meio ambiente, dificultando o movimento cultural de transumância das populações que se deslocam, constantemente, à procura de melhor pasto para o gado. A população do Cunene, pastoril por excelência, vive culturalmente da relação de equilíbrio com a natureza. Constata-se isso no seu sistema de valores e no orgulho que eles têm pela sua cultura ancestral.