Luanda- A OMUNGA, que recentemente viu inviabilizada  a sua marcha em Benguela   para contestar a forma que foram realizadas demolições na Huila revela, na voz do seu coordenador, José Patrocínio  que vai avançar com um processo judicial contra o governador de Benguela  para fazer honrar o ponto 4 do  artigo  14.º que considera crime de abuso de autoridade, o impedimento ou a tentativa de impedimento de uma manifestação.  Este engenheiro agrônomo que falou em exclusivo ao ANGOLENSE a partir de Luanda, onde o apanhamos,  disse ainda que vão levar o assunto, das ameaças de que foram alvos da parte do governo provincial, junto da comissão dos direitos  União Africana de que são membros observadores.

 

Fonte: Angolense

ONG quer  penalização nos termos da indeminização

dos gastos efectuados e não aproveitado

Angolense – É verdade que a OMUNGA vai mover um processo judicial contra o governador provincial  de Benguela por  abuso de poder a semelhança de um processo existente movido pela AJPD contra o antigo Governador de Luanda, Aníbal Rocha que  em 1999 impediu uma manifestação na capital do país, desta ONG ?

 

José Patrocínio -   A Lei sobre o direito de reunião e de manifestação estabelece procedimentos que devem ser respeitados quer por quem pretenda realizar uma reunião como uma manifestação mas também estabelece procedimentos que devem ser respeitados pelos órgãos do Estado.


A OMUNGA cumpriu com todas as suas obrigações, enquanto que o governador provincial não respeitou o estabelecido na referida lei e que lhe limita o poder de proibir a realização de uma acção deste género.

De acordo ao artigo 7.º desta lei, o governador provincial tem, no seu ponto 1, vinte e quatro horas para que se pronuncie negativamente, caso encontre razões de acordo ao plasmado na lei. O que não fez. De acordo ainda com esse mesmo artigo, ponto 2, “a não notificação aos promotores no prazo indicado no número anterior, é considerada como não objecção para a realização da reunião ou manifestação”.


O governador apenas mostrou a sua decisão de proibir a marcha 7 dias depois de termos feito a entrega da informação necessária. Por isso não deve ser considerada legal. Atendendo à insistência dessa decisão, mesmo depois de tentarmos mostrar-lhe a ilegalidade da sua decisão, somos protegidos pelo artigo 15.º (da mesma lei) que nos autoriza a apresentar queixa no tribunal.


Por outro lado, a lei também é clara no seu artigo 14.º, ponto 4, que define o impedimento ou a tentativa de impedimento de uma manifestação fora do disposto da lei, como crime de abuso de autoridade e por isso dá-nos o direito de recorrer, também por aí, ao tribunal. 


A OMUNGA vai sim avançar o processo judicial já que nem de forma administrativa nem negocial, conseguiu-se o entendimento. Devemos também ter em conta que a violação desse direito desaceitou e minimizou o fundamento da marcha que é de Denunciar violações de direitos humanos. Ainda por cima tivemos gastos para a preparação da marcha para além de todos os riscos que foram assumidos com a presença massiva de forças de polícia de intervenção rápida.


Ang  - Mas o  Secretario do MPLA para informação Rui Falcão disse a uma semana que quem violasse a constituição seria punido e esta semana o analista Justino Pinto de Andrade relembrou que houve violação do artigo 47 de constituição. Neste caso que procedimentos teriam de ser seguidos para uma penalização contra os direitos da OMUNGA e dos cidadãos que foram violados?


JP - Como disse, aqui encontramos várias questões que merecem análise e reparação: A penalização no termo da defesa da imagem e do bom-nome.


Ang - Então quer dizer que os cidadãos em Benguela e inclusive a OMUNGA não concordam mas respeitam a posição do executivo de Armando da Cruz Neto, em nunca mais fazer marcha por saber de antemão a reação das autoridades nem irão recorrer  a materialização do artigo 15, a que refere?

JP -  A OMUNGA num comunicado tornado público no seu devido tempo, alertava para o facto de que estamos a desenvolver todos os esforços para a realização da marcha. E estamos a definir as estratégias para muito rapidamente podermos ir para a rua. Esperamos sempre que o governador e também o Presidente da República entendam que esse direito não pode ser espezinhado desta forma.


 Ang – E o que a OMUNGA e os populares pensam fazer face a ocorrência da violação dos direitos humanos a que refere?

JP - A penalização nos termos da indimnização dos gastos efectuados e não aproveitados;  a penalização pelos riscos causados não só aos participantes mas a todos os cidadãos de Benguela que precisamente acordaram com toda aquela força policial na rua, ameaçadora.

Ang - E como deveria ser feito esta penalização ?

JP - A OMUNGA precisamente está a pensar nisso. A OMUNGA vai avançar o processo judicial. Estamos a desenvolver todos os passos nesse sentido.


Ang -  Mas o governo provincial através de um comunicado lido pelo seu porta voz, Alexandre  Lucas disse que não se responsabilizaria pelos eventuais danos físicos ou materiais decorrentes do exercício da sua actividade em defesa da ordem estabelecida..

Ang -  Quem decide isso é o tribunal e continuamos a acreditar que este órgão deve funcionar. Na realidade também o governador considerou a OMUNGA como uma organização não legal, ultrapassando os seus limites. Quem deve dizer isso teria sido o Procurador-Geral da República quando fizemos o depósito da cópia do Diário da República com a publicação da constituição da nossa associação. Acho que há grandes problemas no executivo de fazerem boas leituras das leis e depois aplicarem-nas na base de uma justa interpretação, parece sempre que existem quaisquer outros interesses alheios ao respeito da legalidade. O governador decidiu à margem da lei e ainda por cima utilizou os órgãos de comunicação social públicos para ameaçar e amedrontar. Por outro lado utilizou a força exagerada para implementar tal impedimento

 

 Ang – No encontro na manha do dia 25 de Março com o Governador qual foi a vossa explicação quanto a questão da ilegalidade da OMUNGA ?

Precisamente seria má estratégia se não aproveitássemos essas oportunidades para directamente e pessoalmente podermos dizer o que apenas tinhamos dito até àquela altura por cartas. Tivemos a oportunidade de dizer directamente à volta de uma mesa. E mais, pudemos dizer isso com companheiros de comissões de moradores que nunca tinham conseguido ser recebidos pelo governador. Ele recebeu-nos naquele dia. Ninguém foi à mesa para se rebaixar. Foi muito concreta a nossa decisão e tivemos muito mais ganhos.

 

 Ang –  Para alem do comunicado do governo provincial já antes se dizia que  a OMUNGA teria afrochado no seguimento de um encontro com o comandante  provincial da policia, Antonia Maria  Sita tendo os seus membros se sentido intimidados em continuar com a marcha...

Cada um faz as suas interpretações. Na realidade o comandante provincial da polícia convidou-nos para um encontro de urgência que tivemos no comando provincial de Benguela por volta das 20.00 horas de 24 de Maio. Mesmo perante as ameaças de que a polícia iria intervir fazendo cumprir a decisão do governador, mantivemos a posição.


Ele disse-nos que poderíamos pensar bem e deixarmos a marcha e aproveitar a abertura que dava o governador provincial para depois  podermos sentar e analisar sobre o assunto. Ficou bem claro que só aceitaríamos falar com o governador provincial se fosse antes das 15.00 horas de 25 de Março porque a partir daí já teríamos tomado a decisão. Foi assim que fomos convidados pelo governador para um encontro às 10.00 horas de 25 de Março.

 

Angolense –  A OMUNGA tem alguma subordinação institucional  que a leva a ir a uma reunião as 20h da noite no  comando policial  ou vocês terão sido previamente notificados sobre a ocorrência de um assunto que perigava o Estado?

 

Não. Apenas acreditamos que em momentos como esse não devemos nunca desperdiçar as portas do diálogo. Nunca declaramos que queríamos ir para o confronto. Apenas dissemos, e dizemos, que queremos manifestar o nosso protesto, o nosso repúdio contra estas violações de direitos humanos. Por isso aceitamos o encontro àquela hora. Como aceitamos o encontro com o governador para a manhã do próprio dia 25 de Março.


Ang  – E o que vos disse o senhor governador?

 

JP - O mesmo.  Voltou a ameaçar não se responsabilizar sobre qualquer incumprimento. Por outro lado não foi nem o encontro com o governador nem com o comandante que levou-nos a decidir não fazer a marcha. O bom senso é que nos levou a tal posicionamento


Ang  –  Concorda que a  imagem de liderança da  OMUNGA sai chamuscada ao submeter-se a ir a estes encontros para ser ameaçada ?

 

JP - Nunca pensamos pôr em causa a vida de todos os manifestantes,  antes pelo contrário  tentamos todas as vias de negociação para termos a melhor saída. Aqui não está em causa  rendermo-nos. Está em causa o bom senso.

 

Ang – “O espírito da marcha ficou patente em cada granada dos policias”, esta frase é sua, o que  pretendeu dizer com isso?

 

JP - O espírito da marcha é precisamente o da luta pela defesa dos direitos humanos. A luta contra a repressão. O  espírito da marcha é o da luta por mundo mais justo e de respeito pela dignidade humana. O o espírito da marcha é precisamente o contrário daquela imagem da violência transmitida pela presença daqueles policiais,  aquela imagem simplesmente deu mais argumento, fundamento, razão para a realização da marcha "NÃO PARTAM A MINHA CASA". Afinal temos mesmo que protestar e exigir o respeito pelos direitos humanos.


Ang –  Mas vocês segundo o  Governo iriam perturbar  a via publica com a marcha...

 

JP - O problema é que em países como o nosso, onde se sobressaem mais indícios de ditadura do que de democracia, as manifestações são sempre vistas como procedimentos que põem em causa a imagem do poder mas esquecem-se que é precisamente com a repressão que eles põem mesmo em causa a sua imagem.

 

Ang –  A denuncia do governador da Huila segundo a qual estaria haver aproveitamento político da UNITA, esta a coincidir por outro lado com outras informações segundo a qual a OMUNGA só  conseguiu por mais de 200 pessoas na rua porque tinha por detrás o partido do “Galo Negro”. Que analise lhe merecem?


Não me parece que tais declarações mereçam qualquer tipo de resposta. Precisamente o Comité provincial do MPLA de Benguela, na pessoa do Sr. Zacarias Davoka, secretário provincial para a informação, foi contactado por nós precisamente no sentido de aquele partido ser envolvido na marcha. A marcha não é contra o governo, é contra um procedimento condenável, independentemente da filiação partidária. É condenável em todo o mundo. Acredito que o secretário para a informação do MPLA na província não irá dizer o contrário.


Por outro lado, se calhar o governador provincial da Huila não ouviu as declarações do segundo  secretário provincial do MPLA na Huila.

 

O que limitou a presença de pessoas foi  a presença massiva de polícias, armamento de todo o tipo e a unidade canina, numa arrogância aterrorizante. Foi  o comunicado ameaçador do governo provincial de Benguela que o Angolense deveria precisamente divulgar e o comunicado da OMUNGA à última hora a cancelar a marcha. Possivelmente não devem ter contado a quantidade de polícias que se tinha que ultrapassar até chegar ao local de concentração.

 

Ang  – O Senhor  Filomeno Vieira Lopes que é um político de referencia em Angola, foi também visto em Benguela no dia da marcha. A sua suposta visita a província coincidiu com a  vossa actividade ?

 

JP - Não posso adiantar sobre as razões paralelas da permanência de Vieira Lopes em Benguela. O que é certo é que ele aderiu à marcha como qualquer cidadão envolvido pela causa de defesa dos direitos humanos. A marcha foi amplamente divulgada pelo que qualquer cidadão foi convidado e mobilizado a participar e a aderir. Independentemente do seu partido. Também poderíamos  ter visto o Bornito de Sousa se ele tivesse vindo ou mesmo o vice presidente, etc, etc.


A marcha é contra um crime, não contra alguém. Atirar milhares de pessoas para situações desumanas deve ser considerado um crime. Se calhar também não ouviram o Secretário de Estado para os direitos humanos aquando da visita ao Lubango. Que eu saiba não é da OMUNGA. É membro do executivo angolano. Ele foi também um dos que publicamente condenou as condições indignas em que se encontram as pessoas desalojadas e assentadas na Tchavola (Lubango). Ele próprio disse que levaria a preocupação ao Presidente da República. Será que levou? Ou será que o Presidente da República não o ouviu?

 

Ang  – é  verdade que  as associações do  movimento da sociedade civil de países estrangeiros  condenaram a OMUNGA por ter mostrar resistência a ordem do governo em não fazer a marcha?

 

Não sei quais foram as organizações estrangeiras que condenaram a actitude da OMUNGA. Antes pelo contrário, o movimento de solidariedade foi amplo. Em todo o mundo.

 

Ang  – Estes movimentos o que disseram após ventilações  segundo a qual a policia tinha informação de que  adeptos a marcha tinha armas de fogo que levou a interceptar um jornalista da Radio Despertar?

 


JP-  já contávamos com vários tipos de provocação, incluindo estes. Por isso definimos uma série de medidas de segurança como por exemplo não deixar nenhum carro com portas abertas. Trancar tudo. Tínhamos também sempre alguém atento aos carros para vermos se não havia qualquer movimentação estranha. De tal forma a acusação era infundada que o jornalista saíu depois com o pessoal da organização. Antes tinham-lhe retido os documentos sob o pretexto de que ele teria pisado um cone da polícia e foi depois que veio a acusação das armas. Temos que estar sempre atentos a este tipo de provocação. Também o equipamento do repórter da TV Zimbo tinha sido confiscado antes de estarmos todos no local. Felizmente mais tarde foi devolvido.

 

Ang  – Diz se que depois deste incidente a OMUNGA mesmo assim tentou fazer algumas passeatas e comícios mas  sem sucesso porque as pessoas acabaram mesmo por ficar desmoralizada e ir direito para as suas casas sem darem vos ouvidos...


Na realidade, o que nos permitiu estar no local da concentração e mais tarde no local de chegada previsto da marcha, foi para podermos falar com as pessoas que fossem aderindo independentemente do comunicado amedrontador do governo provincial de Benguela. Sempre colocámos em primeiro lugar a integridade dos cidadãos. Por isso tivemos esse cuidado. Claro que aproveitámos essa oportunidade para explicar o que estava a acontecer e ler o nosso comunicado. Outras organizações também fizeram as suas comunicações como a ACC, vinda do Lubango, como a SOS Habitat vinda de Luanda. No Lobito, algum pessoal que tinha aderido, foi de autocarro a várias comunidades distribuir material de mobilização, incluindo o nosso comunicado. Não fazemos de forma alguma uma avaliação negativa. A única avaliação negativa que fazemos é simplesmente sobre o impedimento de realização da marcha e da forma violenta. Cheguei a ler num site, de que foi enviado para Benguela, um contingente de polícias de intervenção rápida a partir de Luanda. Isso é que nós analisamos de negativo, que continuemos a adiar o direito de manifestação.

 

Ang  – mas no plano externo há a reputação da OMUNGA em fazer parte dos membros de observadores da comissão dos direitos humanos da UA, e Angola é um Estado-membro da UA, de que forma a decisão do Governo de Benguela  beliscaria as posições que fazem em fóruns de direitos humanos como estes?

 

JP -  Obviamente que as responsabilidades que temos na base desse estatuto, levam-nos, obrigatoriamente, a relatar a situação dos direitos humanos em Angola. E claro que iremos relatar estes factos. As demolições, os desalojamentos forçados e as expropriações e também a limitação dos direitos à informação, de reunião e de manifestação. Mas também vamos falar sobre a desprotecção e a ameaça que vivem as organizações e defensores de direitos humanos.

 

Ang  – De antemão e para terminar que mensagem deixaria para organismos como as Nações Unidas e  UA que vocês pensam eventualmente reportar este assunto?

 

Todo este processo tem sido acompanhado pelos mecanismos especiais das nações unidas, principalmente pelos relatores especiais para a habitação adequada, para a liberdade de expressão e para os defensores de direitos humanos. No entanto poderemos fazer recurso a outros mecanismos. O importante neste momento é darmos continuidade à denúncia e dar continuidade à campanha de mobilização “NÃO PARTAM A MINHA CASA.”