Luanda - Falar da história da literatura angolana, e dos países africanos de expressão portuguesa duma maneira geral, é incontornável não citar o nome de Pires Laranjeira, um homem que tem estado a dar mostras de dedicação e que a largos anos lecciona as técnicas ligadas ao estudo da literatura dos países africanos de expressão portuguesa os ditos luso falantes. Aproveitamos a sua última estadia por Angola no dia 24 de Fevereiro de 2005, para mantermos uma conversa em torno do estado actual da literatura angolana das suas encruzilhadas e perspectivas, pelo que julgamos ser uma proposta interessante a oferta que o fazemos em dar-lhe a conhecer as virtudes de razão, do professor Pires Laranjeira da Universidade de Coimbra.


*Cláudio Ramos Fortuna
Fonte: Club-k.net
          

CF— Pires Laranjeira, mais uma vez em Luanda desta vez com que propósito?

 

P.L— Vim, acompanhado de uma delegação estrangeira, que a convite do ministro da cultura, para prepararmos, as condições de uma historia da literatura angolana, por isso é que estivemos dois dias reunidos com o senhor ministro, trabalhando na regulamentação, na estruturação dos grupos de trabalho para que no final de 2008, estar pronta, esta historia da literatura angolana, para que em 2009 que é altura do próximo fenacult, se não me engano, ser apresentada esta historia da literatura angolana, em simultâneo e aproveitando a nossa estadia aqui fez-se, com apoio da Brigada Jovem de Literatura Angolana e, pedido das autoridades competentes, que fizesse-mos este seminário, e vim participar também com muito gosto nele sobretudo para os jovens que são o futuro do país.

 

CF— De alguma forma acaba por ser um decano nesses eventos, na medida que estive tal como este ano a participar, na condição de orador no primeiro seminário em 1989, com que impressão fica deste evento, e até perguntar-lhe-ia se terá notado grandes diferenças entre os dois?

 

PL---Há, uma diferença tremenda, enorme em relação alguns aspectos, e a única coisa igual e, que eu acho igual, são os jovens e a juventude que estão presentes, a grande diferença é que há uma maior quantidade de jovens e há muita gente, por outro lado as condições históricas são totalmente diferentes, naquele tempo havia menos liberdade de informação, menos órgãos de informação, menos livros e menos acesso a cultura agora há mais embora ainda não seja suficiente, agora, que começou arrancar a faculdade de letras e estão a ser criadas outras condições que na minha opinião ainda não são suficientes, mas com o tempo aparecerão. Quanto ao nível de conhecimentos dos participantes, sabe que numa sessão dessas, é muito difícil avaliar o grau de conhecimento das pessoas, nem eu faria uma coisa dessas, mas acho que houve perguntas muito inteligentes não só em relação a mim como a Inocência da Matta, da parte da manhã, que tinham certos objectivos para quem estivesse mais atento e, houve perguntas tal como em 1989, que demonstram que por vezes a juventude não lê o mínimo, não tem preparação mas isso eu percebo perfeitamente, devido as más condições de acesso a cultura, as grandes dificuldades, que a população atravessa em Angola, portanto não há meios, as pessoas têm as necessidades mais básicas e, elementares por satisfazerem ainda e portanto, a cultura também se recente disso, como é obvio.

 

CF— Já, desde os anos 80 que pelo menos se tem dedicado ao estudo da literatura angolana, acha que, já existe um barómetro eficiente para o pulsar da literatura angolana?

 

PL-Eu, a primeira vez que estive em Angola foi em 1972 a 1974 portanto, ainda no tempo colonial e, é nesse tempo que eu conheço Arnaldo Santos, Jorge Macedo, Jofre Rocha, David Mestre, Aristides Van-Dunem, Domingos Van-Dunem etc. Conheci, muita gente fiz critica literária, aqui em Angola no Diário de Luanda e na província de Angola, nesses anos. Portanto, eu já faço estudos da literatura angolana desde 1972 ou seja a 33 anos, para além disso, só professor da universidade de Coimbra, já desde o ano lectivo de 1980 e 81, já lá vão uns largos anos e tenho publicados muitos livros e dezenas de artigos, porque só também professor de um Mestrado e Pós-graduação em literaturas africanas e, portanto pela experiência que tenho digamos assim, isso permite-me dizer que a literatura angolana é uma literatura “pujante” com importância, mas isso eu já o disse em 1989, portanto estou a repetir, já naquela altura era pujante, agora é muito mais porque tem mas escritores, há uma maior quantidade de obras, há mais jovens a escreverem, estão a sair em cada dia mas coisas, posso lhe dizer que tenho tremendas dificuldades em Portugal em seguir a passo e passo, acompanhar o que se vai saindo em termos de literatura Angolana e Depois também em Moçambique, Cabo-Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe, porque eu só professor dessas literaturas, é muito difícil estar a par e por vezes também os contactos não são os mais eficientes e as pessoas que a gente conhece fazem muitas coisas em Angola, há escritores que como você sabe que são deputados, que são vice-ministros etc. portanto as pessoas as vezes não têm possibilidades de nos ajudar com material...! nós também se pedirmos no caso de Portugal ou dos brasileiros mesmo a pagar no destinatário é difícil, quer dizer os circuitos de circulação das obras literárias e, da cultura em geral no dito ou no chamado povo da luso fonia, não é eficiente como é obvio, tem carências extremas.

 

CF— Falar, da literatura angolana pressupõem e na perspectiva do próprio barómetro é imperioso que esteja acompanhada de uma critica literária, não é o nosso caso, ou seja nós não temos uma critica literária regular isto de alguma forma não acaba por impe ciliar, o desenvolvimento ou o crescimento da literatura da literatura angolana?

 

PL— É, evidente isto parece-me evidente, alias eu acho que à critica angolana é altamente deficitária, eu diria é altamente menor digamos assim, tirando um ou outro exemplo como o do Luís Kamdjimbo ou outra pessoa que se dedique mais, quer dizer não há de facto quer dizer, tem que haver estudos universitários eles têm que ser desenvolvidos, os poucos uma ou outra critica que eu leio na imprensa de Angola por vezes, perdoem-me os colegas de actividade porque eu também só critico, por todos nós erramos, eu também cometo erros gaffes, ninguém esta livre disso, mas por vezes lêem-se coisas espantosamente com falta de informação quer dizer, troca-se muita coisa cometem-se erros enormes, quer dizer eu acho que é por falta de informação ou porque as pessoais muitas vezes não leram o suficiente, não porque razoes imagino e penso que sei mas não estar para aqui a dize-las, mas há à Biblioteca Nacional, à Biblioteca de Municipal de Luanda e material as pessoas as vezes não consultam o suficiente ou não pensam o suficiente sobre os assuntos, talvez não investiguem é tal questão para se ser um bom critico tem que ter disponibilidade, ora se uma pessoa têm muitas dificuldades e trabalha até para sobreviver, porque a sobrevivência em Angola é muito difícil, a pessoa não esta disponível, não tem tempo, não tem condições materiais não ganha o suficiente nem para comer, nem para as suas necessidades básicas quanto mas para fazer critica literária, para se fazer critica literária e como qualquer estudo cientifico, é preciso muita disponibilidade, quer dizer eu sou um profissional, o estado português paga-me para isso, eu só professor da universidade, portanto eu vivo para falar, discutir e pensar...enquanto a critica for uma coisa subalterna, extremamente secundaria, uma coisa deleitante que as pessoas fazem como um mero exercício, em se pode dizer tudo sem ter grandes fundamentos, ter um estudo continuado e persistente, obviamente que haverá resultados maus, eu já li algumas criticas de facto com um fraco nível e, isto eu tenho que dizer a verdade não uma criticas ou estudos literários que a literatura angolana já merecia.

 

CF— No que a critica diz respeito é sabido que ela acaba por ser algo intermitente, existe uma outra questão ligada, aos acessos as fontes e locais de pesquisas como as Bibliotecas por si citadas isto não poderá por si só constituir desalento para os possíveis candidatos a críticos literários e não só?

 

PL— Obviamente, eu concorda pela simples razão, porque das vezes que estive cá tive grandes dificuldades para fazer uma fotocópia de um documento qualquer e, portanto tudo que seja burocracia ao acesso a essa documentação e livros, livros comuns tudo isso acaba por diminuir a possibilidade de a critica ser eficiente, e outro aspecto que ainda não abordamos que é o das livrarias, enquanto não haver em Luanda livrarias ou pelo menos uma livraria de nível internacional que tenha bibliografia em varias línguas que seja uma livraria como a que existe em Lisboa, no Porto, em São Paulo ou noutra grande cidade, obviamente que à critica não poderá em principio ter um determinado nível, sobretudo das aquelas pessoas que não têm a possibilidade de sair daqui, de Angola ou de Luanda, porque o seu mundo é restrito aos elementos que têm, se as condições não são boas se há livros não há livrarias se o acesso as Bibliotecas é difícil obviamente que à critica acaba por reflectir, e acaba por ser ineficiente, incompleta e imperfeita e isto é evidente.

 

CF— Há, uma outra questão que gostava de ouvir, a sua virtude de razão em volta de um tema que se tornou algo polémico, ao nível do estudo da nossa literatura que é em relação à autoria do slogan “ Vamos Descobrir Angola!” na entrevista do Michel Laban, ao Mário Pinto de Andrade, está polémica já se fazia sentir mas o próprio Mário sempre defendeu que o slogan era da autoria do Viriato da Cruz, eu pude oferecer-lhe um artigo da nossa autoria em que como resultado das nossas pesquisas tudo indica que o autor terá sido o Viriato da Cruz, mais outras vozes como a do Luís Kandjimbo que admite que seja de Agostinho Neto e, o senhor no seu livro editado em 1985, com o titulo original “ Literatura Calibanesca” em dizia que a frase era pertença de Viriato da Cruz.

 

PL— A minha posição por aquilo que investiguei, embora eu já escrito isto no livro “literatura calibanesca” e isto já foi a muitos anos, nesta altura eu tinha a ideia de que foi o Viriato da Cruz, o autor do lema “Vamos Descobrir Angola!” nesta altura eu recusaria e, este é um dos erros que está no meu livro, precisamente por nesta altura não ter acesso a outra documentação, o autor da frase “ Vamos Descobrir Angola!” parece-me que é Filipe Elísio de Menezes, um cabo-verdiano que aqui em Luanda em 1949 deu uma palestra sobre a nova poesia angolana, em ele falava nomeadamente, dava destaque a Viriato da Cruz e Humberto da Silva, isto é uma coisa que vocês podem investigar melhor não creio que seja o Agostinho Neto mas eu estou agora a falar de memoria, não creio que Agostinho Neto tenha escrito a frase tal e qual “ Vamos Descobrir Angola!” , alias eu reparei que seu artigo que não tem um ponto de exclamação, a frase tem um ponto de exclamação desculpe lá, por esta emenda, mas quer dizer eu acho que Agostinho Neto disse, quer dizer não sei se disse a frase pelo menos não aparece, que eu saiba, que eu saiba nos documentos, mas julgo que, o que o Luís Kandjimbo quis fazer foi dizer, que pelo menos a ideia da redescoberta de Angola pelos próprios já está naqueles artigos, agora não creio que tenha sido o Agostinho Neto o autor do lema “Vamos Descobrir Angola!” mas nós não sabemos mais pela documentação disponível parece-me ser o Viriato da Cruz, mas  é preciso ver se não foi o Filipe Elísio de Menezes que terá avançado com esta frase.

 

CF— No livro Luanda de Luandino Viera, na pagina dez, afirma que num determinado dia na casa dos estudantes do império Agostinho Neto terá recebido uma carta do Viriato que dizia que haviam criado um centro cá em Luanda que denominaram “Vamos Descobrir Angola!” e seria também um incentivo para a diáspora africana a seguira mesma peugada, o próprio Edmundo Rocha, o Mário de Alcantra Monteiro sempre defenderam como sendo de Viriato da Cruz, o Michel Laban no ano de 2003, numa entrevista feita por nós terá admitido que esta frase poderá ter sido fruto da influencia brasileira dos anos vinte em eles diziam “Descubramos as Nossas Raízes ”

 

PL— Sim, mas há aqui um pormenor o “ Vamos Descobrir Angola!” não era um centro, você fala em centro mas era o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, o “ Vamos Descobrir Angola!” era apenas um lema agora atenção que a questão é está o livro do Edmundo Rocha, é uma visão, quer dizer nós como investigadores, tal como o Edmundo Rocha também investigou e foi um protagonista, mas nós temos que ter uma certa distancia critica e, peneirar bem quer dizer todos os livros têm que ser peneirados e têm que ser passados pelo crivo da critica e, pode haverá tendência quero Edmundo Rocha ou de outro ensaísta e até pelo Mário Pinto de Andrade, isso acontece de puxarem a brasa a sua sardinha, podia aqui contar um exemplo flagrante e portanto porque tem que ver comigo por modéstia não vou aqui avançar, mas tenho na minha vida experiência de que e, curiosamente foi o próprio Mário Pinto de Andrade e um outro grande nome ligado também as questões africanas o Alfredo Margarido que num celebre colóquio em Cabo-Verde, usaram elementos sem citarem a fonte, é um aspecto um pouco diferente do estamos aqui a falar mais é só para alerta de que por vezes as pessoa não dão o seu ao seu dono, mesmo sendo grandes intelectuais grandes personalidades politicas como o Mário Pinto de Andrade e etc., outros nomes que não interessam e, cada um conta a historia a maneira, eu não vou dizer o Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz ou o Lúcio Lara ou outros que na recolha da documentação ligada ao MPLA e a libertação nacional expõem a publico documentos, mas não estão ai todos documentos ainda falta um segundo volume, depois há documentos que se perderam quer dizer, é preciso ter cuidado eu não sei se, eu ainda não tenho a certeza se foi o Viriato da Cruz, como lhe digo ainda penso que foi o Filipe Elísio de Menezes, liam esta palestra feita por Filipe Elísio de Menezes em 1949 um cabo-verdiano que fez esta palestra aqui em Luanda sobre a nova poesia angolana em ele destaca Viriato da Cruz e Humberto da Silva é possível que tenha alguma coisa sobre isso eu agora como lhe digo estou a falar de memoria e não lhe posso afirmar que é ele que usa pela primeira vez esta expressão, eu aceito perfeitamente que foi o Viriato da Cruz, alias eu escrevi isso no meu livro “literatura calibanesca” mas hoje já não tenho tanta certeza depois, o Mário António Fernando de Oliveira, não se pode dizer sem desmerecer da sua memoria que é um nome importante da cultura, literatura e da investigação angolanas, mas como sabe ele teve um percurso equivoco em relação ao nacionalismo, digamos que se afastou da luta de libertação nacional e, isso por vezes faz com que as pessoas iludam certas questões, contornem etc., mas eu acho que com o tempo ir-se-á chegar numa conclusão mais definitiva, de momento aceito que possa ter sido o Viriato da Cruz, com a ressalva de que convém investiga se não terá sido, o Filipe Elísio de Menezes, mas o Agostinho Neto também pode estar com os seus dois artigos, pode ter sugerido a ideia ao Viriato da Cruz de criar este lema, isto é só para dizer que muitas vezes quem criou um slogan...se foi o Viriato da Cruz, talvez não seja assim tão importante como isso, todos eles contribuíram para a luta de libertação nacional, para a redescoberta das raízes a reelaboração da cultura angolana, a criação de novas formas de cultura nomeadamente, da poesia e portanto este facto é importante, que se deslinde, que se descubra...mas talvez também este exemplo dos anos vinte talvez também seja percursor e no fundo talvez, repare bem é um lema muito simples “Vamos Descobrir Angola!” como quem diz nós jovens, que não somos rurais, não somos do campo, não provimos das etnias, que temos uma cultura já ocidentalizada temos que nos descobrir a nós próprios as nossas culturas “Genuínas” antigas, ancestrais e portanto sobre seta forma de “Vamos Descobrir Angola! “vamos redescobrir ou temos que conhecer a nossa realidade tudo isso são formas de voltar-se para a cultura angolana.

 

CF— Mas não se pode negar, que pelo menos na perspectiva cultural, o mérito é do Viriato?

 

PL---Sim, acho que sim.

 

Bom na perspectiva cultural da mensagem do lema?

 

Sim acho que sim, talvez, mas...risos, eu terminaria com sim talvez....é possível, é provável, mas...hoje talvez seja difícil dizer que foi ele.

 

CF---Tem uma empreitada agora difícil, faz parte de uma equipa multi-sectorial, se quisermos que vai tratar de estudar a inventariação da história da literatura angolana, já tem noção por onde começar? Já têm indicadores para fazerem à história da literatura angolana? 

 

PL— Temos, há grupos de trabalho que têm tarefas distribuídas, esses grupos de trabalho um tratará da literatura colonial, outro tratará da literatura da pós independência e, não do pós independência como as vezes se diz e como consta alias no comunicado final, do nativismo do qual eu estou integrado e etc. e portanto os grupos estão constituídos e vamos já começar a trabalhar como é obvio já arrancou e nós já estamos em funções e temos que cumprir.