Lisboa - Marcos Barrica, embaixador de Angola em Portugal, em entrevista exclusiva ao nosso jornal, defende que Angola, em oito anos de paz, está no caminho certo. “Temos sinais inequívocos e indesmentíveis de que estamos no caminho certo, a crescer”. O embaixador também lança um alerta: “é importante que os angolanos, principalmente os jovens, não pensem que em Lisboa a vida está fácil”.


*Yara Simão
Fonte: JA

ImageJornal de Angola – Em oito anos de paz e reconstrução nacional como caracteriza o crescimento de Angola?


Marcos Barrica - A reconstrução nacional é um processo que está a decorrer bem. Apesar da crise mundial, não tivemos recessão económica e temos sinais inequívocos e indesmentíveis de que estamos no caminho certo e a crescer.

JA – O que tem a dizer sobre a nova Constituição?

MB - A nova Constituição angolana é um passo importante rumo à afirmação do nosso Estado, porque contempla aspectos positivos e universais. O modelo adoptado satisfaz a necessidade de estabilidade política, apesar de muitos dizerem que veio dar um golpe à democracia angolana. Angola, depois dos anos de conflito, precisa de estabilidade para progredir.

JA – “Tolerância Zero” diz-lhe alguma coisa?

MB - Mais do que um slogan é um compromisso estabelecido pelo Chefe de Estado, e que tem de ser assumido a todos os níveis. Este compromisso tem de estabelecer um novo começo. Já lá vai o tempo em que se dizia que nas águas turvas viviam os bagres. Agora as águas estão clareadas. O pó assentou, temos de começar uma nova vida, em que a impunidade e irresponsabilidade têm de se banidas, se quisermos moralizar a sociedade.

JA – Continuam as reclamações quanto à obtenção de vistos a que se deve isso?

MB– Há muita reclamação infundada. Só rejeitamos vistos àquelas pessoas que não têm documentação completa. Os que dizem que lhes são rejeitados vistos são aquelas que pensam que é só apanhar um avião e ir para Angola. É importante que as pessoas saibam que Angola é um Estado soberano com regras. É importante que aqueles que querem viajar tenham a documentação completa exigida. Somente os diplomatas e pessoas com passaporte de serviço viajam para Angola sem vistos. Não há razões para dizer que o consulado está a travar os vistos. Hoje é possível adquirir um visto turístico em 24 horas, pagando uma taxa estabelecida. Esta é uma forma que o consulado adoptou para facilitar a vida aos requerentes. Mas é importante que as pessoas entreguem a sua documentação a tempo e horas. Temos casos de pessoas que pedem vistos e sem documentação querem ir para Angola.

JA – Como está a comunidade angolana em Portugal?

MB- Temos uma comunidade estratificada desde o tempo em que Angola era uma colónia. Outros vieram logo após a independência nacional. E há aqueles que vieram à procura de melhores condições de vida. Os mais recentes são aqueles que vêm para estudar e tratar da saúde. Temos mais de 180 mil angolanos em Portugal, com condições de vida diferenciadas, uns com empregos e outros sem empregos. A nossa juventude está organizada em associações. Vivem as dificuldades da sociedade portuguesa. Na medida do possível ajudam-se em comunidades. Temos tido contacto com essas populações porque é nossa missão estarmos juntos, ouvindo as suas necessidades, apoiar naquilo que a embaixada pode e informar sobre aquilo que se está a passar em Angola, no sentido de manter firme a chama da angolanidade, independentemente das relações partidárias.

JA – Que trabalho está a ser feito para registar os angolanos?

MB - Adoptámos a política de Maomé ir até a montanha, porque muitos não conhecem os serviços consulares, mesmo com os apelos feitos pelo consulado, sobretudo de Lisboa. Montámos brigadas móveis para fazer o registo dessas pessoas.

JA – essas acções têm surtido efeitos positivos?

MB – Sim. Só no ano passado fizemos o registo de mais de cinco mil angolanos só no projecto de brigadas móveis. Este programa é feito aos fins-de-semana e vai continuar até conseguirmos registar todos os angolanos, porque é muito importante sabermos quantos somos, onde estamos e o que fazemos.


JA – Qual a população penal angolana aqui em Portugal?

MB - Os angolanos são pacíficos e aguerridos, que cantam vitória e sorriem sofrendo, mas temos alguns cidadãos com condutas desviantes, que vivem à margem das normas legais portuguesas. A maior parte dos casos são de embriaguês, má condução e brigas nos locais de trabalho e convívio. Tivemos dois casos isolados de crimes passionais que resultaram em óbitos, na região de Almada. Não posso dizer um número exacto, mas existem alguns angolanos detidos, a contas com a polícia portuguesa. Temos uma advogada que está ao serviço do consulado para defender os interesses penais da nossa população.


JA – O que tem feito para elevar a moral e o civismo dos angolanos em Portugal?


MB - É nosso desejo que as associações difundam as suas actividades nas comunidades, sobre o resgate de valores morais, cívicos e patrióticos. Mas este é um problema que deve ser também levado a cabo nas famílias. Por isso, a nível da embaixada, criámos boletins e jornais para fazer vincar esses valores nas nossas comunidades. Mas há um factor importante que se deve ter em conta. Os pais devem acompanhar a educação dos filhos, para que estes não se desviem.


JA – A Embaixada tem apoiado os estudantes que não têm bolsas?

MB - Temos de aplaudir aqueles que procuram empregos dignos para pagar os seus estudos, mas quanto aos que enveredam por actividades ilícitas só temos a lamentar, porque a Embaixada é impotente para os apoiar. Nós apoiamos aquele que vêm por conta do Estado. O problema é que essas pessoas vêm de forma singular e quando aqui chegam esperam que a embaixada custeie os seus estudos, mas não temos condições para tal. Na área da saúde, damos a primeira assistência. E quando não podemos fazer mais encorajamos essas pessoas a regressar ao país. É importante que os angolanos, principalmente os jovens, não pensem que em Lisboa a vida está fácil. Da mesma forma que está difícil para os portugueses, está para os angolanos.


JA – Como está o acordo ortográfico?


MB – Angola não o ratificou, porque precisa de amadurecer elementos ligados ao acordo, e defende um único vocabulário ortográfico comum, para que todas aquelas especificidades da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) possam rever-se no acordo. De resto, seria uma espécie de imposição a determinados Estados. E quando o acordo entrasse em vigor, os que não tivessem as devidas cautelas eram ultrapassados porque o seu léxico não foi tido em conta. Há uma moratória que foi decidida pelos ministros da CPLP, onde se defende que a entrada em vigor do acordo ortográfico deve passar pela aprovação comum e Angola está a trabalhar neste sentido, de forma avançada. Angola não se opõe ao acordo ortográfico, mas está a seguir com a prudência que o assunto exige, para que quando for aprovado todos possam rever-se nele.


JA – Como estão as relações entre Angola e Portugal?


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MB - Os dois países estão neste momento a viver tempos fecundos, não só na área política, mas económica, social e cultural. Estamos a viver um momento favorável e que importa, de facto, mantermos, para que os interesses do nosso país sejam sempre salvaguardados.


JA – É cada vez maior o número de investidores portugueses em Angola. E em relação a investidores angolanos em Portugal?


MB - A balança está a favor dos portugueses. Angola continua a ser o maior importador de empresários. Mas também estamos a conhecer angolanos a conquistarem o mercado português. Existem em diversos sectores alguns investidores que estão a ocupar grandes espaços no mercado português, sobretudo nas áreas da banca, imobiliária, petróleo e energia. É notório também o envolvimento de angolanos no sector agrícola. Este é um bom sinal e leva a crer que o número pode aumentar.


JA - Basta ter dinheiro para se investir em Angola?


MB - No passado as pessoas julgavam que era só pegar numa maleta, viajar e arranjar um espaço para investir. Agora as coisas estão bem clarificadas. Quem sai do exterior para Angola vai encontrar um Estado soberano com regras de jogo, suas necessidades e interesses estratégicos. Sendo assim, o investidor, para se deslocar, tem de conhecer o país, a sua condição social e política, saber onde estão localizadas as maiores oportunidades em função do ramo em que pretende investir, e fazer contactos com as estruturas competentes, como a ANIP. E recomenda-se que façam parcerias com empresários angolanos, que conhecem melhor o mercado.


JA - Mas existem investidores que alegam dificuldades para investir em Angola…


MB - Existe legislação competente para regular o investimento em Angola. As portas estão abertas para todos os investidores portugueses. Não há restrições de natureza política para que isso aconteça. Mas é preciso cumprir a legislação que está estabelecida, e que os investidores não vão a Angola só para ganhar dinheiro, mas também apoiar, particularmente na zona onde vão lançar o seu negócio. Se alguém vai explorar inertes é bom que as populações da área explorada sejam beneficiadas com escolas, hospitais, energia eléctrica ou abastecimento de água.