Luanda - Estas são afirmações de Jaime de Sousa Araújo, actual Secretário da Liga Africana de que é co-fundador, foi Primeiro Oficial dos serviços de economia na época colonial portuguesa, nascido aos 14 de Outubro de 1920, no município do Caxito, Dande, preso pela PIDE em 31 de Dezembro de 1960, solto em meados de Fevereiro de 1965, por ser dirigente e autor dos Estatutos da organização feminina de Angola com vista a formação política da mulher africana. Foi de novo preso em Abril de 1971 por exercer actividades subversivas, tendo sido restituído à liberdade em Junho deste mesmo ano. Foi detido pela terceira vez em 15 de Novembro de 1971, posto em liberdade em 15 de Maio de 1972, foi também conselheiro de Holden Roberto e cortejou quase todos os nacionalistas, não só angolanos, o que lhe empresta atributos mais do que suficientes para aconselhar Angola.

*Félix Miranda
Fonte: Folha8


Folha 8 – Hoje, qual é o contributo da Liga Africana para a angolanidade?


Jaime Araújo – Tem feito alguma coisa com algumas dificuldades, porque mesmo instituição de utilidade pública que queremos nos termos dos estatutos e ao abrigo da Lei 14/91, temos procurado de maneira a instalar os sectores mais importantes da vida da Liga, mas não temos espaço. Fizemos todas as diligencias junto do Partido, estava o Secretário Geral, o Lopo do Nascimento que procurou formas de encontro com os dirigentes dos dois lados, mas eles não cederam e informações e exposições esclarecedores ao Presidente da República a ver se atribuía à Liga Africana. Aguardamos, não obstante, muita esperança que temos, porque a Presidência da República tem procurado formas de nos atribuir mais um pedacito destas instalações.



F8 – Concretamente, dos objectivos, o que esperamos da Liga?


JÁ – Dos objectivos, fizemos muitas saídas com destaque para Benguela, Kuanza Norte, Huambo e em Benguela aqui à dois anos fomos depositar coroa de flor nas campas dos antigos sócios e dirigentes da Liga Nacional Africana.

F8 – Muito bem, comecemos por aqui. No fim dos anos cinquenta, início de sessenta, falava-se da África em Labaredas. Continuamos ainda em chamas, ou há boas perspectivas para o futuro?


JÁ – Olha, não está em labaredas, mas está a queimar em cinzas. Na minha percepção, a África não vai bem. A África enquanto não se dirigir sozinha, tendo sempre o conselho dos outros países mais adiantados, não vai à lado algum. A África não tem sabido aproveitar as suas riquezas e os valores intelectuais que os há e então, misturam-se em negócios materialistas que não contemplam a maioria das populações. Estamos a ver que as antigas colónias inglesas, francesas, portuguesas até, continuam em convulsão. Não se vê um Quénia bem, não se vê uma África do Sul bem, um Sudão bem, uma Nigéria bem, não se vê a Cote D’Ívoire  bem, o Togo, a Guiné Bissau bem, a Guiné Konacri. Se não está em labaredas, então está a pisar cinzas quentes.

F8 – Fez referência da África Negra. A mesma pergunta coloquei-a na entrevista ao Júlio Vicente. A África branca?


JA – Eu não conheço uma África branca, conheço uma África Árabe, mestiça, eles não são brancos e talvez a condição espiritual das suas religiões, os mantenham mais firmes. Nós ainda estamos embrulhados, o cristianismo com o feiticismo, e tal. Nós ainda não nos identificamos com os valores em concorrência com todos os povos superiores.


F8 – Este é também o trabalho da Liga?


JÁ – A Liga tem feito também isso, tanto mais que foi a Liga que fundou a FACEL – Federação das Associações Cívicas do Espaço Lusófono precisamente por ter percebido que a CPLP não funciona à favor dos seus associados e então em Congresso grande onde participaram cidadãos de todos os países, menos Timor Leste e concluiu-se na necessidade de se criar uma federação forte, participativa e colaboradora da CPLP, mas a CPLP, não está interessada na inclusão como órgão apenas de opinião de associações do grau da FACEL e temos tido perturbações permanentes da CPLP.  E era uma associação cívica, interessada em ajustar o relacionamento gradual dos países que tinham saído da independência com Portugal e Brasil e não tem sido feliz. Mesmo a contra gosto da CPLP, são os próprios dirigentes da instituição que diz que não funciona bem. Na última reunião de Fevereiro, está o Secretário Executivo, que é da Guiné-bissau a dizer que a CPLP não funciona em condições.


F8- Talvez aqueles mandam o mundo e mesmo Portugal particularmente, estejam a temer um fundamentalismo africano.

 

JÁ – Com todo o respeito que devo aos estadistas, sinto que há uma certa moleza dos países PALOPS. Tomando a sua função como maior personalidade e advertir Portugal e Brasil que nós não somos lorpas. Angola favorece a entrada de todos os irmãos de língua portuguesa e o contrário não se vê. O visto, a circulação de pessoas e bens, apertam de tal maneira, que nós não temos possibilidade de ir à Portugal quando queremos sob alegações falaciosas do Schengen. Queremos advertir que nós não temos nada e estamos muito interessados, no caso da FACEL e Liga Africana, de acompanhar este mandato do Presidente da República, no sentido   de o alertar na necessidade da circulação de pessoas e bens e visto em paralelo. Angola não é obrigada a ser delicada, quando os outros não são.


F8 – Em contra-partida os portugueses reivindicam um certo bloqueio por parte do Consulado angolano em Portugal em conceder vistos aos portugueses para Angola.

 

JÁ – Não é verdade isto. Se fizermos contabilidade, tendo em conta que, Portugal tem cerca de 15 milhões, e Angola tem cerca de 16 milhões, vem mais gente para aqui sob alegação de investigação de investimentos, mas eu não vejo investimentos volumosos de portugueses. Vem mais portugueses aqui, do que vai um angolano lá. Os angolanos, cabo-verdianos, guineenses, são-tomenses, têm muita dificuldade de ir à Portugal, porque restringem o visto. Disse a bocadinho que a FACEL, brevemente vai pedir ao PR Engenheiro José Eduardo que há uma preparação simulada e eu desafio os portugueses nesta afirmação que o senhor Presidente da Republica Cavaco Silva, vir aqui para dar o seu concurso, a sua anuência nos dois anos de liderança de Angola, mas tem fundo oculto. Eu li um Documento Secreto, têm um plano de investimentos em Angola, em grosso que vai ser apresentado através do Preseidente da República a pedido das forças económicas de Portugal para cedências de Angola. Eu tomei conhecimento em Lisboa desse plano e como cidadão angolano, não concordo. Ou o plano é aberto, público, para que a gente veja o bom e o mau ou o PR tem de acautelar o ingresso, a introdução de mão-de-obra angolana nos investimentos portugueses, mas não é mão de obra braçal. Quadros importantes, técnicos cientificos de alto nível, do médio nível que precisam partiucipar no desenvolvimento económico que Portugal quer para Angola, se não for isso, a taxa de desemprego vai aumentar, a reacção cívica vai aumentar e o desgosto será maior quando houverem problemas insolúveis.


F8 – Quer dizer que a visita que se espera de Cavaco Silva, esconde más intenções!


JÁ – Eu posso afirmar. Esconde sim senhor. Eu li um documento confidencial em Lisboa. Vão anuir o mandato de Angola de dois anos, mas tem fundo de interesses económicos. Não está em causa negá-los, quem sabe é o Estado, mas está em causa alertar da conveniência da introdução na actividade dessas empresas dos valores angolanos: técnicos, científicos e não apenas braçais para auferirem salários miseráveis.


F8 – Há pouco falava da confusão em que está mergulhada a África. Há vozes que dizem que particularmente o problema em Angola é que os governantes são catalogados em 99% como empresários e são eles que fazem o Estado. Como é que esses podem proteger o Estado dos apetites económicos mesmo àqueles que atentem contra os interesses da nação?


JA – Eu tenho uma leitura diferente do problema de Angola. Nós estamos ainda na primeira classe de aprendizagem, não temos cem anos de independência, a Europa tem mil anos. Então, os primeiros passos estão cheios de asneiras. Não podemos dizer que estamos contentes com esta situação toda. São neófitos, indivíduos que também têm a carga da ambição, qquerem riqueza num dia só. E há uma perturbação permanente que os retira da tomada de consciência dos cargos para que foram chamados. Concretamente hoje não sabemos do que se passa porque com  a Nova Constituição vamos saber esperar, são dois meses ainda têm de preparar as mesas, os planos, a regulamentação da própria constituição mas não temos receio de dizer que o próprio Presidente da Republica vai ter maiores encargos e maiores sacrifícios físicos e espirituais porque há muita concentração de poder e isso vai debilitar a acção espiritual do PR se ele não tiver bons colaboradores.



F8 – Mas fala-se do Kopelipa que é um grandalhão, do Feijó que é um outro rodado que serve de escudo e que fazem o Painel Solar do PR!


JÁ – Eu vou ver se eles servem mesmo de escudo do PR, mas ainda é cedo porque só são decorridos dois meses e não posso fazer uma análise precipitada sobre a questão. Mas sei que cada um no seu oficio, caso concreto do senhor Kopelipa, teria sido um grande General. Sei que na ordem de advogados o Doutor Feijó teria sido um bom, basta ter sido aluno do Professor Freitas do Amaral, mas até ser Macro Ministro, vai me dar muita água.


F8 – Outra questão. Acredita na Lei da Probidade Administrativa com base na Tolerância Zero, para corrigir estes e outros males?

 

JÁ – Continuo a dizer que poderá estar na intenção do senhor PR, para tal tolerância zero, mas não sei se isso tem braços. Não sei se há pessoas corajosas com ele para tomar medidas porque isso poderá desmantelar muita pouca vergonha. Eu ponho as minhas reservas sobre a Tolerância zero.


F8 – É natural de Luanda, mas constam-me que teve boas relações com muita gente do K.Sul naquilo que foi o relançamento do espírito nacionalista.

 

JÁ – De facto estive um tempo como funcionário de uma grande companhia que era a CADA e tive contacto com alguns indivíduos. E o porte, a forma de estar a percepção dos problemas dos poucos indivíduos com quem lidei, não faz grandes diferenças com os homens de Luanda. E mais, K.Sul e Kazengo K.Norte, mais concretamente Golungo Alto. Acoima muito de que os homens de Luanda assambarcam muito, não é verdade. A acção progressiva na luta subversiva e publica em busca da independência de Angola, tem muita cabeça e muita mão dos homens de fora que não de Luanda. E eu vou pôr. A Liga Nacional Africana que tinha gente de todas as províncias ditas ultramarinas, foi cerzida por indivíduos que não eram de Luanda. Este MPLA que muita gente fala, é necessário que se diga que a célula principal do Movimento que passou a chamar-se MPLA era da Liga Nacional Africana. E veja, nesta convulsão que determinou a independência de Angola, so do Golungo há mais de cinco pessoas. Desde 1930 quando se fundou a Liga Nacional Africana que Luanda tem gente de todas as actuais províncias, concretamente: O Gervásio Ferreira Viana e o António Assis Júnior que foi o primeiro Presidente da Liga Nacional Africana, são naturais do Golungo Alto. O homem do 4 de Fevereiro e o seu parceiro Joaquim Pinto de Andrade.


F8 – Quem é o homem do 4 de Fevereiro?


JÁ – É o Cónego Manuel das Neves, quer queiram, quer não é o Cónego, esses eram naturais do Golungo, então onde está o homem de Luanda? Os meus companheiros de infortúnio: Matias Miguéis,  o Viriato da Cruz, são naturais do K.Sul. Portanto, a designação Liga, estava correcta. Estava ligada a toda gente e foi desses senhores que acabo de citar que nasc os primeiros movimentos. Os PLUA, os partidos comunistas, até chegar ao MPLA. Então,  compaticipação das províncias é viva. Basta recordar-vos os elementos principais que determinaram a independência de Angola e temos que ser realistas, os três movimentos de libertação de Angola, designadamente UPA-FNLA, MPLA e UNITA não vieram do ar. Os movimentos são reminiscências, são a força organizada dos movimentos clandestinos de Angola. Nós trabalhamos aqui demoradamente e afincadamente com a intenção de nos libertarmos do processo colonialista. Quando já nos faltava técnica, forças e maior visão, fomos fugindo e com estas fugas fortificamos nos movimentos que acabaram por pegar em armas. Mas a semente da subversão, clandestinidade aqui em Luanda sobretudo foi muito violenta e perturbou muito os programas coloniais. Não se fala, limita-se a meia dúzia de senhores que tiveram no Tarrafal, é injustiça.


F8 – Significa que aqui foi o centro da constelação que deu esses três partidos?


JA -  Total.

F8 – Também em Off, falamos de Manuel Miranda que deu muito para Angola, FNLA e outros que eram seminaristas!

 

JÁ –O Manuel Miranda que era muito meu amigo, fui encontrá-lo em Kinshasa, depois dele sair daqui do Seminário de Luanda, é natural do K.Sul, era um homem de mão do Holden Roberto e um rapaz de qualidade. O Rosário Neto, é meu contemporâneo, fui encontrá-lo em Kinshasa, é natural de Malange. Isto é para explicar que há um sentido de unidade que infelizmente só o MPLA preserva porque o MPLA tem a máxima feliz do meu condiscípulo Agostinho Neto que Angola é de Cabinda ao Cunene, os outros movimentos não têm essa noção clara, porque ainda estão com os preceitos e os preconceitos de tribos, kikongos ou kimbundos, etc. Se há kikongos, há kimbundos, se há bailundos, não há Angola.

F8 – Hoje, ao contrário daquilo que aconteceu ontem, a nossa juventude não liga muito esta coisa da politica. Nos anos cinquenta falava-se de uma juventude silenciada. Hoje pode-se falar de uma juventude amordaçada?

 

JA – Enquanto a juventude daquele tempo não tinha medo de morrer, a juventude deste tempo tem medo de morrer. Está tudo dito.


F8 – Por causa da Cuca, ou do 27 de Maio?

 

JA – Está tudo dito. Tem medo de morrer, está desfasada das realidades, porque não encontram o caminho que os convença a participarem como elementos nacionais então frustram-se e arranjam uma carga de anomalias, bebedeiras, suicídios, tornam-se malucos. Mas quem me dera a mim no meu tempo ter tão boa juventude como há hoje.



F8 – Isto é um mau agoiro para o futuro?

 

JA – Eu penso que sim. Sem necessidade de louvarias, dos países de África e curiosamente cristãos, Angola tem o caminho muito mais esclarecido do que muitos mais velhos países que se tornaram independentes. Porque Angola tem bons quadros, mas na prática, os quadros não estão enquadrados no sistema da administração pública do país.


F8 – Quer comentar os critérios de selecção?

 

JA – Sim. Fala-se muito da oligarquia, fala-se muito do parentesco e se a gente fizer conta, a gente encontra mesmo. Muitos parentes encostados e subestimam outros quadros que não têm parentes mas têm qualidades e talvez mais competência.

F8 – Outra questão: sei que também tem amplos conhecimentos sobre economia e já agora de economia política. Muitos dizem que o poder político e o poder económico, é um jogo entre o importante e o essencial para um Estado. Com base a conjuntura, qual o seu comentário?


JA – Não há nada sem política. Nós é que andamos a tergiversar, temos medo de dizer que somos políticos, mas cada elemento tem uma carga política. Agora, esses políticos têm é de ter conhecimentos técnicos e científicos para entrarem numa ciência que se chama economia. Esses senhores é que não programam nada que satisfaça as maiorias. Angola não pode perceber que a província de Luanda tenha de superfície, 2 418kms2, porque inventaram a província do Bengo com 41 000 kms2. Em contrapartida exigem que Luanda suporte 3 500 000 almas, quer dizer toda gente vem para aqui. O suposto produto da guerra veio todo para Luanda. Agora, não têm plano de escoamento. Enquanto o governo não escoar para a periferia os indivíduos capazes de produzirem, em breve, Luanda vai rebentar pelas costuras e cada vez que chove um bocadinho, toda gente vem gritar para rua. Têm de rever tudo isso, pois Luanda não pode suportar esta população numa superfície que é um terço da província mais pequena de Angola que é Cabinda.

F8 – Então está de acordo com esta política de Reconstrução que se convencionou chamar de Requalificação de Luanda, onde muitos retratam como exclusão social?


JA – De maneira nenhuma. Porque ouvi o senhor responsável das Obras Públicas ou  Construção, o senhor a mostrar um bairro de imóveis grandes, que está tudo pronto, todo ele satisfeito e por fim acabar assim: Bom! Estamos a espera da água e luz.

F8 – Mas já acabou!

 

JA – Acabou o prédio, mas não podem lá habitar porque não tem água e luz. O problema destas infra-estruturas têm de ser paralelos aos problemas das estradas e dos meios de comunicação. Não é possível construir bairros inteiros sem água e luz.


F8 – Outra maka é ainda as obras que só começam e nunca acabam, como exemplo a estrada de Catete!


JA – Nunca acabam porque estou a ler nos jornais que o Estado deve aos construtores. Ora, os construtores rebentam pelas costuras porque já não têm dinheiro para pagar ao pessoal e param, naturalmente. Faz mau sentido Angola que tem dinheiro graças à Deus, esteja a dever toda esta equipa de construção civil.


F8 – Aí outra vez a problemática de um Estado empresário.

 

JA – Além de empresário, é um Estado caluteiro. E o que faz, vai aumentar a taxa do desemprego e as reacções políticas e sociais. Os trabalhadores não recebem, não dão leite ao filho, não dá comida à mulher, até há desuniões por causa disso. Mas este sistema tem de equacionar o dia a dia, a necessidade de cuidar do interesse desde o doméstico até lá acima.

F8 – O grande erro é o de pretendermos construir uma Europa aqui na Africa?


JA – Construir aqui uma Europa porquê e para quê se nós não somos.