Luanda - O presidencialismo, adoptado pela actual equipa governativa é um sistema onde o rosto maior é, e deve ser, o do Presidente da República, investido nessas funções. Não importa se através do voto, ou por imposição face à correlação de forças (onde o caso angolano apresenta tipicidade sui generis, no contexto do Direito Constitucional Democrático). Mas, aqui chegados, não pode haver continuação da subversão das regras impostas à sociedade, por parte do mesmo grupo político, sob pena de ele ter de assumir a fraude em todo o processo constituinte. Daí que o rosto do presidencialismo instituído, no caso, José Eduardo dos Santos, assistindo-lhe o benefício da dúvida dos 100 dias de gestão inicial do seu gabinete, compete-lhe, a exemplo do que ocorre noutras latitudes, apresentar o balanço desse período geralmente no que é denominado Discurso à Nação. Esta é a imagem de marca do presidencialismo e ficar-lhe-ia bem uma certa delicadeza nas atitudes e na intimidade com os vários actores políticos e sociais.
 
 
*William Tonet & Arlindo Santana
Fonte: Folha

 

A banalização dos órgãos de soberania, por parte de líderes, que se consideram acima da lei e dos cidadãos, contrariando a tese constitucional de, "todos somos iguais perante a lei", não é um bom augúrio, como têm demonstrado vários exemplos da história mundial. Por esta razão, não comungamos da nobreza do balanço feito pelos três ministros do Estado, no lugar do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que no impedimento deveria endossar essa responsabilidade ao seu vice-presidente, Fernando da Piedade Dias dos Santos. Isto porque os membros do gabinete presidencial que o fizeram, são eles próprios ainda um caso a merecer estudo para aferição da legalidade da acumulação de cargos executivos: ambos ministros de Estado e, ao mesmo tempo, Chefes, um, da Casa Militar, o outro da Civil.


Mais do que um gesto de nobreza e abertura da administração, ou governo, de falar aos cidadãos, a verdade é que nada pode justificar que o nosso “Quem de Direito”, ou “Ordem superior”, o presidente da República, não se digne a prestar contas ao país, por muito que seja a sua aversão ao poder legislativo e à Assembleia Nacional, local onde nunca foi prestar contas, mesmo na qualidade de chefe do Governo.

 

Assim, por muito que tenha custado à maioria dos angolanos, ganhou a lógica da batota na tese da batata e é com este sistema e constituição que vamos ter que aguentar numa convivência difícil, até que a força da democracia possa abandonar a subjugação com o emergir vigoroso de um verdadeiro voto de mudança, em nome de Angola e dos angolanos.  
Isto não quer dizer que não tenha mérito o que ocorreu no passado dia 04 de Maio, quando os angolanos foram surpreendidos por um inusitado programa televisivo, transmitindo em directo uma conferência de imprensa organizada por iniciativa duma instituição a que se deu o nome de Governo, por obra e graça da Constituição de Fevereiro de 2010, mas que, pela mesma razão e origem já não é Governo, mas administração ou gabinete presidencial.

 

As três figuras de proa da referenciada instituição, a que daremos o nome de Poder Executivo angolano se lhes juntarmos a função tutelar de JES a sobrepujá-las, são três ministros de Estado, dois dos quais, Carlos Feijó e Manuel Helder Vias Dias, acumulam respectivamente a chefia das Casas Civil e Militar; o terceiro, Manuel Júnior, agrega à sua posição a pasta da Coordenação Económica.

 

Os ministros de Estado trabalham directamente com o PR, com o qual concebem e exaram os despachos referentes a tudo quanto é matéria de governação. Têm preponderância política e protocolar sobre os restantes membros do Governo, a maior parte dos quais, exceptuando os das áreas sociais, que se reportam ao vice-presidente Fernando da Piedade Dias dos Santos, “Nandó”, despacham o que é consensual, ou recorrem ao triunvirato para facultar o exercício das suas funções, caso o assunto seja mais complicado.

 

Quer dizer, trata-se duma concentração de poderes monumental, quem manda e pode é o Presidente da República, e o triunvirato age dentro de limites estabelecidos por este último, pois faz parte duma engrenagem por ele estabelecida e supervisionada. Logo, não pode o dirigente máximo, na hora da prestação de contas ao país, fugir às suas responsabilidades.

 

No que diz respeito às competências teóricas dos ministros de Estado, podemos dizer que à parte serem só isso mesmo, teóricas, a Carlos Feijó cabe a organização do Estado, “Governo” "Administração" incluído, nas suas componentes política e administrativa; a Manuel Helder Vieira Dias, "Kopelipa" incumbe o controlo dos “ministérios” e instituições dos sectores da Defesa e Segurança do Estado (FAA, Polícia, Guarda Presidencial e serviços de Informações); a Manuel Júnior vão o controlo dos sectores económico e financeiro e do sector empresarial público.

 

Ora isto quer ainda dizer que em Angola deixou de haver Governo, o que não impediu o referido triunvirato de se apresentar a público como seu representante, com o nobre intuito de reportar em pormenor tudo o que o Executivo fez durante os três primeiros meses de mandato.

 

Muitos foram os analistas e não analistas que saudaram o aparecimento deste método de o “governo” apresentar contas ao povo. E está certo, porque em democracia um governo eleito tem responsabilidades para com os seus eleitores. Estes dão-lhes uma moratória, normalmente de 100 dias. É um marco bastante para ver se a implantação dos projectos e a concretização das promessas da campanha eleitoral seguem os seus trâmites normais Portanto, aqui temos um ponto positivo, mas não tanto assim no que se refere ao contexto, pois o balanço dos 100 dias, como temos visto nos países democráticos, repetimos, deveria ser  apresentado, pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, a não ser que o não tenha feito, por não ter sido eleito e ter formado um governo com se fosse um órgão eleito; e, subsequentemente, a Assembleia Nacional, assumir, com este gesto, estarmos diante de um presidente interino, cujos actos são limitados, por força do interinato.

 

O país está carente em saber como estão os grandes projectos públicos, como e quando arranca o projecto “Um milhão de casas”, quando vão acabar as demolições anárquicas para servir os apetites imobiliários de alguns governantes, como está o financiamento chinês a ser pago, onde e como vai ser aplicado o empréstimo do FMI, como estão as aplicações do Estado no estrangeiro, através da Sonangol, qual o projecto da Educação e do Ensino Superior, qual o projecto de fusão de ministérios tão grandes e diferentes, como no estapafúrdio caso da junção dos ministérios da Agricultura e Pescas; o que é a Tolerância Zero, se é só para inglês ver ou só para prender os filhos dos outros e não os nossos; são um conjunto de questões que mereciam o "Balanço 100", por parte do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, traquejado em mais de 30 anos ininterruptos de poder. E sobre isso praticamente nada foi dito.

 

Se fosse abordada de peito aberto pelo PR, com sinceridade,  uma só destas questões, subiria a sua cotação política, o país manteria a respiração, para ouvir aquele que seria o primeiro discurso à nação, feito na casa das leis com a solenidade, que momentos desse calibre impõem. Não tendo sido assim, ficou mais do que provado a debilidade da actual conjuntura, a começar pela Constituição, apoiada por constitucionalistas portugueses pagos a preço de ouro para a publicidade, esquecendo-se de reconhecer a gritante e perigosa fragilidade da separação de poderes. Angola para desgraça colectiva, pese estar escrito, na prática não tem TRÊS PODERES: Legislativo, Executivo e Judicial, mas apenas um,  O PODER PRESIDENCIAL.


E, o resto, é vegetação para enfeitar um jardim, baptizado de democracia, mas não passar de "monocrácia".
 
 
 
CAMINHOS PERVERSOS
 


O povo elegeu parlamentares e membros de um governo, não um Presidente da República, que pegou num artifício finamente elaborado para lançar mãos a uma engenharia que conduziria a uma alteração constitucional. 


A grande verdade é que à margem da democracia foi indicado um gabinete presidencial que não foi a votos. Ilegal, portanto, mas que avocou para si tarefas de órgãos eleitos, logo a   nossa frágil democracia não se valoriza ao nos contemplar com coisas destas.  E a Assembleia Nacional, como deve agir, no meio disto tudo? O que é feito dela?


A Assembleia Nacional?, mas qual Assembleia, quais deputados? E já agora, será que os arautos deste sistema super-presidencialista sabem o que é um governo?... um gabinete?... uma administração? A questão levanta-se porque a confusão é tanta que temos a impressão que eles não sabem.

 

Na realidade angolana tudo se passa como se estivéssemos perante um “remake” do primeiro governo de Salazar, mas com algumas distorções: o governo e o gabinete eram então feudo exclusivo de Salazar, em Angola querem transformar o poder político em exclusividade do presidente da República, José Eduardo dos Santos. Tristes semelhanças... E com base nisto, o novo governo funciona com os longevos métodos onde só cabem os mesmos da nossa desgraça colectiva, e em vez de melhorar, agora é pior, pois ao invés de reduzirem, aumentaram o executivo, com a agravante de não terem criado um organigrama compatível com a estrutura.

 

 
O "Governo", ou gabinete, funciona, dizíamos. Sim, com piloto automático, mas a sua função, a sua capacidade de resolver problemas por si próprio, a sua criatividade, tudo isso deixou de existir. E, no estrebuchar do seu desempenho teleguiado e desresponsabilizado, já começaram a aparecer as primeiras premissas de “enfantilismo” governativo, por exemplo, essa de juntar num país como Angola a Agricultura e as Pescas num só ministério nem ao diabo viria à cabeça.


Só pode lembrar a incompetência do proponente de tal opção. Esta é a mais aberrante a outra foi rectificada, mas no final as junções são um ninho de confusão e demonstração de falta de visão.