Luanda - Fica difícil a um cidadão perceber a cidadania a partir da incomunicabilidade. Não é que eu não comunique com os outros e outros comigo, isso aliás é a base da vida. Claro, coloquei comunicação e poder e não poder e comunicação porque em cronologia dos saberes o mais antigo e principal é o de comunicar. Pela comunicação se expandiram ideias, de forma oral, escrita e de outras tantas formas até às mais sofisticadas. E tudo para se veicular a comunicação. Para a vontade colectiva, para a vontade de ter vontade, para a vontade para o amor. E a morte acontece quando alguém fica na imortal impossibilidade de contactar com os vivos.

 

Fonte: SA

 
Venha falar connosco, Presidente!

 Saudável é o povo saber quanto gasta a administração pública

Esta questão é, entre nós, primordial. Lembramo-nos que quando Agostinho Neto ia falar,  ia porque toda agente era avisada que “ele vai falar,” toda a gente estava de ouvido atento para saber qual seria a novidade, nem que fosse “o mais importante é resolver os problemas do povo.” Vivemos o tempo dos comunicados da situação político-militar, do desenrolar de tantas conversações para a paz, ouvimos muitos e tantos comunicados. No entanto, para o cidadão comum existe uma necessidade de ouvir, periódica ou sazonalmente, o poder explicar como é que as coisas an- dam porque não é olhando para os novos arranha-céus ou carros top de gama que o povão vai  sabendo da coisa pública.


E, quando, muito acelerada mente se começa a passar  mensagens sobre que a senhora empregada da limpeza do Banco mandava conta lá fora de dois milhões de euros, o pessoal não acredita mas faz por acreditar da mesma que passou em rodapé numa televisão Tuga sobre que lá para Viana haviam enterrado saco ou sacos com cerca de cento e oitenta milhões de dólares. Estas notícias podem ser passadas por um funcionário de penitenciária, ou um agente policial ou por um magistrado… e é huma- no, à noite, na serenidade do leito conjugal, passála para o ouvido da esposa… que no dia seguinte cumpre um dos deveres colectivos sagrados da cidadania que é passar a palavra sempre avisando que fica entre nós… que somos tantos. Depois, nas diversas dinâmicas do mujimbu, umas vezes a gente vai a contar a um amigo e este já tem uma edição revista e aumentada ou acrescenta que um muata foi tirar o filho da kionga e meteu-o em fuga num avião para Joanesburgo e ainda se acrescenta os pormenores da mansão luxuosa lá na Jones… que, francamente, com aposentos tão bons lá, não fazia sentido manter aqui na cadeia um pedaço de futuro!


A dificuldade em o poder produzir comunicações unívocas, pode, eventualmente acontecer quando a divisão de poderes ou a ausência de maioria partidária possa dissolver a mensagem pela contra-voz da oposição maioritária no seu todo., o que não é o caso aqui. Aqui o poder está centralizado e, portanto, a comunicação do poder com os cidadãos só pode ser de uma só voz ou de um porta-voz. Agora não ser de voz nenhuma ou de uma voz que calha quando calha, amolece a relação mais importante para o poder que é a relação de respeito em informar o povo, evitando-se o boato ou a notícia que é dada já fora de tempo. E também a notícia clara, atempada e unívoca, evita que certas pessoas públicas sejam vitimas de maldizeres que circulam de boca em boca sendo certo que as mesmas figuras gi- ram por aí como se nada com elas tivesse acontecido.


Saudável é o povo saber quanto gasta a administração pública, quanto custa um deputado, um magistrado ou um general. Coisas que deviam ser entendidas como normais como, ainda, existir um canal televisivo só para transmitir as sessões do parlamento. E tudo isto para não se ouvir que fomos dos países que mais cresceu e depois que afinal estamos com uma crise que ninguém explica e estar- mos com calotes sem que se explique como se fica a dever e porque é que não se paga.


Sendo certo que já é um avanço a obrigação de declaração de bens e rendimentos antes de se tomar posse, há, no entanto, quem diga que a tolerância zero entrou sem que antecipadamente se tivesse organizado um quadro, uma estratégia e os objectivos alvo. Daí que as pessoas se interroguem em matéria de segredo bancário, se devia ou não devia ser necessário averiguar sobre contas bancárias das pessoas que ostentam, despudoradamente, sinais exteriores de riqueza no exercício de funções públicas ou imediatamente a seguir.


Agora que o poder só ganha legitimidade quando se mantém em contacto com o povo e se descredibiliza quando permanece no silêncio apenas propalando a obra feita e a que está em curso, que é apenas o resultado de obrigações decorrentes do mandato. Pior é que do lado do cidadão se desistimula a cidadania e gera-se a desconfiança do que se lê, ouve ou do que se vê no ecrã.


Por isso, seria bom que Eduardo dos Santos aparecesse no ecrã, de vez em quando, para nos falar da verdade, safar-nos das mentiras e estimular o povo a dar sugestões.

 

Venha falar connosco, Presidente!