Luanda - Em entrevista ao Jornal de Angola, o embaixador de Angola na Itália considerou o almirante Rosa Coutinho uma figura histórica da política portuguesa “que soube ver ao longe o que devia ser o futuro das antigas colónias portuguesas, especialmente de Angola, ponderando sempre as opções e os equilíbrios que fez e que tinha que fazer para o país livre que temos hoje, independente e com vontade própria”.


Fonte: JA


Manuel Pedro Pacavira descartou a ideia de que o almirante Rosa Coutinho tenha apoiado o MPLA, embora considere “natural que nutrisse alguma simpatia por figuras ligadas ao partido, entre as quais Agostinho Neto”.


O autor do livro “Quatro de Fevereiro pelos próprios” afirma que Rosa Coutinho, a quem coube a responsabilidade de conduzir o processo de descolonização de Angola, como presidente da Junta Governativa de Angola, em substituição do general Silvino Silvério Marques, o último Governador-Geral, “soube gerir o período de transição de maneira a assegurar aos angolanos uma Angola sem perturbações de contornos difíceis, adoptando uma política de equidade que inclusivamente deu espaços para a FNLA e para a UNITA, enquanto um dos obreiros dos Acordos de Alvor”.


O diplomata realçou a forma determinada como o almirante Rosa Coutinho se bateu, internamente, combatendo a reacção interna protagonizada por colonos saudosistas. “Ele procurou adoptar uma política de equidade e os outros partidos (FNLA e UNITA) e muitos colonos não souberam aproveitar, porque não entendiam e porque estavam presos a paixões políticas”, afirmou Manuel Pedro Pacavira, para quem “Rosa Coutinho conduziu com sabedoria, inteligência e argúcia o processo de descolonização”.


Manuel Pedro Pacavira opõe-se àqueles sectores da política portuguesa que defendem que Rosa Coutinho teria entregue Angola ao MPLA. “Isto não é verdade, pois em qualquer processo de luta de libertação dos povos, as independências não se dão. Elas conquistam-se”, defendeu o diplomata que, ao mesmo tempo, considera que “mesmo que o tivesse feito não se equivocaram, pois foi para o bem quer dos angolanos, quer dos portugueses”.


O histórico do MPLA recorre à estatística para mostrar que a história não está errada: “Quantos portugueses se encontravam em Angola antes de 1974 e quantos portugueses se encontram hoje, participando no processo de reconstrução e desenvolvimento económico e social, e também buscando uma mais valia para si próprio com a sua presença em Angola?”, questiona, sublinhando que “desde o tempo colonial nunca houve tantos portugueses como agora, e tudo graças a um esforço do governo de Angola com a contribuição do movimento de 25 de Abril de 1974, representado pelo almirante Rosa Coutinho”.


Sem esconder o abalo pela morte do antigo membro da Junta de Salvação Nacional, o embaixador Manuel Pedro Pacavira sublinhou que “Rosa Coutinho é uma figura política portuguesa de boa memória para os angolanos e que merece a homenagem não só daqueles jovens angolanos saídos das cadeias em 1974, que emergiram da clandestinidade, dos guerrilheiros do MPLA, mas de todos esses jovens que com ele ombrearam por uma verdadeira independência de Angola”.


Rosa Coutinho impediu o apartheid em Angola

 

O papel do almirante Rosa Coutinho na história de Angola não se resume à conquista da independência, como resultado imediato do processo de descolonização. Segundo o embaixador Manuel Pedro Pacavira, Rosa Coutinho “merece e há-de merecer sempre a eterna homenagem do povo angolano, porque foi ele que, em 1974 e 75, ajudou também com as suas forças a neutralizar as forças de reacção que propugnavam por uma independência branca, com um regime igual ao do Apartheid da África do Sul ou o regime minoritário do Zimbabwe”.


Manuel Pedro Pacavira considera imperioso que, sobretudo os jovens, saibam que a independência de Angola “não caiu do céu como Maná”. O histórico do MPLA acrescenta que só a Angola independente e livre pôde contribuir de forma determinante para a independência da Namíbia e o fim do regime do Apartheid na África do Sul. “E o mérito do governo do MPLA, pelo qual Rosa Coutinho era livre de nutrir a sua simpatia, não foi só pela via das forças armadas, mas também da luta diplomática, nos mais diversos areópagos internacionais, como as Nações Unidas, em Nova Iorque”.


Amado por muitos e odiado por alguns

 

A sociedade portuguesa e também a angolana, especialmente a  classe política, recebeu dividida, a notícia da morte do almirante António Alva Rosa Coutinho. De um lado, a solidariedade dos que apoiaram o fim da ditadura salazarista, a descolonização e a instauração do regime democrático em Portugal, do outro, o escárnio dos neo-salazaristas aos quais se juntam os milhares  portugueses que tiveram de abandonar as antigas colónias no ultramar, por causa do 25 de Abril.


O Jornal de Angola ouviu, ontem, Raimundo Narciso, ex-adjunto do secretário de Estado da Administração Interna, antigo opositor do regime salazarista (actuou na clandestinidade durante 10 anos), que destacou Rosa Coutinho como figura de proa da revolução do 25 de Abril de 1974 e do processo de descolonização que ditou a independência das antigas colónias portuguesas. “É uma pessoa por quem tinha grande consideração. Figura destacada na história da revolução e importante também na história dos angolanos, teve um papel muito importante na descolonização, pois desde a primeira hora esteve a favor da independência completa e total das colónias”, afirmou.

 

O político reformado (retirou-se em Outubro de 2009, no fim do mandato do anterior governo do Partido Socialista) falou da controvérsia em torno da figura do “Almirante Vermelho”, desde os primeiros momentos após a queda do salazarismo. “O papel do almirante Rosa Coutinho gerou simpatias e ódios. Os colonialistas e também os portugueses que tiveram de regressar na sequência da descolonização (foram muitos milhares de retornados) criaram no seu seio uma onda de ódio contra a revolução e especialmente contra o almirante Rosa Coutinho, exactamente por causa do seu papel na independência das colónias, mas em contrapartida muitos portugueses e os povos dessas ex-colónias, claro que têm um carinho especial por ele e estão solidários nesta hora”, disse.

 

As lamentações pela morte de Rosa Coutinho vêm também de uma figura angolana que assume o seu antagonismo face às posições defendidas pelo “Almirante Vermelho”, pela sua identificação ideológica, mas que lhe reconhece “firmeza e verticalidade na defesa dos seus ideais”. Contactado pelo Jornal de Angola, Ngola Kabangu, hoje chefe da bancada parlamentar da FNLA, assume que nunca foi de “morrer de amores pelo almirante Rosa Coutinho”, com quem chegou a “privar” durante as negociações dos Acordos de Alvor, para a independência de Angola.

 

“Conheci o Almirante Rosa Coutinho no Hotel Penina, no Algarve, e guardo dele o registo de um negociador enérgico que defendia as suas posições enquanto representante do Partido Comunista Português”, disse Ngola Kabangu, antes de afirmar que “Rosa Coutinho, apesar de tudo, será sempre lembrado pela sua trajectória enquanto militar e político”.

 

No seu portal na Internet, o Partido Comunista Português defende que “com a morte do Almirante Rosa Coutinho desaparece uma das figuras mais relevantes da Revolução de Abril e os trabalhadores e o povo português perdem um aliado de todas as horas e um amigo de todos os momentos”, e que quando “chamado a integrar a Junta de Salvação Nacional logo na noite de 25 para 26 de Abril de 1974 – cargo para que foi nomeado pelos oficiais da Marinha do Movimento das Forças Armadas – o Almirante Rosa Coutinho desde logo assumiu claramente o seu posicionamento no campo mais progressista e avançado do MFA”.

 

Em Abril de 1974, Rosa Coutinho era capitão-de-fragata. Foi um dos militares do Movimento das Forças Armadas que desencadeou a Revolução do 25 de Abril de 1974, tendo integrado a Junta de Salvação Nacional.


Em Outubro de 1974 é designado Alto-Comissário em Angola até a assinatura do Acordo de Alvor (em Janeiro de 1975). Rosa Coutinho passou à reserva após o 25 de Novembro de 1975.