Luanda - Há anos que o SA vem batendo na tecla da necessidade de uma rede de transporte marítimo de cabotagem que alivie a pressão do trânsito no sentido Cacuaco-Benfica-Baixa e vice versa. Como sempre, as autoridades competentes fizeram os habituais ouvidos de mercador. Não faz dois meses, este jornal “provocou” quem de direito através de uma reportagem em que dava-se conta de uma viagem do género feita pelo casal Isabel dos Santos e Sindika Dokolo. Mais uma vez, o “aviso” caíu no mesmo lugar, isto é, em saco roto.


Fonte: SA
 

Vimos esta semana o líder da UNITA, Isías Samakuva que, aproveitando a “deixa” ganhou o mérito de ser o primeiro político de topo a fazer essa mesmíssima proposta. Mas é nessa mesma semana que apareceu-nos uma companhia privada disposta a fazer essa serviço de transporte. O que, porém poderia ser considerada uma boa notícia, esbarra com o inacreditável. Essa empresa – “privada” entre aspas – cobra apenas e tão sómente 30 dólares norte americanos por viagem. O equivalente a 3.000 kwanzas. E vem já um aviso: o tal dito transporte é apenas para os trabalhadores das empresas petrolíferas. Pudera: que angolano aguentaria pagar 1.800 dólares por mês (180.000 kwanzas) para fugir ao trânsito infernal das manhãs e das tardes? E, já agora, quem no Mundo aguenta esses preços? E uma pergunta final: onde está o Governo, que nem regula os preços, nem protege os seus cidadãos, passando a mensagem que não quer saber deles para nada?

 
Porque que há necessidade de transporte marítimo de cabotagem, já é consenso geral. Se os moradores do Cacuaco, Benfica e arredores puderem apanhar um barco aí pelas seis horas da manhã, haveria inúmeras vantagens para todos. Para já, haveria menos carros nas estradas (as pessoas apanhavam um táxi até ao embarcadouro, faziam o trajecto por mar e apanhavam outro táxi da Baixa para o serviço e vice versa). Os trabalhadores chegariam aos empregos mais cedo e com muito menos stress. Até poderiam tomar o pequeno almoço a bordo dos barcos que tivessesm tal serviço. Os empregadores veriam aumentado e de que maneira o rendimento dos seus trabalhadores que chegariam com as energias intactas para a jornada laboral. E o Estado, esse ganharia tudo o que perde com o elevadíssimo consumo de tempo, energias, combustiível, desgaste das rodovias e subida geral de produtividade. Sem contar os ganhos políticos que um sistema desse género, desde que bem implementado poderia trazer a quem o soubesse implementar. Avisada foi a UNITA que viu isso mesmo e já começou a explorar esses ganhos trazendo o assunto à agenda.

 
Mas isso passa necessáriamente por preços que estejam ao alcance da generalidade dos cidadãos. 3.000 kwanzas por viagem é simplesmente proibitivo até para um gestor de topo, para não falar dos outros. Ninguém, em nenhuma parte do Mundo paga isso para uma cabotagem de menos de uma hora. E o Governo não devia permitir isso. E porquê?


 
Primeiro porque os combustíveis no nosso País são subsidiados. Estando a empresa exploradora dos barcos beneficiando disso, porquê cobra tão caro? Nem mesmo o desgaste dos materiais e equipamentos justifica isso: a cabotagem é muito menos desgastante que a navegação em alto mar, e todos sabemos que os transportes marítimos sempre foram os mais baratos se comparados com os outros meios.
 

Depois há a questão da recuperação do investimento: quanto custaram os navios? Ora, se cada um leva 24 pessoas, isso quer dizer que faz 72.000 kwanzas (720 dólares) por viagem. Se pensarmos que cada barco fará por aí seis idas e vindas por dia teremos que cada barco facturará... 864.000 kwanzas (8.640 dólares) por dia! Será preciso recuperar o investimento dessa forma tão selvagem? Qual é o tempo de vida dos referidos navios? E, mais uma vez, onde está o Governo para estabelecer linhas protectoras dos seus cidadãos? Ou quereremos criar mais um foco de exclusão, acessível apenas para aqueles que podem pôr as mãos incontrolávelmente no erário público e assim pagarem tais preços?

 
No contexto actual em que a probidade administrativa está tão em voga no lexico do dia a dia, o executivo tem que prestar mais atenção a esses aspectos, como fazem todos os outros pelo Mundo fora. Há preços que, de tão especulativos não podem ser permitidos a uma empresa legalizada. Para além do facto que, pelas fragilidades do nosso mercado, algumas áreas têm que ter protecção estratégica do Estado. E o transporte público de cabotagem em Luanda é decididamente uma delas.

 
O Governo não deveria entregar esse bolo ao sector privado sem antes definir termos de referência claros que se destinem a tornar o serviço acessível a uma maior franja populacional possível. Desde os estudantes que deveriam até ter um sistema de passe mensal, aos trabalhadores de baixa renda que constituem um sector importantíssimo para a productividade geral. O que se poderia fazer seria um sistema de classes, como existem nos comboios e aviões onde – aí sim – cada um escolhe onde vai consoante o seu bolso. Para além que, é políticamente incorrecto e moralmente vergonhoso começar o transporte de cabotagem primeiro para as classes privilegiadas – as tais que podem (?) pagar os preços propostos – e só depois, quando o Diabo se lembrar arranjar-se-á um calhambeque flutuante qualquer para as “massas populares”.
 
O executivo que ponha ordem nesse circo e já. Para isso votamos neles!