Luanda - Anastácio da Cruz (Nacho) é, provavelmente, o primeiro angolano constituído arguido em Portugal por participação numa manifestação de protesto contra os resultados eleitorais de 2022, em Angola.

*Graça Campos
Fonte: Correio Angolense

Em Setembro de 2022, Nacho Cruz e outros angolanos juntaram-se diante do consulado de Angola em Lisboa para manifestar o seu desagrado com os resultados das eleições ocorridas em Agosto e que, mais uma vez, deram vitória ao MPLA.


Pacífica e ordeira, da manifestação não resultaram nem ofensas corporais a funcionários do consulado e nem danos patrimoniais.


Entre as várias centenas de manifestantes, um agente da esquadra, identificado como Paulo Soares da Silva, decidiu fazer uma participação criminal exclusivamente contra Anastácio Cruz.

O agente identificado como Paulo Soares da Silva é conhecido pelas suas relações amistosas com funcionários do consulado angolano, no bairro lisboeta de Alcântara.


Também detentor de nacionalidade portuguesa, mas com residência habitual em Londres, onde trabalha, Nacho Cruz foi chamado na quarta-feira, 13, à 7ª Esquadra da Divisão de Investigação Criminal de Lisboa onde foi acusado de protagonismo numa manifestação realizada “defronte à instituição do Estado angolano sem autorização”.


O representante do Ministério Público naquela unidade policial alegou que a manifestação “perturbou o silêncio do consulado com palavras ofensivas” ao Presidente João Lourenço.


O juiz de garantias da 7ª Esquadra da Divisão de Investigação Criminal de Lisboa acolheu os argumentos do Ministério Público e atribuiu ao angolano os ilícitos previstos no artigo 333º do Código de Processo Penal.


O articulado estabelece que “quem, por violência ou ameaça de violência, impedir ou constranger o livre exercício das funções de órgão de soberania ou de ministro da República é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.


Acto contínuo, o juiz de garantias estabeleceu como medida de coação o Termo de Identidade e Residência nos termos do qual Nacho Cruz é obrigado a “comparecer perante a autoridade ou de se manter à disposição dela sempre que a lei obrigar ou para tal for devidamente notificado”


Nacho Cruz é, ainda, proibido de mudar de residência, “nem dela se ausentar por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou o lugar por onde possa ser encontrado”.


Essa medida de coação não impedirá, no entanto, o arguido de regressar a Londres, pois provou ao juiz que é lá onde vive e trabalha.


Estado Democrático e de Direito, em que manifestações não carecem de autorização, Portugal parece estar a estender a sua cooperação judiciária com Angola até na limitação dos direitos civis.


O artigo 333.º do Código de Processo Penal angolano estabelece que quem, “publicamente, e com o intuito de ofender, ultrajar por palavras, imagens, escritos, desenhos ou sons, a República de Angola, o Presidente da República ou qualquer outro órgão de soberania é punido com a pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou a multa de 60 a 360 dias”.


No n.º 1 do artigo subsequente (334.º) diz-se que “quem, com tumultos, desordens ou arruaças, perturbar o funcionamento dos órgãos de Soberania é punido com pena de prisão até 3 anos ou com a multa até 360”.


As molduras penas previstas para os mesmos tipos de crimes nos dois países têm pequenas diferenças.


Mas, é óbvio que os artigos 333º dos Códigos de Processo Penal de Portugal e de Angola parecem inspirados numa mesma fonte...
A decisão do juiz de garantias da 7ª Esquadra da Divisão de Investigação Criminal de Lisboa é um claro aviso à navegação.