Luanda - O Presidente angolano visitou a China pela segunda a vez. A primeira tinha sido em 2018. “Eu tenho dois amores/que em nada são iguais/ Mas não tenho a certeza/de qual eu gosto mais”.

Fonte: Jornal de Negócios

O refrão de um dos maiores sucessos do cantor português Marco Paulo pode ser usado como metáfora para avaliar o atual relacionamento de Angola com os Estados Unidos e a China.

 

A proximidade com os norte-americanos é recente e resultou, em boa parte, de uma reaproximação dos EUA a África ditada pela invasão russa da Ucrânia. Quanto às ligações com a China solidificaram-se a partir do final década de 90, através de empréstimos e investimentos – período temporal em que a UE e os EUA se afastaram –, culminando numa dívida a instituições financeiras daquele país que rondam atualmente os 17 mil milhões de dólares (15,6 milhões de euros ao câmbio atual).

 

A visita oficial de João Lourenço à China, realizada entre 15 e 17 de março, saldou-se por um sucesso diplomático. Todavia, como não há bela sem senão, começam a surgir grãos na engrenagem da relação entre Angola e os EUA, que até agora parecia correr sobre rodas.

 

Estes problemas, sabe o Negócios, manifestam-se em dois investimentos estruturantes do ponto de vista da economia angolana. O primeiro é o Corredor do Lobito. Neste caso, a International Development Finance Corporation (DFC), agência norte-americana que deveria financiar o projeto em 250 milhões de dólares, quer alterar os termos deste empréstimo. A DFC pretende converter o financiamento numa participação e ir saindo conforme for pago. Esta pretensão contradiz o contrato de concessão já assinado e poderá perturbar o calendário de execução da empreitada.

 

Outro financiamento norte-americano que ainda não foi efetivado, este a cargo do Exim Bank – agência oficial de crédito à exportação dos EUA –, é o destinado à construção de duas centrais de energia fotovoltaica em Angola, na província de Malanje e no Ícolo-bengo, província de Luanda, um investimento na ordem de 900 milhões de dólares (827 milhões de euros). Neste particular, o “compliance” do Exim Bank exige que o Governo angolano não lide com países, empresas ou pessoas sancionadas por Washington, critério difícil de satisfazer, atendendo a que Luanda se relaciona com estados como o russo e o cubano.

Alívio na dívida e mais investimento chinês

As questões levantadas pelos Estados Unidos são um sinal das dificuldades em transformar um namoro diplomático numa relação estável e mostram que João Lourenço adota uma estratégia prudente ao querer manter uma via privilegiada com Pequim. Ao contrário da China, cujo rumo da política internacional é previsível, os EUA são caracterizados por uma volatilidade que é inimiga do longo prazo.

Nesta medida, a visita de João Lourenço à China foi bem-sucedida. O Presidente angolano conseguiu, nas suas próprias palavras, “medidas de alívio da dívida que não prejudicam os interesses de nenhuma das partes” e desafiou as autoridades chinesas a financiarem a construção de uma grande base aérea militar para a Força Aérea Nacional de Angola, pela empresa chinesa AVIC, que construiu o Aeroporto Internacional António Agostinho Neto, em Luanda, assim como a construção do metro de superfície de Luanda.

Além disso, manifestou o seu desejo “de ver empresários chineses como acionistas na refinaria do Lobito em fase de construção, assim como a aquisição de interesses participativos em blocos petrolíferos onde temos disponibilidade tanto em ‘offshore’ como em ‘onshore’”.

Segundo João Lourenço, Angola pretende alterar as bases das contrapartidas que têm vigorado no relacionamento bilateral, atraindo mais investimento privado e público da China, “desde que seja sem o petróleo a servir como colateral”, como foi prática nas últimas décadas.

Desta visita de Lourenço a Pequim, sobressai a perceção de que a China pretende manter uma relação forte com Angola, apesar da concorrência crescente do Ocidente. O líder chinês, XI Jinping, oferece estabilidade e discrição, dois predicados que não são suscetíveis de serem garantidos por países onde existe pluralidade política e o escrutínio público é constante.

O Presidente angolano “tem dois amores” e sabe que ambos são importantes para a estabilidade do país. A chave para o êxito reside em conseguir mantê-los do seu lado.