Brasil - DEPOIS DE RECONHECER oficialmente o bispo angolano Valente Bizerra Luís como líder local da Igreja Universal do Reino de Deus – impondo uma dura derrota para Edir Macedo – o governo de Angola voltou atrás. Em decisão assinada no dia 28 de março de 2024, Angola deu o aval para que o comando da igreja voltasse para a ala de Macedo, representada pelo bispo brasileiro Alberto Segunda.

Fonte: Intercept.com.br

Os bispos angolanos se rebelaram contra o grupo brasileiro e assumiram o comando da igreja no país em junho de 2020, em um movimento que ficou conhecido como Reforma. Em 2022, o governo angolano reconheceu o grupo como liderança na igreja, derrubando o grupo de Macedo. Agora, o jogo virou.

Em uma declaração, obtida pelo Intercept Brasil, o Instituto Nacional para os Assuntos Religiosos, o Inar, órgão ligado ao Ministério da Cultura e Turismo de Angola, reconheceu que a Igreja Universal – que lá passará a ter o nome Igreja do Reino de Deus em Angola –, é uma confissão religiosa com personalidade jurídica e que seu representante legal é o bispo Alberto Segunda.

O Inar, criado em 2006, é um órgão ligado ao Ministério da Cultura de Angola responsável por catalogar as instituições e gerir as políticas do país sobre questões ligadas à religião. Em 2018, o país africano também aprovou um decreto para regularizar cerca de 1,2 mil igrejas que atuavam sem qualquer registro no país. Um dos objetivos era conter a proliferação de seitas, acusadas de explorar a população.

O porta-voz do movimento Reforma, bispo Felner Batalha, considerou a nova decisão “estranha, anormal e fora dos parâmetros legais”. Disse ter enxergado na nova resolução do governo “a mão invisível do bispo Edir Macedo”.

“Aconteceram coisas fora do normal. Houve violação grave dos estatutos da igreja, violação grave daquilo que o tribunal supremo [equivalente ao Superior Tribunal Federal], em um acordo proposto, não havia decretado. Houve violação de uma sentença do tribunal da primeira instância, que transitou em julgado”, disse o angolano ao Intercept.


O movimento da Reforma recorreu oficialmente da nova decisão por meio de uma carta de reclamação e protesto ao ministro da Cultura de Angola, Filipe Pina Zau, responsável pelo Inar. Também pediu uma audiência com o ministro. Como não houve resposta, os líderes da Reforma apelaram ainda ao presidente de Angola, João Lourenço.

Para o bispo Batalha, como os líderes da Reforma apresentaram o recurso, previsto em lei, essa nova decisão estaria suspensa. “A decisão não pode vigorar, enquanto o presidente não responder ao nosso pedido. Também há um pedido semelhante no Judiciário”, argumentou. “Nas próximas semanas, terão de dar uma resposta”.

Na carta encaminhada ao ministro da Cultura, o bispo Valente Luís informou que a ala da Universal liderada por ele irá às ruas em manifestações.

“Face a esta situação a direção da IURD-Angola informa que está a tomar todas as medidas necessárias para um amplo movimento contestatório contra a corrupção nas instituições públicas, que contará com a realização de ações, vigílias, marchas etc”, diz a carta.

Integrantes da ala brasileira foram expulsos após denúncias de racismo e corrupção

A nova decisão causou surpresa porque o governo angolano parecia agir de maneira dura e incisiva com a ala brasileira da Universal.

Os líderes brasileiros da Igreja Universal foram denunciados por religiosos angolanos, a partir de 2020, por crimes como evasão de divisas, lavagem de dinheiro, associação criminosa, expatriação ilícita de capital, racismo, discriminação, abuso de autoridade e imposição da prática de vasectomia aos pastores. A Procuradoria Geral da República de Angola passou então a investigar essas acusações.

Após as denúncias, missionários brasileiros da Universal que estavam no país e tinham os seus vistos vencidos foram mandados de volta, enchendo aviões.

A Procuradoria Geral da República de Angola denunciou à Justiça quatro lideranças da Igreja Universal pelos crimes de lavagem de dinheiro, associação criminosa e imposição da prática de vasectomia.

Destes, dois são brasileiros: o bispo Honorilton Gonçalves, ex-vice-presidente da TV Record no Brasil e então líder espiritual da Igreja Universal em Angola, e Fernando Henriques Teixeira, pastor e executivo da TV Record África. Os outros dois são os angolanos Antonio Miguel Ferraz, bispo, e Belo Kifua Miguel, que é pastor.

Em março de 2022, Teixeira e os dois angolanos foram absolvidos. Honorilton Gonçalves foi condenado a três anos de prisão, mas apenas pelas acusações de violência doméstica e imposição de vasectomia a pastores. A pena de Gonçalves foi suspensa por dois anos logo após a sentença do juiz Tutri Antônio, presidente da 4ª Secção dos Crimes Comuns de Angola, devido a um recurso apresentado pelos advogados do bispo.

O governo de Angola havia reconhecido a liderança dos religiosos do país à frente da Igreja Universal já em dezembro de 2020, quando referendou o resultado da assembleia geral da instituição, em 24 de junho daquele ano. Depois, ratificou em documento oficial em 27 de maio de 2022.

Em visita ao Brasil, em julho de 2021, o então ministro da Cultura de Angola, Jomo Francisco Fortunato, me disse que o conflito havia sido “resolvido com a igreja e os pastores angolanos”. Posteriormente, o Inar publicou a declaração oficial reafirmando a decisão.

Decisão ‘atiça o confronto’, diz bispo Valente

Nos últimos meses, a disputa entre as duas alas da igreja pelo comando de seus templos se acirrou. Os líderes do grupo Reforma já haviam se mobilizado por causa de um decreto, publicado em 16 de março, que alterou o nome e os símbolos da Igreja Universal local “sem que a direção da igreja fosse contatada”, segundo o grupo. O novo nome oficializado é Igreja do Reino de Deus em Angola.

A mudança fez o grupo enviar a carta de reclamação e protesto ao ministro da Cultura. “Não se compreende qual a motivação que teria levado na base do decreto executivo que sua excelência o senhor ministro fez sair sem no mínimo ouvir a direção da Igreja, pondo em causa a seriedade e o papel das entidades do Estado angolano que, ao invés de promover a paz social, vai instigando a confrontação entre irmãos e cujas consequências são imprevisíveis”, diz a carta do bispo Luís ao ministro.

Após o decreto, os letreiros à frente dos templos foram retirados. Valente Luís disse na carta que a medida demonstra “um ato de má fé e um total desrespeito aos membros do clero e ao povo da Igreja, constituído por mais de 400 mil fiéis, sendo um ato provocatório, com o objetivo de confundir os fiéis e instaurar a confusão, atiçando o conflito entre irmãos”.


Em 14 de abril, a catedral do bairro do Maculusso, em Luanda, que estava interditada pelo governo, foi reaberta pela ala brasileira. A reabertura gerou tumultos e atritos entre religiosos dos dois grupos – 30 pastores, obreiros e fiéis da ala angolana chegaram a ser detidos pela polícia, mas liberados logo em seguida.

A Universal possui hoje em Angola 89 templos na capital Luanda, e outros 72 em suas 18 províncias, entre os imóveis próprios e alugados. Mais de 90% deles estão sob o comando do grupo da Reforma, segundo Batalha. A ala de Alberto Segunda, porém, controla agora as catedrais do Maculusso, do Alvalade, na capital; de Talatona, cidade da província de Luanda; e um grande templo na província de Benguela.

Governo propôs conciliação, mas não houve acordo

Segundo o bispo Batalha, o governo angolano propôs uma conciliação entre as duas partes em maio do ano passado, logo após uma assembleia geral da igreja que reconduziu Valente Luís ao cargo.

Ambas, inicialmente, haviam concordado com a proposta. A nova denominação seria a Igreja do Reino de Deus em Angola, porém não houve acordo sobre os detalhes e a conciliação não se cumpriu. Batalha afirma que o grupo da Reforma enviou uma carta à Casa Civil para explicar falhas e “violações sucessivas” a esse acordo. “Informamos o presidente da República e fomos surpreendidos agora”, disse.

O grupo liderado pelo bispo Alberto Segunda, fiel a Edir Macedo, também realizou sua assembleia – mas, para Batalha Segunda não tem legitimidade para representar a Universal em Angola.

“Não tem legitimidade nem legalidade para representar a IURD-Angola. Então, são atos ilegais. É sobre essas ilegalidades que estamos a impugnar, como a tal reunião que chamam de assembleia”, avaliou.

Procuradas, a Igreja Universal do Brasil e a de Igreja do Reino de Deus em Angola não se manifestaram.