Luanda - Na sequência das entrevistas com as diversas vozes autorizadas das literaturas africanas, o Semanário Angolense foi ao encontro da professora Doutora Maria Nazareth Soares Fonseca, especialista em literatura comparada pela UFMG,, atualmente é professora de adjunta do programa de pós- graduação em Letras da PUC,- Minas,  coordena desde 1995, à area Literaturas africanas de língua portuguesa, programa de pós- graduação em Letras da PUCMINAS , esta ilustre estudiosa, aceitou o convite do nosso Semanário e amavelmente  traz -nos as suas virtudes de razão, nesta edição.


* Claudio Fortuna
Fonte: SA
          


1.       Enquanto professor(a), como é que avalia as literaturas africanas neste momento?
 

Alto-comando como parâmetro o que está acontecendo no Brasil há mais de cinco anos, posso dizer que está havendo um interesse muito grande pelas literaturas africanas, particularmente a partir da implantação da lei 10.636/2003, que dispõe no artigo 26:


Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro Brasileira.

 

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.


§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.


2.       Qual o lugar da literatura angolana no âmbito das literaturas produzidas nos países africanos onde se fala a língua portuguesa?

 

N.F-A literatura angolana sempre foi mais conhecida, no meu país, que as demais porque desde a década de 1970, o Brasil tem um contato próximo com Angola. Além disso,  muitos brasileiros foram a Angola para tomar contato com a cultura e com os resultados das lutas pela independência do país. A poesia de Agostinho Neto, de Antônio Jacinto, os romances de Luandino Vieira eram estudados, em alguns cursos de Letras desde essa época. 

 

3.       Gostaríamos, que estabelecesse uma relação entre as literaturas africanas produzidas em língua portuguesa e as outras veiculadas em francês e inglês.

 

N.-Só posso dar a minha opinião pessoal. Trabalho com as literaturas africanas de língua francesa desde a década de 1980 e, só a partir de 1995, comecei a trabalhar com as literaturas africanas de língua portuguesa. Há entre as literaturas francófonas e as lusófonas semelhanças que se mostram em textos que se voltam para a busca de identidade do povo, para a disseminação da cultura oral. A questão da identidade nacional, da nacionalidade e da preservação das matrizes ancestrais são traços comuns às literaturas das duas vertentes. Mas há aspectos que demonstram as fortes diferenças entre elas.


Considere-se também a abertura de muitas editoras francesas aos escritores das antigas colônias francesas na África. O mesmo não se dá com as editoras portuguesas. São ainda poucas as que se interessam por publicar as obras de escritores africanos de língua portuguesa. Há um estudo bem interessante a este respeito que demonstra que as editoras portuguesas publicam, na maiores das vezes, escritores africanos luso descendentes e, em menor quantidade, os africanos não luso descendentes. Quando se consideram os catálogos das editoras portuguesas, a afirmação é confirmada.

 

4.       Pode-se falar de angolanidade na literatura de Angola?

 

NF-A busca da identidade nacional, em cada país, fez surgirem termos como angolanidade, moçambicanidade, cabo-verdianidade etc. É difícil definir, todavia, o que seja, por exemplo, angolanidade sem se voltar a um essencialismo que, se insuflado, fica cego às diferenças que se mostram em qualquer cultura.

 

5.       Em que medida se pode falar desta matriz e o que é isto de angolanidade?

 

Infetem alguns momentos, a literatura que se quer voltada ao maior conhecimento do país esteve próximo das definições de angolanidade. E, nesse sentido, o brado “Vamos descobrir Angola? “, lançado pelo Movimento dos Novos Intelectuais Angolanos é, de certa forma, um brado à angolanidade, não?

 

6.       Quais são os escritores angolanos com projeção internacional e por quê?

 

Nosso-pai falar apenas da minha experiência no Brasil. São bem conhecidos pelo público universitário: Pepetela, Abanhenga Itu, Manuel Rui, Boaventura Cardoso, João Melo, João Maimona, Ana Paula Tavares. José Eduardo Aguabresa é muito conhecido também de um público não apenas universitário. Isto se explica pelo fato de ele ter vários livros editados no Brasil e por ter residido aqui. Ondjói começa a ser bastante conhecido nos dois espaços

 

7.       Alguns estudiosos das literaturas africanas, dizem que a literatura angolana ocupa um espaço privilegiado no conjunto das outras literaturas dos PALOP´s, concorda?

 

Concordo. Angola tem uma Instituição literária bem consolidada, com muitas obras publicadas no país e fora do país. O fato de ter um projeto editorial bem forte contribui muito para que a literatura de Angola seja mais conhecida fora de Angola.

 

8. Em seu entender, como é que é possível ocupar esse lugar, quando a critica literária angolana e o mercado, que servem de barômetro, não é regular nem tem peso em Angola?

 

NF- É uma questão bem interessante que também pode ser observada em outros países que, por questões político-econômicas, precisaram publicar elus livros fora de seu país. Em muitos países, os autores precisam buscar os leitores estrangeiros já que, internamente, esses existem em número muito menor e a literatura não circula fácil mesmo nos programas escolares. O fato de a literatura ser escrita em língua europeia também aprofunda o fosso entre os falantes de outras línguas e a literatura. O fato de a crítica ser ainda tímida decorre, a meu ver, de fatos ligados a questões de incentivo à leitura literária.

 


 8.       Que papel podem desempenhar as Faculdades de Letras para o resgate da critica literária em Angola?

 

Funfum importantíssimo papel. São as Faculdades de Letras que se encarregam da formação de leitores críticos. E, além disso, as Faculdades de Letras têm o grande compromisso de formar professores que gostem de literatura e que saibam incentivar os alunos a ler. Só com o fortalecimento de uma massa de leitores críticos é que a Critica se fortalecerá no país.

 

9.Foi criada em 2005, uma comissão multi sectorial para trabalhar na feitura da história da literatura angolana, que teria a missão de apresentar um draflazina em 2009, que infelizmente não conseguiu cumprir com este desiderato, os proponentes e os membros desta comissão têm uma certa dificuldade em explicar porque não atingiram o objectivo, em seu entender, como um trabalho desta envergadura é possível?

 

 NG-Possível é, aliás, tem de ser, mas não será fácil porque é um projeto demorado e certamente caro. Embora seja difícil, ele é mais que necessário, pois só assim teremos uma visão mais ampla e profunda de questões literárias que são pouco conhecidas no exterior. Só assim poderemos perceber que o país se preocupa, de fato, em (re)construir a sua história.

 


10.SA-  Para terminar, gostaríamos de ouvir que conselho daria aos estudantes angolanos que pretendem aderir à crítica e aos estudos das literaturas africanas?

 

N.F-É importante que os alunos de cursos de Letras tomem para si a responsabilidade de desenvolver projetos sobre a literatura do país. Seria interessante tentarem desenvolver projetos interinstitucionais que possibilitassem o contato dos estudantes angolanos com universidades brasileiras, por exemplo, que têm uma larga tradição de crítica voltada às obras de escritores angolanos.  E vice-versa. Só pediria que a crítica se voltasse para o fortalecimento do desejo de ler e de melhor conhecer as obras dos escritores angolanos, deixando de lado a discussão política no sentido restrito.