Brasil - O que é Comunidade? Não é simples definir tal termo. Seu conceito muda com o passar dos tempos. Fazendo uma retrospectiva histórica de tal conceito, pode-se perceber que a princípio todo grupo constituído por pessoas que apresentam laços de cultura, valores afetivos, emotivos, auto-suficientes e com espaço geográfico delimitado era considerado comunidade. Um verdadeiro “círculo aconchegante”. Um lugar onde não existem interesses individualistas e as pessoas incorporam o hábito de compartilhar e de se unir umas as outras. A partir disso, percebe-se a importância de refletir sobre essa idéia de comunidade, pois se tem uma pré-concepção desse conceito que geralmente não é criticado e/ou questionado.
 

* Nutricionista
Fonte: Club-k.net

O termo comunidade continua para muitos remetendo-se sempre a algo bom, concepção esta sempre reafirmada e pouco contestada. Na verdade, a comunidade existe até sem a necessidade da vivência concreta de pessoas que residem próximas umas das outras, ou que se reúnem para discutir assuntos de interesse coletivo e reivindicam juntas por melhores condições de vida. Para Bauman(2003), a partir do período moderno, com a industrialização, a idéia de comunidade começou a ser destruída e posteriormente reformulada. Esse processo de desconstrução se dá com o surgimento de novas tecnologias, que modificou o ambiente social e as relações sociais passaram a ser voltadas para o trabalho e para o capital. E, parafraseando seus escritos, o capitalismo moderno começou a esmagar os indivíduos e formou-se uma constante tensão entre segurança e liberdade, como se estas duas já não pudessem mais “andar juntas”.


Todos temos o dever de tentar buscar uma conciliação entre liberdade e segurança, para deixar de ser ou não chegar a ser uma elite extraterritorial, inserida na geração de bem sucedidos que não confiam na comunidade e fogem dela, pois são limitadas pelo trabalho.


Nesta conjuntura contemporânea, existem diversas formas de comunidade. Comunidades privadas, que implicam em agrupamentos de pessoas com interesses comuns que convivem delimitadas por um espaço físico. Existem também comunidades disseminadas pelo mundo, mais que também apresentam os mesmos ideais, embora não unidas em limites físicos. Existem comunidades formadas nas escolas, nos bairros, nas empresas. Comunidades de políticos, comunidades de pessoas fãs de algum astro da televisão, comunidades de pessoas que lêem diariamente noticias de determinado jornal, etc. Afinal somos comunidade e estamos inseridos ao mesmo tempo dentro de inúmeras delas.


Existe também outro tipo de comunidade marcadamente atual: as comunidades estéticas, caracterizadas por laços de natureza passageira, criadas em torno de assuntos superficiais. Nesse tipo de comunidade os vínculos são pouco duradouros, como por exemplo, uma comunidade de pessoas que desejam discutir sobre algum interesse comum e após alcançarem seus objetivos, tais comunidades são extintas.
 

Dando continuidade, é importante demonstrar ainda que a dura realidade bem vista em todo mundo aponta para outros tipos de comunidade, como comunidade de miseráveis, comunidade dos que formam indústria de caridade, comunidades de oprimidos, e de opressores. Deve-se perceber esses diversos tipos de comunidade para que, reafirmando, seja extraída a única idéia de “paraíso” a que o conceito sempre remete. Será que as pessoas percebem todas essas formas de comunidade? Será que existe uma maneira de acabar com comunidades formadas de opressores e oprimidos? Para responder a estas perguntas me atrevo a recorrer as palavras de Paulo Freire: “Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade de libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mais pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela”.


Assim, percebe-se que em meio a essa sociedade de indiferença, em meio à insegurança que habita no nosso contexto social, existe a necessidade de se fazer parte de uma sociedade em que as pessoas desenvolvam valores que justifiquem a idéia de comunidade, na busca pela conciliação constante da liberdade e segurança. Sim, conciliar liberdade e segurança, pois infelizmente as pessoas estão isolando-se em seus novos abrigos, formando comunidades de pessoas que buscam uma constante segurança e preferem ficar isoladas porque querem ou porque verdadeiramente não podem sair. Muitos preferem abdicar de uma segurança coletiva em troca de uma liberdade individual.


Essa dura realidade é bem vista em diversos países, que expõem outras  questões como abuso de poder, desvalorização do ser humano, discriminação, desrespeito, luta constante por direitos igualitários, visto as grandes indiferenças que assolam a vida de milhões de pessoas, dentre outras tantas faces que perduram desde muito tempo atrás. E o que isso tem haver com o conceito de comunidade que é discutido aqui?  Para que essa realidade seja transformada para melhor, é necessário que cada indivíduo se “autotransforme”. Cabe a ele mudar, na medida em que reconhece, entende, reflete e age diante de uma relação existente entre opressores e oprimidos. É a busca pela humanização que vai contra uma educação bancária verticalizada, que torna o homem um “ser vazio”, apenas “depósito de conhecimentos”.

 
Outro ponto importante e indispensável quando falamos em comunidade é o elemento comunicação. A comunidade se comunica. E esse elemento existe dentro de qualquer que seja o tipo ou a forma de organização das comunidades, pois ele (o elemento comunicação), existe de forma tão profunda, que sua ausência implicaria também na ausência da comunidade, pois a comunicação é a relação das pessoas, dos serviços, das instituições que integram a comunidade.

 
Viver em comunidade não implica necessariamente na perda da liberdade. O ideal seria que todos fizessem sua prática diária baseada numa lógica humanizada, dialógica e reflexiva, seja no trabalho, seja na família. Seja em qualquer relação social. Com respeito ao diálogo e  ao conhecimento das pessoas, e que todos estejam sempre abertos para novos aprendizados e constantes desafios.