Luanda - A segunda conferência sobre o balanço trimestral do executivo apresentada em Luanda na Cidade Alta a 3 de Setembro do ano em curso permite reconhecer a demonstração de uma rara coerência do Governo em manter as conferências de imprensa com o fito de apresentar balanços periódicos do seu desempenho.


Fonte: Jukulomesso

 

Representa simultaneamente um gesto cívico-didáctico ao possibilitar o exercício de avaliação periódica dos programas executivos pelos eleitores e um gesto de responsabilidade política ao desencadear a recuperação da confiança dos cidadãos pelas melhores práticas políticas.


 É igualmente uma oportunidade para os partidos políticos monitorizarem os programas e os balanços correspondentes apresentando contrapropostas tecnicamente organizadas e politicamente credíveis que motivem os angolanos a fazer fé na prática responsável do exercício político.

 

Tendo sido apresentado na primeira aparição dos delegados do executivo uma perspectiva programática, em matéria de projectos e investimentos sociais e económicos para o médio e longo prazo, afigura-se prematuro qualquer balanço a este propósito já que nem metade dos projectos anunciados saiu das intenções sobretudo devido, em parte, a crise financeira que se abateu contra o Estado angolano. Contudo, prestou para o preenchimento de certas “lacunas” deixadas na primeira intervenção, nomeadamente a perspectiva programática da dimensão social, i.é, da política social que se bastou, na primeira conferência, a simples informação sobre o aumento insignificativo do salário na função pública, dando então provas da falta de interesse do Governo pela dimensão social do programa executivo. Desta vez, o executivo teve a coragem de acrescer alguns “itens” no pacote social e percebeu-se que a preocupação fundamental foi a regulação do sector da saúde, com a nova política nacional de saúde; política nacional farmacêutica e de gestão hospitalar com as quais o executivo pretende organizar o sector para além de estabilizar as correspondentes quotas financeiras a partir do OGE.

 


Para o sector da educação é de nota a necessidade de resolver o problema de fundos de maneios para as muitas escolas e universidades que foram criadas e institucionalizadas sem qualquer visão imediata nos meios materiais e financeiros para a administração das mesmas. Cabinda e Luanda foram apontadas como as províncias a beneficiar de medidas especiais no que toca ao reforço da capacidade técnica dos governos provinciais e das administrações municipais. Para Luanda foram anunciadas medidas excepcionais com vista a dotar de capacidade técnica capaz de permitir o controlo dos problemas causados pelas chuvas e outras calamidades naturais. Aqui fica clara a projecção de rede de esgotos e outras infra-estruturas técnicas com vista a tornar estável o saneamento básico.

 


O executivo faz-nos mesmos sonhar com o fim das lamas pestilentas com consistência de alcatrão que inunda os bairros da cidade de Luanda em época de chuvas. O acento máximo da política social é colocado no programa de construção de moradias sociais para servir as populações a transferir de zonas alvos de requalificação urbana e de construção de infra-estruturas técnicas bem como daquelas populações vítimas de calamidades naturais. Programa estipulado para o fim de 2010, 2011 e 2012. Não há dúvidas que há muito se esperou tamanha novidade. Pois, não estava clara a política habitacional perspectivada com um milhão de casas que feitas as contas seriam todas vendidas aos cidadãos, maior parte delas incapazes de as adquirir, mesmo com preços-tipo-oferta. Não estava evidente a possibilidade das enunciadas centralidades de Cacuaco, Zango e Kilamba Kiaxi totalizando centenas de milhares de moradias servirem populações dos municípios do Sambizanga, Cazenga, Kilamba Kiaxi, Samba, etc. Tudo, se mostrava mais claro quando se pensasse que tais populações acabariam “despedidas” para fora de Luanda batendo-se por espaços para construções anárquicas nas fronteiras entre as províncias do Bengo e Kwanza Norte ou Kwanza Sul. É um fantasma que se apaga com o, agora, anunciado programa de transferência de tais populações para moradia sociais gratuitas, de Luanda e de outras cidades. É sem dúvidas um elemento de grande dimensão social embora não se tenha falado em mais nada com importância aproximada.

 

 

No domínio económico a novidade mais animadora é a recuperação ou retoma do sector mineiro, sobretudo o diamantífero em que dados estatísticos a provar, levam-nos prima facie a verificar um esforço aceitável no relançamento desta importante actividade económica. A necessidade de protecção da economia nacional é uma medida interessante já que se apresenta urgente proteger a crescente produção agrária nacional que apodrece por falta de escoamento ou falta de compra contra alimentos naturais importados sem quaisquer justificações qualitativas ou quantitativas. Se a diversificação da economia se assiste com o crescimento dos sectores da agricultura, construção civil e energia, as medidas proteccionistas podem ser doseadas na proporção do aumento qualitativo e quantitativo dos mesmos. A polémica nasce com o pedido de moratória para a integração comercial de Angola na SADC. Pretende-se aplicar o Protocolo Comercial tão logo a economia nacional atinja níveis de estabilidade aceitáveis para competir com as economias vizinhas (Zâmbia, Zimbabwe, Congo, Namíbia, Botswana, etc.). Não concordamos.

 

 

O protocolo comercial pode ser aplicado parcialmente e nisso caminharmos paulatinamente. Afinal, é nos favorável uma série de vantagens comerciais como sejam a importação de matérias-primas da região sem custos aduaneiros e outras mercadorias em que Angola não precisa recear qualquer concorrência. Queremos crer, que as razões que levaram ao pedido da moratória para aplicação do protocolo comercial da SADC sãos as mesmas utilizadas para atrasar a entrada em vigor da nova Legislação Fiscal e as mesmas que levaram a introdução dos enunciados “custos do contexto” (burocracia excessiva, dificuldades migratórias, etc) que têm impedido ou dificultado a entrada de investidores estrangeiros no mercado angolano. As razões afunilam-se na necessidade de “estruturar” uma burguesia forte que seja senhor de todas as infra-estruturas e equipamentos sociais e económicos susceptíveis de transferência ao domínio privado. É uma visão interessante, embora politicamente incorrecta. Contudo, até a burguesia aparecer lá foram bons preciosos anos que permitiriam um desenvolvimento acelerado com a entrada frenética de capitais estrangeiros e com a circulação de mercadorias essenciais na região com suporte de uma política fiscal moderna e adaptada aos desafios da economia de mercado que se pretende. Com uma dívida pública a rondar os 38.7% do PIB (estimada em 30 biliões de dólares norte americanos), mesmo quando valor estimado do PIB ronde os 100 biliões de dólares americanos, não faz sentido suspender a entrada de capitais estrangeiros que até elevariam o PIB e com ela a capacidade de pagamento do Estado num serviço de dívidas cada vez menos onerosa para a economia. Se o sector agrícola cresce, é urgente o nascimento de uma indústria transformadora da produção agrária. Esta depende em grande medida de Know-how e tecnologia que em geral é trazida pelo investimento estrangeiro. Se não, com as portas fechadas para a SADC, começaremos a verificar perdas abundantes de produção que levarão ao desencorajamento os empresários deste sector. Como, aliás, já se tem verificado em escala assustadora. Ou seja, a falta de investimento estrangeiro pode ser um indesejável freio para o crescimento e diversificação da economia nacional.

 


 Se a ANIP (Agência de Investimento Privado) foi instruída para desburocratizar o processo de transferência de capitais e tecnologias bem como a constituição das respectivas empresas é bom que sejam consideradas as parcerias público-privadas neste processo. Não faz sentido, pretender-se acelerar a constituição de empresas num Guiché Único da Empresa (GUE) quando outros actos necessários a legalização e funcionamento da empresa continuam encravados na burocracia inutilizando a celeridade pretendida. Atente-se para esta situação frequente na nossa realidade: a legalização de uma empresa no GUE leva um único dia, porém os alvarás e as licenças das actividades económicas levam semanas porque são tratados fora deste contexto ou ainda a documentação dos empresários necessária para dar entrada no GUE levam semanas a organizar. Para além de que a Publicação no diário da República de pactos sociais de empresas constituídas com urgência levam tempo a acontecer. Ou seja, o processo de legalização de empresas compreende uma fase inicial demorada, uma fase intermédia acelerada e uma fase final demorada. Conclusão: o investidor continua preso a uma burocracia excessiva. Ora, o licenciamento de firmas de consultorias especializadas em organização de empresas levaria certamente a “desfazer” o excesso de burocracias para além de ajudar a estender os serviços para as diversas províncias reduzindo os esforços do Estado em reduzir a burocracia neste sentido: uma parceria público-privada muito válida, se explorada com eficiência e eficácia, é necessária para a própria reestruturação da ANIP e para que Angola seja um verdadeiro amigo do investimento.

 


A regularização imobiliária para a facilidade de crédito é das medidas mais credíveis para impulsionar a relação entre o cidadão e os bancos para fins de crédito. Aqui o executivo anima as mentes mais optimistas quanto a uma verdadeira reforma neste sentido. Há muito estava claro que a falta de titularidade da propriedade imobiliária era o principal factor de constrangimento e inibição da economia privada. As reformas legislativas com o fim de reduzir determinados documentos necessários a regularização imobiliária devem ser acompanhadas com a conclusão dos planos urbanos directores nacionais e locais. Não faz sentido facilitar a legalização de imóveis cuja definição espacio-territorial é duvidosa e como tal provisória. Legalizar fazendas agropecuárias achadas em futuros centros urbanos representam engajamentos financeiros desnecessários e evitáveis. A linha de crédito para agricultura orçada em 350 milhões de dólares norte americanos disponíveis pode ter juros bonificados na ordem dos 5% e ser financiado pelo Estado com 80% e pela banca comercial com 20%. Porém, a falta de regularização fundiária é neste momento o único obstáculo que torna este crédito apenas visível pelos binóculos de agricultores industriosos que dele carecem. Se resolvida esta questão todos os outros problemas desaparecem como sejam a falta de acesso e de infra-estruturas. Destes a engenhosidade e a audácia dos empreendedores se encarregam.

 

Não é completamente certo que o aumento (ou melhor a fixação real) do preço dos combustíveis tenha efeitos episódicos no que toca ao aumento generalizado dos preços por não se esperar a sua duração prolongada. O aumento da taxa de inflação, que actualmente ronda os 13%, pode acontecer por diversas razões, muitas delas atreladas a razões de falta de coerência na utilização e aplicação dos instrumentos e medidas macroeconómicas. Se a economia cresce é pela sua perigosa dependência do sector petrolífero. A taxa de desemprego não é aceitável, os níveis salariais menos motivadores e a política cambial pouco clara.

 


São factores claros de estrangulamento que levam a economia a configuração de uma bomba-relógio para efeitos do aumento da taxa de inflação. Não é portanto, segura a ideia de que o aumento da taxa de inflação é descartável. Mas, a intenção de reduzir os subsídios do Estado para desencadear a política de redistribuição de rendimentos é uma medida próxima de ser certa. É mais benéfico ao funcionário público a possibilidade de transferir o filho de um colégio caro para uma escola pública gratuita com mesmo nível de condições de ensino do que ter o salário aumentado com as custas do colégio a onerá-lo.


A política de redistribuição de rendimentos tem a vantagem de aliviar a carga de despesas que incidem sobre os rendimentos. Até porque, por mais aumento salarial que se registe no contexto económico actual, os rendimentos serão incapazes de ajustar-se ao nível de vida desejável. Nada melhor do que apostar em programas sociais que melhorem os sectores da saúde, da educação e da protecção social dos cidadãos vulneráveis. Contudo, os salários actuais podem ser ajustados simultaneamente a aplicação das medidas redistributivas do rendimento nacional. Aliás, há muito é desejável a redução ao mínimo possível dos subsídios.

 


 Os cidadãos devem passar a pagar os custos reais dos bens e serviços públicos e serviços prestados pelo Estado e pelas suas empresas, ao mesmo tempo que os rendimentos devem ser ajustados e as iniciativas informais integradas na economia formal, para que se verifique uma melhoria generalizada na oferta de bens e serviços da economia e os seus destinatários sejam capazes de racionalizar a utilização e o consumo dos mesmos. Economias centralistas do Estado suportadas por regimes totalitaristas, utilizam a política de subsídios para gerar o efeito anestésico aos cidadãos que assim perdem a capacidade de reivindicar pela melhoria dos serviços e de estabelecer uma utilização racional dos bens e serviços. É preciso motivar o empreendedorismo pelo uso racional dos recursos disponíveis e sua rentabilização quando necessária.

 


A contínua adaptação do Estado a nova Lei Constitucional sobretudo no que toca a nova Administração Pública, passa não só pela formação de altos funcionários do Estado, como pela coragem dos “congelados” membros dos comités de especialidades e outros organismos sociais afins, incluindo os partidos políticos, que se apresentam como sombra de si mesmos em debater e propalar assuntos jurídicos atinentes junto das populações desatentas para que a harmonia entre os governantes e os governados seja progressiva. De todo o modo, ficou por se apresentar o balanço do estado do programa de combate a pobreza e a corrupção, do programa das um milhão de casas, do programa água para todos, da situação da tão ansiada política fiscal e de outros projectos há muito anunciados e que amarelecem nas prateleiras do esquecimento. Espera-se que não se verifique qualquer descontinuidade entre as últimas promessas eleitorais e os programas executivos sujeitos a balanços periódicos.