Prezados companheiros

 

Saúdo militantemente as centenas de companheiros aqui presentes, vindos de todas as províncias do país, para a III reunião ordinária da Comissão Política, que é o órgão máximo da UNITA, no intervalo dos Congressos. Sejam todos bem-vindos.

 

Os últimos meses registaram alterações profunda na relação entre o titular do poder, o povo e os detentores do poder, os governantes, ou seja, entre a sossociedade e o aparelho do poder. Estas alterações ocorrem de forma agressiva tanto na relação estrutural do poder como nas práticas que legitimam a autoridade pública. Foram agredidos a democracia, a soberania popular, o estado de direito e liberdades fundamentais dos Angolanos mas os próprios Angolanos. Os agressores são também cidadãos Angolanos mas investidos de poderes públicos.

 

Somos chamados a analisar a gravidade desta situação para definirmos as melhores formas de, nos termos da Constituição e da Lei, defender os angolanos contra estas agressões. Daí o lema desta reunião: UNITA – firme na defesa dos angolanos!

 

Primeiro, importa fazer o enquadramento político- jurídico das agressões. A agressão á democracia e ao Estado de Direito consumou-se com o golpe de estado constitucional, em Janeiro último. Ao aprovar e promulgar a Constituição de 2010, a Assembleia Nacional e o Presidente da República, nas vestes do poder Constituinte formal, - com o auxílio do tribunal Constitucional --- desviaram – se da ideia de Direito e de regime definido por transacção política, pelo poder constituinte material, em 1991/2, estabelecendo em Angola um regime autoritário no lugar de um regime democrático.

 

Os resultados desta agressão estão à vista: O Estado não respeita a constituição; a comunicação social do Estado opera abertamente como maior inimigo da democracia; no lugar do multipartidarismo, consagrou – se o sistema de partido dominante.

 

Logo, não pode haver competição política igual. O MPLA que detém o controlo da comunicação social, da economia e do estado, promove o clientelismo e a autocracia, e não permite de facto, que cidadãos ou grupos prosperem economicamente fora do seu controlo. Além disso, tem o poder de causar represálias e de cortar impunemente as liberdades, tanto a liberdade política como económica. Não lhes escapa, de igual modo, o absoluto controlo do sistema judicial. Este ambiente, instala nos cidadãos o medo.

 

Medo de desagradar ao MPLA, o medo de não poder subsistir economicamente, medo de ser diferente. É contra tudo isso que os angolanos precisam de ser protegidos.

 

As agressões aos direitos e a liberdades fundamentais dos angolanos adquiriram novas dimensões. O regime passou a utilizar órgãos do Estado e titulares de cargos públicos para planear, ordenar ou executar crimes contra a integridade física de cidadãos, crimes contra a liberdade pessoal, crimes contra a propriedade e sequestro de cidadãos nas províncias do Huambo e Bíé, onde cidadãos foram vítimas de violência estatal ou de medidas contrárias aos princípios fundamentais do Estado de Direito Angolano e puníveis pelo código penal. São contra estas agressões aos direitos e liberdades fundamentais, que os angolanos precisam de ser defendidos e protegidos.

 

As agressões aos direitos de propriedade e ao Estado de Direito têm também uma vertente económica. Se no passado Angola era sinónimo de guerra, hoje Angola passou a ser sinónimo de corrupção. Na sua definição corrente, agregamos na palavra corrupção um conjunto de comportamentos ilícitos, que afectam o público e o privado e que incluem extorsão, fraude, nepotismo, o dinheiro sujo, o roubado, comissões, falsificação de registos, o tráfico de influência, lavagem de dinheiro e as contribuições ilícitas das campanhas eleitorais.

 

Não precisamos de falar muito sobre este campo. Já é bastante falado. Está na internet. Quem visitar o site do Center for Public Integrity, (Centro de Integridade Pública) www.publicintegrity.org, encontrará um relatório perturbador sobre a forma como a elite no poder tem roubado do povo e transferido centenas de milhões de dólares para a Europa, com montantes, nomes e métodos, incluindo o de hipotecar futuros fornecimentos de petróleo com fundos depositados em contas bancárias que eventualmente desaparecem.

 

O conluio entre as elites angolanas e internacionais fez de Angola um exportador líquido de capitais por dezenas de anos, ou seja, sai de Angola muito mais dinheiro ilegalmente do que entra legalmente. Estima – se que a fuga de capitais no período 1985 – 2004 corresponda a 216 por cento do PIB registado, o que constitui um dos piores casos de hemorragia financeira da África. A fuga de capitais ocorre devido a três factores: adulteração de facturas comerciais, subornos e transferências directas. Hoje, os seus activos externos de Angola (montante da fuga de capitais) excedem os passivos externos (dívida externa). O problema é que grande parte dos activos está em mãos privadas, enquanto os passivos pertencem a todos angolanos. É contra esta política perniciosa atentatória do interesse nacional, que os angolanos precisam de ser defendidos.

 


Nessa defesa, a Center Public Integrity e a Global Witness actuam como aliados dos patriotas angolanos, assim como os jornalistas independentes que investigam e apresentam relatórios públicos sobre estes crimes contra os direitos de propriedade dos angolanos e contra o Estado de Direito mas, nas circunstâncias de Angola, são equiparados a autores de crime de traição à Pátria.

 

Não defendemos, naturalmente, fazer caça às bruxas. Pelo contrário, defendemos que o Chefe de Estado assuma que, parte desta fuga de capitais, enquadra – se numa política de Estado que visa a formação de uma elite capitalista nacional de quem se espera que faça investimentos em Angola para criar empregos e mais riqueza em Angola e para os angolanos. Se assim foi, que se informe a Nação com transparência e dignidade para que, com igual transparência e dignidade, possam ser amnistiado tais crimes passados e instituída depois uma verdadeira tolerância zero, a todos os níveis.

 

Prezados Companheiros

 

A agressão aos direitos e liberdades dos angolanos, à democracia e à soberania popular tem uma outra dimensão: tem a ver com a integridade dos processos que governam o exercício directo do poder político pelos angolanos através do sufrágio directo, secreto, periódico e universal; ou seja, a integridade dos processos eleitorais. Esta integridade também foi agredida e precisa de ser defendida.

 

A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) é o órgão com a responsabilidade de planear e organizar as eleições em Angola, mas ela tem autoridade limitada para garantir o ambiente político democrático necessário para haver uma eleição democrática. A sua imparcialidade está à partida comprometida pela sua própria composição. A CNE tem dez membros, sete dos quais escolhidos e designados pelo partido no poder e três pelos demais partidos. Não sendo imparcial na sua composição, não o será certamente no seu funcionamento. Além de estar com a imparcialidade comprometida e a autoridade limitada impôs – se à CNE um regime de “colaboração forçada” com o Ministério da Administração do Território (MAT) e de “partilha” de responsabilidades eleitorais com outros órgãos do executivo (MAT e CIPE).

 

Por exemplo, garantir a integridade do Ficheiro Central do Registo Eleitoral, (FICRE), que contém mais de 8,300, 000 registos, é responsabilidade do MAT. No passado, apesar de a Lei atribuir-lhe a função de supervisora do registo eleitoral, o MAT colocou vários obstáculos e a CNE não conseguiu auditar o FICRE. Se a CNE continuar a não ter acesso livre ao FICRE e a sua estrutura de códigos, para testar a sua integridade , produzir e distribuir, ela própria, cadernos eleitorais em tempo útil, será difícil garantir a universalidade, a integridade e a unicidade do voto .

 

Por outro lado, o facto de um órgão independente ter de partilhar responsabilidades inerentes ao controlo do processo democrático de alternância do poder com um órgão elegível do poder, o Executivo -através do seu MAT, da sua CIPE e do seu novo Vice-Ministro para os Assuntos Eleitorais – transforma o Presidente da Republica (único titular do poder executivo), e não a Presidente da CNE, no verdadeiro presidente dos actos eleitorais .

 

Os Angolanos detentores do poder, não podem permitir que CNE seja um órgão dependente e subalterno quando Angola tiver de decidir sobre questões fundamentais como : custódia, integridade, formato e disponibilidade atempada dos cadernos eleitorais, sistema de comunicações para as eleições, logística eleitoral, integridade e transparência do escrutínio, a todos os níveis . Há que defender os interesses constitucionalmente protegidos dos cidadãos.

 

A fraude de Setembro de 2008 foi projectada fora da CNE, ainda por volta de 2005, tendo sido materializada por fases. Começou com concepção de regras não isonómicas e anti-democráticas – em forma de legislação eleitoral – e com instauração institucional de um ambiente de medo, discriminação e de desigualdades. Incluiu a subversão do papel tradicional dos sobas, os assassinatos políticos; a transformação abusiva da Rádio Nacional e da TPA em instrumentos de propaganda incessante, aberta e subtil, do partido dominante. Depois foram programadas acções fraudulentas inerentes à votação e ao escrutínio: a introdução fraudulenta no processo de um numero de boletins de voto superior ao número encomendado e comprado pela CNE; a alteração brusca dos locais de votação; a ausência deliberada dos cadernos eleitorais das mesas de voto; a substituição de agentes independentes da CNE, treinados e contratados para o efeito, por agente da polícia politica e do Partido dominante para membros das Assembleias de Voto; e o não credenciamento atempado dos agentes do Partido concorrentes (delegados de lista).

 

A primeira lição que tiramos da fraude de 2008 é que a defesa da integridade do voto começa com o estabelecimento de um ambiente democrático, de liberdade, justiça e igualdade, propício para eleições democráticas, livres, justas e transparentes. A segunda lição é que o autor da fraude é o regime, que utiliza os sobas, a comunicação social, o MAT e a CNE como os seus principais veículos. Combater a fraude envolve, portanto, denunciar os abusos, criar o ambiente de liberdade e proteger a integridade do voto, que é a escolha do povo .

 

Foi preciso algum tempo para o povo perceber aquilo que nós já há muito tínhamos percebido. Esta percepção do povo parece ter- se consolidado nos últimos seis meses: por todo lado por onde passamos, ouvimos de todos os cantos o mesmo clamor: livrem-nos teste regime. Em todos lugares, onde as pessoas se podem exprimir livremente, está patente o sentimento de mudança. De facto, se a Cidade Alta tutela os recursos do povo; a UNITA tutela as razões do povo. Se hoje a cidade Alta é o centro do exercício do poder, a UNITA tornou-se o centro da legitimação do poder, porque ela é a depositária das frustrações, aspirações e esperanças do legítimo titular do poder, o povo angolano .

 

A Constituição da República postula no seu artigo 78º que a defesa dos direitos e liberdades ora agredidos equivale à defesa da pátria . Por conseguinte, esta defesa dos angolanos deve ser feita com mesma responsabilidade, firmeza e determinação como a defesa da pátria, no entendimento de que a pátria não se discute, defende-se.

 

A grande questão que se coloca é: como podemos garantir que a forte vontade de mudar seja mais forte que o medo da mudança? Como podemos proteger tanto a vontade de mudar como o instrumento da mudança, o voto? Qual é a nossa prioridade estratégica?

 

Não havendo actualmente condições para a realização de eleições democráticas, a defesa da democracia, dos direitos humanos e da soberania popular passa a ser prioridade absoluta na agenda política do Partido, exigindo que todos os recursos e estruturas do Partido sejam mobilizados e canalizados para a criação das referidas condições.
Prezados Companheiros :


A VII Reunião do Comité Permanente, realizada no sábado, reavaliou novo quadro político e preparou algumas recomendações para a Agenda desta III Reunião da Comissão Política . O relatório do secretariado executivo também será submetido a esta reunião.


Desejo convocar para o próximo ano o XI Congresso, pelo que à semelhança do que fiz ao Comité Permanente, nos termos do artigo 22º dos Estatutos, também solicito já nesta reunião, o parecer da Comissão Política. Há várias ideias, certamente, mas como na UNITA diferença não é, necessariamente divergência, gostaria de ouvir as diversas correntes para depois tomar uma decisão .

Declaro aberta a III reunião da Comissão Política da UNITA.

Luanda, aos 27 de Setembro de 2010, em Luanda.