Lisboa - Aludindo ao ditador tunisino Ben Ali, que voou precipitadamente para o exílio saudita, manifestantes egípcios reclamam agora a partida do seu ditador e gritam na rua: "Mubarak, o teu avião já está à espera". Mas a ditadura egípcia não é a única do mundo árabe que treme diante do exemplo tunisino.


*António Louçã
Fonte: RTP

Corrente contra  ditadores  africanos

As manifestações começaram por reunir algumas dezenas de pessoas, mas rapidamente foram encaradas como ponta visível de um iceberg. Não existe no Egipto, com a sua dura repressão policial, um hábito arreigado de manifestações de rua e era inevitável que tudo começasse por acções minoritárias. Mas o destemor dos manifestantes chamou a atenção, encarando a polícia e reclamando de Hosni Mubarak que siga o exemplo do seu confrade tunisino e parta, como ele, para o exílio, indica seguramente um clima político em mutação acelerada.

 

Com as eleições presidenciais à vista, já marcadas para Outubro deste ano, permanece a dúvida sobre uma possível recandidatura de Mubarak, hoje com 82 anos de idade e três décadas de poder despótico - mais, portanto, do que os de Ben Ali. Em alternativa, especula-se sobre uma outra possibilidade, que seria a de Mubarak impor o seu filho Gamal, para ser plebiscitado nessa mesma eleição.

 

Com eleições habitualmente fraudulentas e com um parlamento fantoche, o Egipto conta, por outro lado, com uma oposição extra-parlamentar relativamente forte - a da Irmandade Muçulmana, agora tonificada pelo exemplo tunisino.

 

Outros elos fracos no mundo árabe são Marrocos, a Argélia, a Jordânia, a Líbia e o Jemen.

 

Na Argélia, há cerca de uma semana, voltou a registar-se uma "revolta do pão", com um saldo de cinco mortos e de 800 feridos. Apesar das receitas do gás e do petróleo, e apesar do encerramento da etapa de guerra civil que lhe custou mais de 100.000 mortos, o país permanece em situação altamente volátil, com revoltas localizadas praticamente todas as semanas, segundo Isabelle Werenfels, da Fundação Ciência e Política, citada pelo diário on-line Der Spiegel.

 

A monarquia marroquina fez um esforço para apresentar uma imagem modernizada em relação aos tempos de Hassan II, e para empolar o significado dos partidos de oposição que efectivamente têm existência legal. Mas nem assim conseguiu dissimular a brutalidade da repressão contra o povo do Sahara Ocidental e, por outro lado, a deprimente realidade social marroquina, com taxas de desemprego na ordem dos 30 por cento.

 

Também a monarquia jordana procura dar de si uma imagem modernizada e tolerante, mas continua a viver de crise em crise, ora por motivo de revoltas sociais contra os aumentos de preços, ora por motivo de derrapagens do sistem a repressivo, como foi o caso mais recentemente. Amã foi uma das capitais em que se olhou com maior ansiedade para a derrocada da ditadura tunisina.

 

Grande nervosismo manifestou também o ditador líbio Muhamar al-Khadaffi, que confessou sentir-se "dolorosamente atingido" pelas notícias chegadas da Tunísia. Outros países, como o Jemen ou a Síria, parecem fragilizados por ameaças de secessão ou por fracturas de carácter étnico.


Curiosamente, o regime que parece mais confiante no seu futuro, e por isso mesmo se deu ao luxo de acolher o fugitivo ditador Ben Ali, é o da Arábia Saudita - uma monarquia absolutista, desprovida do menor arremedo de instituição parlamentar ou de observância de direitos humanos, mas a nadar no mais seguro dos elementos líquidos, o dos petrodólares.