EUA - Como várias pessoas na diáspora angolana, recebi vários correios electrónicos sobre a marcha do dia 7 de Março em que, seguindo os passos de activistas na África do Norte, os angolanos iriam reivindicar transformações na governação do país. Sou com­pletamente oposto a tal manifes­tação e espero que os angolanos não adiram à ela. Sei que serei acusado de ter sido comprado pelo governo ou de ter me trans­formado num bajulador. Não há nada disso.


Fonte: Club-k.net


Continuo a ser um membro firme da UNITA e leal ao seu presidente, Isaías Samaku­va. Vejo no MPLA uma organiza­ção de adversários políticos, que fez e faz batota, mas com a qual teremos que trabalhar, dentro da lei, para alcançarmos mudanças profundas para criarmos uma so­ciedade democrática.

 

Não alinho com o espírito que está por detrás da convocação da marcha de 7 de Março pelas seguintes razões: os que estão a fa­zer este apelo não deram a cara. Há mesmo quem diga que isto é um truque do MPLA para melhor cilindrar os que vão dar a cara. Como vários angolanos da diáspora, valorizo muito as redes sociais na Internet, como o Face­book. Um dos valores desta rede é que o anonimato não é muito prezado. Há figuras notáveis da sociedade angolana – Isaías Samakuva, Lukamba Gato, Bornito de Sousa, João Melo, Marcolino Moço e outras - que têm paginas aonde muitos de nós podem ler as suas ideias. Há, também, jovens interessantes dos quais vai se aprendendo muita coisa sobre a sociedade angolana. Depois, há figuras que operam no anonima­to, como o «Angolano Profundo» e o «MPLA voto errado», com quem não fico confortável. Não me sinto bem com gente a operar no anonimato, mesmo quando as nossas ideias coincidem.

 

O Agostinho Jonas Roberto dos Santos, o tal presidente do novo Movimento Revolucioná­rio do Povo Lutador de Angola (MRPLA), apela às pessoas a irem marchar contra o governo angolano no dia 7 de Março. Ele estará aonde?

 

Figuras ligadas ao poder cen­tral já foram claros: se alguém tentar manifestar-se, a estrutura repressiva do Estado cairá por cima dele. Poderíamos argumen­tar contra os senhores Dino Ma­tross e Rui Falcão que os direitos de associação são consagrados na constituição angolana. Soube­mos, porém, que há certos aspec­tos da nossa Constituição que são apenas ideais – vamos ter que fa­zer muito barulho para ver que os mesmos se transformem em algo concreto.

 

Há sectores em Angola cuja vi­são ainda reside no principio de que a contrariedade tem que ser esmagada. São esses os círculos – e incluiu o Jornal de Angola entre eles – que transformam supostos adversários do «establishment em verdadeiros monstros. Esses círculos tentam criar a noção de que todo o tipo de contestação resulta, inevitavelmente, em vio­lência. O que precisamos é repen­sar as nossas instituições legais. É verdade que muitas irão sempre agir a favor do partido no poder; porém, elas são compostas de in­divíduos que estarão conscientes do espírito da lei. Com o andar do tempo, o sistema vai se tornar cada vez mais atento às várias sensibilidades da sociedade.

 

Há quem poderá dizer que a manifestação de 7 de Março pode­rá embaraçar internacionalmen­te o governo. Mas o governo de Angola – ao contrário de muitos governos africanos – não precisa assim tanto da bênção da comu­nidade internacional. O Egipto não tem petróleo e depende muito do turismo e da ajuda dos Estados Unidos. O caso é o mesmo com a Tunísia. A Líbia, pelo contrário, tem petróleo. Khadaffi metralhou centenas dos seus cidadãos e o Ocidente está a protestar. Mas, as notícias sobre a Líbia são logo seguidas por especulações sobre o que conta mais – o preço do pe­tróleo. Angola tem petróleo; para muitos países no Ocidente, isto é que conta.

 

A luta para a edificação de uma democracia é longa. A democra­cia não se reduz, apenas, aos dias de voto e aos relatórios das mis­sões que fazem a observação. A democracia tem muito a ver com a transparência dos processos de governação – incluindo, claro, as instituições. Muitas vezes oiço críticas bastante duras que são fei­tas à oposição. Há mesmo quem diga que a oposição não existe. Não será que talvez ficamos tão habituados a uma contestação tão incipiente que, agora que a disputa política tem que ser feita através de instituições, pensamos que tudo não leva à nada? Tive­mos, por exemplo, a grande maka à volta da constituição; muitos de nos sentimos que o MPLA não foi justo em tomar vantagem da sua maioria para introduzir a legisla­ção que permitia que o presidente fosse eleito indirectamente. Os deputados da UNITA apresenta­ram muitos argumentos contra essas iniciativas. O que resta ago­ra é podermos convencer muitos eleitores nas próximas eleições para que a configuração parla­mentar seja modificada. Também terá que se fazer esforços para convencer mesmo membros da bancada do MPLA a irem contra certas iniciativas do seu partido.

 

Com uma maioria absoluta, o parlamento corre o risco de passar a ser irrelevante para muitos angola­nos; sabe-se que tudo que o MPLA propor passa. Não há dúvida quem numa situação como tal, institui­ções da sociedade civil passam a ter muito valor. As redes sociais na In­ternet, por exemplo, passam, tam­bém, a ganhar um valor bastante importante. Todas essas iniciativas devem ser encaminhadas para um fim que beneficie a nação – e, no caso de Angola, que mantenha a paz e que ajude na solidificação da reconciliação nacional. A noção de que podemos ter ideias divergentes mas coexistir ao mesmo tempo tem mesmo que fazer parte da cultura. Esta manifestação do senhor Agostinho Jonas Roberto dos Santos não vai ajudar nisto.

 

Na política, muitas das vezes, os gestos levam consigo muito valor. Este novo MRPLA já teve muita publicidade e o que deve­ria agora é dizer às pessoas para protestarem de uma outra forma e não apelarem a elas para irem as ruas. As cicatrizes de 1977, 1992, etc. ainda não desapareceram. Te­mos uma história em que mani­festações nas ruas, sobretudo na capital, acabaram em tragédias. Está-se agora a construir uma cultura de tolerância. Quando, por exemplo, há indivíduos que querem manifestar o seu apoio ao governo, tais manifestações nunca são postas em questão. Po­deríamos, por exemplo, insistir que manifestações pró-governa­mentais ganhariam mais pujança se manifestações que defendem princípios que não vão ao encon­tro do governo tivessem também o mesmo apoio institucional. Numa corrida de estafetas, quem ganhar por ter corrido com uma bicicleta, enquanto os outros cor­reram á pé, não é um verdadeiro campeão. Mesmo as medalhas que ele tiver – se for honesto – não lhe darão tanta satisfação. Neste momento, devemos tentar con­vencer o MPLA dessas verdades.

 

Deveríamos todos tomar muito interesse nas leis do nosso país. Te­mos o caso de activistas que estão na prisão sem terem sido julgados. Temos que insistir que a lei tem de ser respeitada. No Huambo, há membros da UNITA a cumprirem penas de prisão. Será que eles fo­ram tratados justamente?


Temos todos que saber afinal como é que as nossas institui­ções funcionam. Quando a sua integridade for garantida, então poderemos também, através de­las, tentar mudar o sistema que governa o país. Isto incluirá, também, a alternância na lide­rança máxima do país. ■