Lisboa - O presidente da UNITA, Isaías Samakuva, veio a Lisboa numa viagem-relâmpago em que só teve tempo para umas quantas reuniões e para realizar uma conferência de imprensa destinada a denunciar os planos do governo de Angola para se livrar dos seus opositores políticos.


*António Rodrigues
Fonte: Ionline.ot


Em entrevista exclusiva ao i, realizada no aeroporto de Lisboa entre o check-in e o embarque no voo da TAAG que o levou de volta ao seu país, Samakuva falou da "marcha patriótica" que o MPLA, o partido do governo, convocou para hoje em Angola, da manifestação de segunda-feira marcada para Luanda - da qual se demarca completamente por ter sido organizada por anónimos - e da situação política crispada que actualmente se vive em Angola. Samakuva diz ainda que a UNITA não tem qualquer exército escondido nas matas do Bailundo, nem nenhuma intenção de voltar a pegar em armas, como já se chegou a dizer.

 

Diz que a intenção do governo de José Eduardo dos Santos é armar confusão que justifique o assassínio dos seus adversários políticos. É uma acusação muito grave. Tem provas desse plano?

Tudo o que nós estamos a dizer é resultado das nossas análises sobre, não só os acontecimentos que se estão a desenrolar no nosso país, mas também as informações que nos chegam. E quando falamos das informações que nos chegam fazemo-lo com muito cuidado, porque sabe que na praça luandina há muita fofoca, muito boato, mas também entre esses boatos é preciso discernir aquilo que é realidade e aquilo que pode ser um processo de intoxicação destinado a criar um certo medo, que pode ser uma forma de intimidar, de desestabilizar as pessoas. Curiosamente, tudo aquilo que tínhamos previsto está a acontecer. Ou seja, a dita manifestação do dia 7, para nós, não passa de uma armadilha do governo. Eu não acredito que essa manifestação se venha mesmo a realizar. Repare, com essa manifestação, e tendo em conta o sofrimento que o povo passa em Angola, suscitaram o desejo dessas pessoas de se manifestarem, mas na realidade o que o regime busca é apenas um teste; é testar a vontade e o sentimento do povo angolano, para ver se este povo estará na disposição de vir para a rua ou não. Caso estivesse, eles fariam algo antecipado, exactamente para demonstração de forças, como está a acontecer. Logo a seguir convocaram essa manifestação [a "marcha patriótica"] para o dia de amanhã.

 

O que está a dizer então é que por trás da manifestação de 7 de Março, que foi convocada anonimamente, está o MPLA, está o governo de Angola?

Não temos dúvidas disso. Aqueles que nos trazem as informações que referimos são pessoas que participam em certas reuniões onde se maquina tudo. Quando se tem uma informação que se repete a partir de fontes diferentes, temos de pensar nessas coisas a sério.

 

Quanto à acusação: dizer que há um complot do governo para assassinar os seus adversários políticos é muito forte. Está seguro disso?

Não é a primeira vez. Tive oportunidade de dizer isso ao senhor presidente da República, porque de fontes credíveis tivemos, já há uns dois, três meses, dados de que havia planos para tomar "medidas activas" - e estou a citar - contra Samakuva. Nos círculos de segurança, quando se fala em "medidas activas" já se sabe o que é.

 

Conversou sobre o assunto com o presidente José Eduardo dos Santos?

Não directamente, mas com um seu alto funcionário, para que lhe fosse transmitido.

 

E recebeu alguma resposta do presidente?

Não tive resposta nenhuma, embora tenha dados de que isso chegou ao senhor presidente da República. Portanto, estamos apenas a alertar, não estamos a acusar. No entanto, devo dizer que fizemos várias diligências a diversos níveis para demonstrar que não vemos nenhuma necessidade de se criar um clima de tensão no país, não há nada que o justifique. Se acusam a UNITA e, neste caso em particular, o nosso colega Abílio Kamalata Numa, só por ter protagonizado um acto que, em sociedades democráticas, é um acto normal, uma greve de fome, mesmo se se querem agarrar a isso, isso não é nada. Os angolanos têm de saber que estamos em democracia e estas formas de luta democrática devem ocorrer no nosso país e não são razões para se criar um clima de tensão que leve a população até a querer abastecer-se, a fazer aprovisionamentos antecipados, com receio de que no dia seguinte haja guerra, nem há necessidade sequer de se falar de guerra, porque em Angola não há ninguém fora do governo com capacidade de fazer guerra.

 

O jornalista Rafael Marques disse-me que, quando foi esta situação do Huambo com o Abílio Kamalata Numa, o exército angolano foi mobilizado porque se aventou a hipótese de que a UNITA estivesse a voltar à guerra.

Nós sabemos de fontes das forças de segurança do regime que diziam que o Abílio Kamalata Numa tinha um exército escondido algures aí pelas matas do Bailundo, que é a sua terra natal. Ele vai à sua terra natal no fim-de-semana porque está a tentar recuperar os seus terrenos, os terrenos que eram dos seus pais, e é normalíssimo que alguém saia de Luanda e vá para a sua terra natal. Mas isto está a criar esses rumores de que ele tem esses militares escondidos, ao mesmo tempo que dizem que nós temos outros militares escondidos aí pelas Lundas. Portanto nós perguntamos o seguinte: será que o governo está seguro do que está a fazer? O governo tem o controlo do país. Se tem o controlo do país, tem de saber o que se passa no país ou então tem vontade de criar esse tipo de tensões.

 

Mas há alguém na UNITA que fale em voltar a pegar nas armas?

Que eu me lembre, na UNITA não há ninguém que tenha falado nisso. Nem nas nossas mentes há essa ideia. O problema agora não é entre a UNITA e o MPLA, o problema agora é entre o MPLA, entre o presidente José Eduardo dos Santos, e o povo angolano. Se o governo não muda, se o presidente José Eduardo dos Santos não muda a sua forma de governar o país, deve contar com conflitos sérios, mas não é a partir da UNITA, é a partir do povo angolano. Se não houver mudanças na forma como se gere o país, naturalmente ocorrerão perturbações sociais.

 

Não estamos a falar de guerra, então?

Não há guerra em Luanda, não há guerra em Angola. O que me leva a perguntar: esta vontade do regime, de responsáveis de alto nível do país, de falarem de guerras, vem de onde? Ou é só para dramatizar, para distrair as pessoas, desviar as atenções das pessoas dos problemas reais que o país vive?

 

O MPLA diz que a marcha de amanhã é uma marcha patriótica, organizada pelo MPLA mas aberta a todos os partidos, à Igreja e a outros grupos sociais. Receberam algum convite para participar?

Nós não recebemos nenhum convite. Por acaso, a minha mulher telefonou-me a dizer que estão a convidar todos os angolanos para participarem na marcha. Ninguém é obrigado a participar na marcha, aqueles que acharem que o devem fazer devem participar; aqueles que achem que não devem participar que tenham liberdade de cumprir com a sua vontade. Que não haja coacções, que não haja pressões para as pessoas participarem numa marcha organizada por um partido. Até porque há outros partidos que estão a pedir para organizar, não marchas mas vigílias. Se o partido no poder sente necessidade de organizar uma "marcha patriótica", outros partidos sentem necessidade de organizar vigílias, pois que o façam, que não haja qualquer tipo de impedimento, nem para aqueles que querem organizar, nem para aqueles que querem participar. Agora o que estamos a sentir é que se está a convidar toda a gente para a marcha mas se está a impedir as pessoas que querem fazer vigílias. Isso é que não está certo, o que nos leva a perguntar se este país é para todos, se há igualdade nos direitos dos cidadãos ou se há uns cidadãos que têm determinados direitos e outros que têm outros.

 

Diz que não acredita na manifestação de 7 de Março por ter sido convocada anonimamente, no entanto, há representantes de partidos que até escreveram ao presidente José Eduardo dos Santos a dizer que irão participar.

O que eu sei é que esses partidos afirmaram que realizariam uma vigília no dia 6 e na internet anda a circular essa convocatória para a manifestação do dia 7. Temos aqui um evento no dia 5 [hoje], outro no dia 6 [amanhã], que, pelo que me disseram, já está proibido, e outro para o dia 7 [segunda-feira]. É este do dia 7, que não tem rosto, é esta manifestação que, na nossa maneira de ver, é uma armadilha ou um teste que o regime está a realizar.

 

Se uma manifestação deste género fosse convocada por rostos visíveis, a UNITA estaria disposta a participar?

Isso seria outra coisa. Naturalmente, a UNITA analisaria as condições e agiria em conformidade. Mas uma coisa que não sabemos de quem, nem sabemos o que visa, não nos parece que valha a pena preocuparmo-nos com ela. De qualquer das formas, este teste suscitou e aguçou o gosto pela manifestação, de tal forma que não me admiraria que houvesse pessoas a sair à rua no dia 7. Agora a prevenção já decretada para a polícia e as forças armadas em Angola creio que impedirá qualquer manifestação. Portanto, quando digo que não acredito que se irá realizar essa manifestação, não é só porque a sua convocatória não está representada por ninguém, mas também porque o regime não está preparado para deixar este tipo de coisas acontecer. O regime não está suficientemente democratizado para permitir tais actividades.

 

Se a situação actual se mantiver, com a crispação política de que fala, é possível que venham a ocorrer conflitos sociais?

Não tenho dúvidas. Nós falamos com pessoas com quem o governo não fala. Eles não dialogam, não conversam com pessoas na rua, nós falamos e sabemos o sentimento do povo e estamos a alertar que se as coisas continuarem como estão, mesmo com essa repressão, mesmo com todas as forças que põem em prevenção, mais dias menos dias esses conflitos acontecerão.