Delegação do MPLA recusava as alterações propostas

Trinta anos depois de ter exercido funções de ministro da Coordenação Interterritorial, Almeida Santos quebra o silêncio para analisar detalhadamente cada um dos processos negociais que conduziram à independência dos territórios africanos, dedicando ainda um capítulo especial a Timor e outro a Macau.

Sem esquecer aquilo que o ex-ministro já tinha deixado claro no primeiro volume do seu livro: a descolonização portuguesa foi condicionada pelo confronto que se verificou entre o general Spínola, presidente da Junta de Salvação Nacional (JSN), e o Movimento das Forças Armadas (MFA). Um braço-de-ferro que durou três meses (até à publicação da Lei 7/74) e que só contribuiu para acentuar a desconfiança dos diferentes movimentos de libertação, explicando, até certo ponto, a deterioração do dispositivo militar colonial, numa altura em que a maioria dos seus efectivos só pensavam em regressar a Portugal.

Isso permite ao autor fazer algumas afirmações polémicas. Como esta: "Ao determinarem o essencial do processo de descolonização do seu país, os três movimentos perderam o direito de se queixar do resultado final desse processo. Tiveram a descolonização que quiseram ter. Ou melhor: que não foram capazes de evitar, admitindo que sinceramente tentaram, hipótese de que me permito duvidar."

A avaliar pelo que o autor revela, quando os três movimentos se reuniram na Cimeira de Alvor, já tudo estava pré-determinado. Por via do acordo a que MPLA, FNLA e UNITA tinham chegado semanas antes, no Quénia, onde a parte angolana se reuniu, excluindo, deliberadamente, Portugal dessa fase. Contribuindo, assim, para acentuar a influência externa que, nesse momento, já se fazia sentir por trás de cada um dos (futuros) beligerantes.

Mesmo que Almeida Santos acabe por acrescentar que a Plataforma de Mombaça derivou, no essencial, de uma proposta do MPLA, que contou com o contributo do ministro dos Negócios Estrangeiros português. "Repetiu-se o que havia acontecido no primeiro encontro de Dar-es-Salam relativamente a Moçambique, entre Melo Antunes e Samora Machel."

Sem que isso altere a perspectiva global de Santos sobre a matéria. "O acordo de Alvor foi o que os movimentos de libertação quiseram. Quiseram-no assim, assim o tiveram. E não se pense que as autoridades portuguesas podiam tê-lo influenciado ao ponto de o tornar diferente. Milagre foi ele ter sido possível. Esteve várias vezes para não ser."

Um cenário que levou Almeida Santos a questionar, já durante a Cimeira de Alvor, o conteúdo e os prazos estabelecidos na Plataforma de Mombaça, tentando contrariar aquilo que lhe parecia totalmente irrealista. "Como era? De repente, todos ficavam amigos, todos punham de lado ódios e ambições, todos recusavam fazer o jogo das ambições externas, e todos jogavam o jogo político e democrático de forma limpa?"

Razões mais do que suficientes para que Santos tenha, como revela agora neste segundo volume de Quase Memórias, tentado contrariar uma guerra civil que lhe parecia inevitável, reunindo-se, à margem da cimeira, com o amigo Agostinho Neto (MPLA), com Holden Roberto (FNLA) e Jonas Savimbi (UNITA). Tudo para os convencer da necessidade de alargarem os prazos previstos para o processo de transição, flexibilizando os mecanismos previstos na Plataforma de Mombaça, e levando-os a elaborar um projecto de Constituição que seria posteriormente submetida a um plebiscito.

"Com alguma surpresa minha", realça, "os meus interlocutores declararam aceitar as alterações por mim sugeridas". Com uma ressalva: a de Agostinho Neto, que à saída declarou: "Caro António! Eu dei o meu acordo, mas tenho de fazê-lo confirmar pelos meus camaradas."

A resposta chegaria horas depois: a delegação do MPLA recusava as alterações propostas. "Assim se frustrou o que talvez tivesse evitado o que de pior viria a passar-se".

E o destino de Angola passava a ser jogado noutros tabuleiros.

* Armando Rafael
Fonte: Diario de Notícias