Luanda - Na semana passada país ficou virtualmente envolto num «cobertor de medo» como escreveu Gustavo Costa na sua coluna do Novo Jornal. Reagindo a uma convocatória anónima para uma manifestação -- «manif» como os jovens a chamavam «as manifs é que estão a bater» diziam eles na INTERNET. Pois a «manif» tinha dois «pecados capitais»: primeiro, incitava à violência ao jeito da Tunísia, Egipto e Líbia, e segundo exigia o derrube do Presidente Eduardo dos Santos.


Fonte: SA

A montanha que nem um ratinho pariu

O MPLA, despreparado para estas coisas, primeiro engrossou a voz e depois musculou a pose, postura que todos os analistas cá da praça, até mesmo os mais próximos do regime, numa unanimidade pouco usual, acharam excessiva os mais moderados e, um tiro no próprio pé segundo os mais exaltados.A poeira mal assentou, mas já se contam as espingardas. O maioritário parece ainda aturdido com tudo o que se passou. Os «pensólogos» de serviço – nessa de que servir o Estado ou o maioritário acaba sendo a mesmíssima coisa – estarão certamente já a arrolar os factos que confundiram a Nação, driblaram a classe política e burlaram o partido no poder. Porque os anónimos que «promoveram a confusão» -- pela sua linguagem parecem jovens na diáspora – esses esfregam as mãos de contentes, proclamam vitória e prometem mais «manifs»… tudo sob a capa do anonimato e usando um medium completamente fora do controlo das autoridades. Ao que tudo indica, os «pensólogos» têm um tempo indeterminadamente curto para «bolar» uma resposta mais inteligente que aquela com que brindaram a comunidade nacional e internacional. Resposta francamente má.

 

É que, quer se queira quer não, a maneira de fazer e interpretar a política em Angola mudou radicalmente depois destes acontecimentos. São muitos dados novos para que possa ser doutra maneira.

 

O primeiro elemento, que não é tão novo como pode parecer, tem a ver com aqueles que parecem ser os principais actores deste processo: os jovens. Jovens que, não só não têm os traumas do 27 de Maio, do pós-92 e da Sexta Feira Sangrenta, como ainda, vivendo na diáspora, estão mais habituados a usufruir dos direitos e liberdades apanágio de um Estado Democrático. Estes jovens não têm medo das ameaças do MPLA; parecem não se importar em enfrentar a Polícia e têm uma cultura do usufruto de direitos e de justiça que faz deles actores potencialmente muito activos na expressão dos seus sentimentos. Vale lembrar que quanto mais anos passam em relação ao fim da guerra, mais esbatidos ficam os seus fantasmas.


O segundo factor tem a ver com a INTERNET. Este medium – que alguns comunicólogos já apelidam de «canal da democratização total da Informação» -- proporciona aos jovens duas coisas: uma, a capacidade de criar redes poderosas, efectivas e completamente autónomas e, segundo um anonimato completo. De facto, nunca um anónimo foi tão poderoso e mobilizador como nesta era da INTERNET. até agora ninguém sabe quem são os organizadores da dita «manif». Talvez nem mesmo se venha a saber. Mas o que é facto é que eles estão aí, à distância de um clique do nosso computador.

 

Esse é outro dos novos paradigmas que revoluciona o exercício do Poder em Angola. No passado, os organizadores seriam duma ou doutra forma identificados e, duma ou doutra forma pressionados pelo regime. Pressão essa que poderia mesmo chegar – como até chegou – à prisão das pessoas. Só que, agora não há ninguém para pressionar; não há ninguém para prender, a não ser os coitados dos jornalistas que – esses sim, são obrigados a dar a cara – estavam no local da manifestação para cumprir o seu dever social. Dever esse constitucionalmente consagrado. Constituição essa que cada vez parece mais espezinhada, ironicamente pelos que a construíram, constituíram e aprovaram.


Tudo indica por isso que os «miúdos» -- se é que são mesmo miúdos – voltarão à carga. Porque se há algo que ficou provado nos acontecimentos do fim de semana passado é que eles têm mesmo poder, e não podem ser ignorados. Mais; têm o poder de driblar o partido governante. Ou o MPLA fica quieto e aí eles avançam, ou o partido no poder precavê-se e eles ficam quietinhos no seu canto à espera da próxima oportunidade. Assim como quem na sueca tem o ás de trunfo, sabendo que o opositor à esquerda tem a manilha. É só ficar de atalaia, nem que seja até à última jogada em que a manilha fatalmente terá que cair para ser «subida» pelo ás.

 

O mérito de toda esta confusão – haja corações para o susto que pregaram – é que fica provado que os 82% do MPLA não justificam tudo. Os jovens encontraram uma maneira de mostrar que essa margem eleitoral não constitui um cheque em branco para dar poderes ilimitados ao partido no poder. Ao dispensar a intermediação dos políticos e «chocarem» eles mesmos com o Poder, mostraram a sua impaciência perante a inoperância da Oposição face às suas preocupações. Fizeram-no com a irreverência e falta de sentido de responsabilidade que, afinal caracteriza os jovens de todos os tempos e de todos os lugares. Isso foi possível graças à INTERNET.

 

Não vale a pena por isso recorrer à umas quaisquer teorias de conspiração. Tanto Bem Ali quanto Moubarak e Kadhafi tentaram isso com os resultados que conhecemos. Há que ser mais inteligentes e aprender com os erros que aqueles cometeram.

 

Não haja por isso dúvidas que o caminho para desanuviar o ambiente político e social é o diálogo e a participação dos cidadãos. Diálogo genuíno, sério e inclusivo. Diálogo sem fronteiras nem balizas, a não ser aquelas que impedem a construção na Nação que a todos nós pertence. Não vale a pena dizer que não se fala com A porque não tem assento no Parlamento, ou com B porque antes fez rebelião armada ou ainda com C porque não pertence a um determinado partido. Nas coisas da Nação, a participação cidadã é para ser um imperativo patriótico.

 

Também não vale a pena esconder a cabeça na areia das obras construídas, pois importantes como são, só por si, essas sim, «não enchem a barriga». Não enquanto alguns de nós continuarem acachapados às cavalitas nos recursos que são de toda a Nação e, ainda por cima ostentam desrespeitosamente riquezas cujas origens toda a gente conhece mas ninguém se atreve a falar. A solução mesmo é buscar, quem sabe através de uma catarse, um espaço comum onde toda a gente se possa sentir confortável: aquele que já «se organizou» e aquele que não o pôde fazer. Para que juntos se corrijam os erros do passado e juntos construam um futuro onde todos tenham um lugar bom. Isso, também só pode ser através do diálogo.

 

E como um processo de diálogo participativo à escala de uma Nação só pode ser feito através de uma media forte independente e plural, deve-se urgentemente acabar com todas as formas, encapotadas ou não de coartar a liberdade de imprensa. É que muito boa gente pensou que controlando os jornais, as rádios e a televisão e censurando a Informação está-se a defender os interesses do Estado Angolano. Ledo engano. Tal como com os políticos, os jovens dispensaram os jornalistas e os seus órgãos de informação. Eles mesmos criam as suas notícias, vão directo às fontes de informação e disseminam-na sem a intermediação – o tal «agenda setting» -- dos órgãos de comunicação social. Portanto, a credibilização dos órgãos parece ser o único caminho para criar espaços nacionais do tal diálogo inclusivo, participativo e plural.


De formas que, parece apropriado inferir que a forma de fazer, estar e analisar a política em Angola – como no Magreb – passará a ser classificada como «antes e depois do 7 de Março». Muitos dirão que tudo não constituiu mais que um balão de ensaio para avaliar os vários elementos que podem catalisar ou não manifestações como as que acontecem no Magreb. A verdade verdadeira mesmo é que marcou um ponto de viragem na relação entre governantes e governados no nosso País.


E já há um sinal de esperança. Diferentemente do discurso triunfalista-ameaçador do partido no poder, o Presidente da República iniciou nesta Quarta-feira 9 de Março, um ciclo de consultas à Sociedade Civil, a começar por líderes religiosos. Esperemos que, à semelhança do que fez aquando da crise financeira mundial passe a mensagem: não há cá conspiração internacional coisa nenhuma. Há sim, a necessidade de fazer-se exactamente isso: auscultar os cidadãos e incorporar as suas aspirações nas acções de governação. E sujeitar-se às suas críticas.


Fora disso, é para esquecer. Para quem esperava o país em caos e chamas, com cargas de polícia à mistura, a «Manif», de 7 de Março sequer fez o favor – a quem não me perguntem – de parir um ratinho. Pariu rigorosamente nada!


Celso Malavoloneke