Luanda - “Xé menino não fala politica, não fala politica, não fala politica..!” E assim respondiam (e respondem) os nossos pais e mais velhos quando nós ‘jovens’ fazemos perguntas um pouco difíceis, um pouco mais pertinentes, perguntas que causam um certo embaraço por serem questões que lidam directamente com a nossa cidadania e a nossa angolanidade. Basta ouvir a letra da música do Waldemar Bastos para percebermos as implicações e o contexto de tal advertência por parte dos nossos mais velhos.


Fonte: Club-k.net


É importante também perceber o porquê desta reacção por parte deles ainda nos dias de hoje, quando Angola já está independente, nas palavras do Waldemar Bastos. É que os nossos pais cresceram num clima altamente repressivo e totalitário, e viveram durante os piores momentos da nossa história. Falo da época colonial, os tumultos da independência, o 27 de Maio, e o tempo do partido único e a guerra civil, em que “falar politica” era altamente perigoso e qualquer conceito de debate era rapidamente suprimido.

 

A nossa cultura, desde há muito tempo, não permite o debate aberto, a troca de ideais e a critica construtiva. Neste clima de terror e medo para aqueles que detêm ideias contrarias, não é de estranhar a reacção dos nossos pais quando tocamos em assuntos de “politica”. A geração dos nossos pais, tios e tias, que está agora no poder, viveu uma realidade adversa, e embora muitos deles têm sabido evoluir com o tempo, outros ainda estão agarrados ao clima do passado e com ideias caducas. Isso nota-se nos seus discursos e práticas, que  fazem lembrar o comunismo e o tempo do partido único e não alguém que realmente percebe o que é a democracia. Democracia é um conceito que ainda faz confusão na cabeça de muita gente que manda neste país, pois as suas mentes são reféns de outros tempos e outras realidades.

 

A nossa realidade, porém, como jovens angolanos pertencente a geração que não nasceu na época colonial e mal se lembra do tempo do partido único, é outra.

 

Para nós, chegou a hora de falar politica.


Somos o maior grupo demográfico de Angola. Várias fontes fidedignas afirmam que 43.5% da população angolana tem entre 0-14 anos, e muito mais que metade da população está entre os 0-35 anos. Ou seja, somos o grupo demográfico angolano com mais poder de voto e com quem o governo mais deve se preocupar, o que significa dizer que somos uma realidade politica que requer cuidados especiais. Somos a esmagadora maioria. Muitas vezes ouvimos dizer que somos o futuro da nação (ou a minha preferida, “o futuro do amanhã”) mas vemos muito pouco em termos de investimento nas camadas jovens. Mais que 60% da população tem menos que 35 anos, mas os investimento na educação são uma anedota comparado com o que o estado gasta na Defesa, numa época em que já não estamos em guerra e o dinheiro que vai para esta esfera é mais para segurança interna (leia-se, supressão de ideias contrarias, espionagem, etc.).

 

É imperativo também realçar que somente duas forças politicas realmente moveram (e movem) massas neste país, e quase todos da geração dos nossos pais aderiu a uma delas. Quando nascemos e enquanto crescemos, naturalmente quiseram fazer o mesmo connosco, não reconhecendo que em muitos casos as suas ideias já não são pertinentes para o século 21 e os tempos em que vivemos. A libertação já foi alcançada e a independência para todos os efeitos já é quase total. Ademais, muitos de nós, principalmente a viver na diáspora, somos apartidários e não nos revemos nos estatutos e praticas dos dois maiores partidos do país.

 

Contudo, a maneira preferida do governo em lidar com os jovens é simplesmente instalar colunas gigantes num espaço aberto, pôr kuduro a tocar e trazer grades e grades de cerveja, numa grotesca e putrefacta tentativa de nos domar a todos por via da intoxicação e alienação total. Reina a desinformação e o medo.


Pergunto que tipo de jovens é que o governo quer formar, que tipo de jovens é que eles querem que um dia lide Angola.


Gosto de Cuca como qualquer um (talvez um pouco mais, porque é talvez a melhor cerveja do mundo), mas tenho a consciência que somos os herdeiros deste país. Quando a geração dos nossos pais já não estar entre nós, que tipo de país vamos ter? Quem serão as nossas referencias? Os nossos governantes? Seremos nós mesmos. E o investimento na nossa educação e bem estar tem que ser massivo, mas vemos o contrário a acontecer. O conceito de cidadania e angolanidade, o conceito de que temos que trabalhar para desenvolver o nosso país, ainda não existe entre nós. Até agora, atrevo-me a dizer que estamos a brincar de desenvolvimento, somente a construir prédios sem gestores, escolas sem professores, e hospitais sem médicos. Quando realmente começarmos a investir no nosso capital humano, aí sim, estaremos a nos desenvolver.


É pertinente realçar aqui que na nossa Angola, o petróleo vai acabar. Dizem os especialistas que já estamos no pico da nossa produção, e que a seguir será o deslize. Teremos que viver sem depender das receitas petrolíferas. Que tipo de economia herdaremos? Que alternativas temos? Será que a nossa economia está sendo devidamente diversificada agora? E as nossas dívidas externas? E o problema chinês? O que faremos quando já não podemos pagar a China com petróleo, e temos aqui milhares de chineses? Isto tudo para não falar no desemprego gritante que estamos com ele. São problemas que vamos herdar, e sobre os quais temos que começar a pensar agora. Em vez de estarmos sempre de olho no ocidente, é tempo para começar a aprender com os nossos vizinhos da SADC e não só que estão mais desenvolvidos que nós em todos os sentidos, incluído a África o Sul, as ilhas Seychelles, o Botsuana, e em termos de governação e transparência, as ilhas de Cabo Verde.

 

Isso tudo para mostrar que chegou a hora de acordarmos do nosso sono profundo e começar a falar politica e cidadania. Se não nos metermos nos assuntos que gerem o nosso país, depois será tarde. Porque o futuro já chegou e os problemas são reais. Os tempos são outros, e a nossa geração tem problemas e oportunidades distintas da dos nossos pais. Se os (não) acontecimentos do 7 de Março serviram para alguma coisa, pelo menos serviram para sabermos que nem tudo o governo controla (leia-se, a internet), e talvez chegou a hora de começarmos a usar os nossos Facebooks para outros fins, entre eles o debate activo e construtivo e a troca de ideias. Mudança de mentalidade precisa-se, e já.


O Sir Winston Churchill deu uma dica muito forte: “Tem se dito que a democracia é a pior forma de governação existente, se não contarmos como todas as outras que foram tentadas até agora.” Ou seja, tens o poder de voto, usa-o sabiamente porque este é a melhor forma de governação que temos. Faz-te ouvir, porque a tua voz também conta. E se não, faz-lhe contar. Xé menino, fala politica.