Luanda - Comunicação feita pelo jornalista e economista Alexandre Neto Solombe na Conferência da Open Society, sobre os Desafios da Comunicação Social em Angola, na perspectiva das Rádios Comunitárias.


Fonte: open Society/AN


Bom dia, bem vindos a esta conferência
organizada pela Open Society!

 

É uma honra estar aqui convosco e partilhar conhecimentos, experiências, vivências, neste momento  de particular importância e reflectir  sobre o rumo que este sector da comunicação, tende a seguir.

 

A rádio como meio de comunicação de massas, é de grande utilidade social, estamos conscientes disso; As inúmeras  as peripécias por que passam os angolanos, com direitos sonegados, que vão desde o direito a informação, passando pela liberdade de imprensa e a liberdade de expressão, terão momento de reflexão.

 

“Não fazer a lei é uma forma de fazer lei1” (citação)

 

Enfim é sobre tudo isso que gostaríamos de discorrer, sem ignorar os aspectos históricos de proeminente relação com a realidade do nosso país, marcados por um percurso, nem sempre linear  das rádios comunitárias, cujo nascimento, mais reflecte insatisfações das  comunidades, relativamente ao modo incompleto, ou  silêncio quase que total, quando houve necessidade de fazer sair a sua voz, nos meios de comunicação formalmente mais institucionalizados, de cobertura nacional ou privados comerciais.
 


UMA BREVE HISTÓRIA

 

Como é do conhecimento geral, a invenção do rádio é creditada ao físico italiano Guglielmo Marconi, que em 1896 conseguiu realizar a primeira transmissão de ondas, sem o uso de fio a uma distância de aproximadamente 3 quilómetros.

 

Há também referências sobre uma experiência de transmissão à distância de 8 km, feita por um padre no Brasil, Roberto Landell de Moura 1893-1894.

 

No entanto, Marconi consta como inventor do rádio por ter registado o primeiro transmissor de sinais à distância.


A primeira emissora de rádio a operar com licença comercial foi a KDKA, nos Estados Unidos, na cidade de Pittsburgh, em 1920.  Era a concretização de um processo que começou no século dezanove, a partir da industrialização e do crescimento das relações comerciais. (Diferente do que se tem passado/desenvolvimento).

 

Diz a literatura, que a sociedade da época já contava entretanto com soluções como o telégrafo sem fios e o rádio como meio de comunicação bidireccional, usados para trocar mensagens entre dois sujeitos afastados fisicamente. Foi David Sarnoff, um russo radicado nos Estados Unidos, que lançou a ideia de transformar o rádio em um meio de comunicação massiva.

 

Coube à Westinghouse Electric Company, a partir de experiências de transmissão do engenheiro Frank Conrad, impulsionar a idéia de Sarnoff. Conrad introduziu os principais conceitos de radiodifusão a partir das transmissões experimentais realizadas de sua garagem, em Wilkinsburg, no estado norte-americano da Pensilvânia: as ideias de estação, público, programas e anúncios.

 

RADIO COMERCIAL QUAL É A ESSÊNCIA E A QUEM SERVEM?


Todos nós entendemos mais ou menos  qual o propósito duma rádio comercial (colocar serviços radiofónicos, produzir notícias, transmitir publicidade. As rádios procuram através de estratégias bem concebidas, conquistar espaços de mercado, cativando públicos. Estabelecem  aviamento comercial, com o qual reforçam os seu activos).


 
Quem vem ao mercado fazer negócio, tem por objectivo o lucro. Quanto mais não seja para concretizar ciclos produtivos que permitam a sobrevivência da organização!  Assegurar boa equipa de trabalhadores, competentes, o que equivale a pagar bons salários, pressupõe ter estratégias.  Sendo o lucro o elemento motivador número um das empresas nas economias de mercado as rádios não são excepção.

 

Pois assegurar uma estrutura de custos que comparta salários, gastos com inputs, etc, pressupõe também manter uma boa relação com clientes e fornecedores, de modo que  não poucas vezes a relação se transforma de  cumplicidade  inevitável. E quando assim acontece, não raras vezes o compromisso moral degenera em interferências recíprocas.

 

Quantas não são as vezes em que determinada matéria noticiosa, tendo primazia sobre outra também relevante, não é relegado para segundo plano?; quantas vezes um tema não é suprimido da agenda de noticias (com a alegação de que esta matéria fere a linha editorial?).

 

Não agradando determinado fornecedor ou cliente estratégico, o assunto morre. São os interesses e alianças  de grupos empresariais!1.


As rádios comerciais são neste capítulo presas de  vontades empresariais e não escondem isso!

Por seu lado, quantas vezes os temas políticos, acontecimentos que envolvem as altas figuras do Estado, acabam por  preencher a abordagem temática dos longos espaços noticiosos nas emissoras públicas de cobertura nacional!? Muitos deles sem interesse comum!

 

É neste ambiente que as questões locais, preocupações das comunidades tendem a ser preteridas para terceiro plano.


Por exemplo, a projecção de soluções dos problemas que afectam os emigrantes, os problemas dos grupos minoritários esquecidos, demandaram que fossem eles próprios a organizarem-se para projectar soluções. Trazer estas preocupações ao conhecimento público, suscitar a sensibilidade dos decisores, pressupunha fazer ecoar as suas vozes. 


O surgimento das rádios piratas teve na sua origem este quadro. Por outro lado, está comprovado que temas e preocupações de comunidades mais pequenas, são melhor tratados por aqueles que os vivenciam!

 

A problemática da falta d’agua potável na Ebanga ou na Ganda seria um assunto de actualidade. Mas teria menos importância na emissora pública. Quando o tema suscitaria interessantes debates ao nível local, com participação da comunidade, dos quais resultaria o encontrar de soluções locais, ou caminhos que fossem a apelar às outras instâncias neste sentido.


Nada melhor do que serem os filhos nativos da missão do Dôndi/Katchiungo/Huambo, ou que por lá alguma vez passaram, a debater vias de solução para a sua recuperação de modo a torná-lo hoje um centro universitário.

 

Este tema  pouco interessa aos residentes do Kazenga na província de Luanda, por uma série de razões. É que os residentes deste município terão por certo várias outras preocupações, como a criminalidade, a falta de saneamento básico, por via disso as altas taxas de morbi-mortalidade  causadas pelo paludismo.

 

A problemática da devastação da população florestal de eucaliptos no Katchiungo tem grande implicação na produção do mel cuja produção poderia estar ameaçada. A abordagem do assunto talvez pouco interesse aos noticiários da rádio pública com estúdios em Luanda ou em qualquer outro sítio.

 

Já um problema sobre um surto de cólera ao nível de províncias circunvizinhas, talvez seja um assunto de interesse regional.

 

Estes são apenas alguns dos exemplos. Existem vários outros que poderiam ser citados, para justificar que é o preenchimento deste vazio que  explicou o surgimento das rádios comunitárias. Ou seja concebidas por locais, comunidades ou grupos sociais (emigrantes, minorias) que procuram abordar questões que eles próprios dominam que mais ninguém o faria com a mesma propriedade.

 

É no contexto de marginalização que se têm justificado a criação das rádios comunitárias.


RÁDIO LIVRE


A ideia de emissoras alternativas e autónomas, desvinculadas dos padrões  institucionais impostos pelo controle estatal, não é de agora. Embora o termo rádio livre esteja mais associado às emissoras que surgiram nos anos de 1970, o fenómeno existe desde o início da radiodifusão. Mas foi na década de 1970, associado aos movimentos liberais europeus, em especial na Itália e na França, que ganhou impulso político, proliferando-se as emissoras locais de pouco alcance. Acredita-se que a primeira rádio de carácter livre tenha sido uma emissora sindical que surgiu na Áustria em 1925.

 

O surgimento da rádio comunitária não sucedeu de forma linear, como também não foi pacífica perante a resistência dos poderes instituídos, seja na Europa, na América latina e na Austrália.


Esteve também associado a luta travada entre a sociedade, na busca de materialização das liberdades fundamentais, com mais   jovens desejosos de exercitar a arte radiofónica e a paixão por ela.


Na América Latina destacam-se a experiência do Chile, onde o fenómeno tomou conta da sociedade em finais dos anos 80 quando em alguns bairros mais populares de Santiago e também nas províncias implantaram-se as primeiras rádios. (Com funcionamento em horarios vespertinos, aos finais de semana. Seus promotores pertenciam a grupos sociais, jovens que se opunham ao regime militar da época 1973-1990).

 

Este é um movimento que cresceu, sobretudo com a criação de organizações afins que.  No Brasil, por exemplo, a rádio DKI S. Paulo foi ao ar ilegalmente em 1933. E manteve esta condção por três anos, até sofrer intervenção policial e legalizar-se, em 1936. Por isso, o fenómeno não é tão recente quanto alguns podem pensar.

 

As rádios eram inspiradas mais por um espírito de “rebeldia” sem muito compromisso. De um modo geral, eram jovens entusiastas que queriam apenas praticar a arte da radiofonia2.

 

EM ANGOLA AS RÁDIOS CLUBES


Surgiram no tempo colonial e nesta altura teriam configurado grande parte da semente para o que seria hoje a rede de radiodifusão que o país teria não fossem os acontecimentos do pós-independência.


Com surpreendente constatação, a autoridade colonial assistiu o surgimento de  dezenas de rádios piratas em Angola. Integravam o grande acervo patrimonial (estruturas próprias, equipamentos próprios, bons recursos humanos, produziram bons profissionais de rádio). Elas, as rádios existiam em número considerável. Jogaram papel crucial na promoção cultural, sobretudo da música popular de Angola.


A par disso o parque gráfico que permitiu que fossem impressos diversos  jornais e revistas.


(Ver dados do livro de Sebastião Coelho)


E hoje? O QUADRO JURÍDICO DA ANGOLA DEMOCRÁTICA


• Escusado é dizer-se que a liberdade de expressão e de imprensa tem consagração Constitucional!
Angola é signatária de vários Tratados Internacionais: a Carta Africana dos Direitos do Homem; a Convenção de Johannesburgo dos Direitos Civis e Políticos.


• Escusado é dizer-se que toda a legislação em vigor devia ser interpretada com  atenção as normas de direito internacional das quais Angola é parte.

• Escusado é ainda falar-se sobre o processo de reforma legislativa no sector da Imprensa lato sensu, em vista da criação dos fundamentos para a construção do Estado democrático,  que não sobrevive a ausência da informação plural, diversificada. (O processo teve início em 1991, com os Acordos de Bicesse). Mas na prática, o processo de reforma parou.

• A transição política de Angola não está completa. Persistem as reminiscências do partido Estado, principalmente nos meios de comunicação social, arrebatados do povo.


• Escusado é também debater-se sobre uma  lei de imprensa aprovada em 2006,  que no dia 3 de Abril completará 5 anos sem a respectiva regulamentação, contrariando o que postula o Artigo 87) do referido diploma que obrigava que tal fosse feito no prazo de 90 dias;


• Escusado é ainda denunciar a estratégia de tornar o sector estagnado. Sem desenvolvimento de pluralidade, sem o contraditório na imprensa pública, não há democracia;

Num contexto como este, com um governo predador, deixa que vos diga em conclusão, com mágoa: estagnamos. Angola não tem rádios comunitárias. Esta é a verdade,  ainda  a ministra da Comunicação queira passar uma ideia contrária a sociedade!
A descentralização da gestão de emissoras da rádio pública em Angola, não pode já ser vista, como o concretizar deste modelo comunitário.

 

O QUE É UMA RADIO COMUNITÁRIA

 

Uma rádio comunitária, é segundo a literatura aquela radiodifusão sonora concebida geralmente  em frequência modulada (FM) de baixa potência (25 Watts) e cobertura restrita a um raio determinado a partir da antena transmissora.

 

Podem explorar esse serviço somente associações e fundações comunitárias sem fins lucrativos, com sede na localidade da prestação do serviço. As estações de rádio comunitárias devem ter uma programação pluralista, sem qualquer tipo de censura, e devem ser abertas à expressão de todos os habitantes da região atendida3.

 

Existem outras definições. O que fica ressaltado basicamente, é o sentido da iniciativa comunitária, o sentido de independência dos poderes políticos, o sentido da estrutura e organização muito peculiares.


São três premissas para as rádios comunitárias, segundo o MISA- media institute of southern Africa* :


• Disponibilidade aos residentes na comunidade para que participem e expressem necessidades e pretensões ou discutir os assuntos de interesse, permitindo que as pessoas exerçam o seu direito de comunicar através de conteúdo não discriminatório;
• Acessível para todos os membros o que inclui a utilização das línguas faladas na comunidade;
• Não tem objectivos lucrativos;
• Aceitação pela comunidade, como meio de comunicação cultural e como instrumento para o desenvolvimento.

 

De todos os sectores que defendem a democracia na comunicação, o movimento de rádios comunitárias tem um dos perfis mais populares.  O rádio, como um todo, é o meio de comunicação mais difundido. Tem maior número de ouvintes, para os povos do continente ( Angola não é excepção) representa uma ligação sentimental. Os altos níveis de iliteracia torna o meio de comunicação de eleição por excelência. 

 

ATÉ ONDE QUEREM CHEGAR OS DECISORES POLÍTICOS?


“Não fazer a lei é uma forma de fazer lei”

Segundo Tony Hodges, na sua obra Angola do Afro-estalinismo ao Capitalismo Selvagem, depois da assinatura do protocolo de Bicesse, ocorreram duas transformações, de três imperativas forçadas pelas armas,  pelo menos do ponto de vista formal:
• A transição da economia planificada para a economia de mercado. Pelo menos houve mudança no modo como as relações de produção passaram a ser efectuadas; Todo este processo foi acompanhado de produção legislativa mínima;
• No plano militar, a unificação das forças armadas;
• É no plano político onde as coisas pouco avançaram.

Com a aprovação dalguns diplomas sobre a imprensa em 1991, surgiram em Angola as primeiras rádios privadas: a LAC em Luanda, a rádio Morena em Benguela, a 2000 no Lubango e Comercial de Cabinda. Este era um processo a continuar. Mas o retorno à guerra, depois das eleições serviu para justificar os conhecidos retrocessos.
De modo que pouco mais foi produzido em termos de legislação, senão uma lei de imprensa não regulamentada que por isso mantém congelados direitos consagrados algumas vezes, mas noutras serve de instrumento de trabalho para os juízes criminalizar os jornalistas que caem em desgraça, como é o Armando Chicoca. A lei umas vezes vale quando convém, mas outras não.

 

Com o calar das armas há 9 anos, nada é aceitável para justificar a estagnação que se regista neste sector.

 

Sobre este aspecto em particular, o citado economista considera atribui como causa, a consciência dos dirigentes, sobre a importância que é reconhecida a  rádio no meio rural, enquanto instrumento de comunicação.


Em conclusão, os angolanos devem de ser mais ousados se quiserem reconquistar o seu direito a informação, essência da democracia, consagrada na Constituição. Se necessário, avançar para as emissões de rádio piratas, como foi no tempo da ditadura no Brasil e noutras partes do mundo.


Muito obrigado

Alexandre Neto Solombe

30 Março 11