Toronto/Luanda - O Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, não só advertiu os internautas e promotores das manifestações como fez saber que quando nasceu já havia muita pobreza em Angola e atribui as causas desta epidemia (pobreza) ao colonialismo português e a guerra civil. A este respeito, em síntese o professor Marcolino Moco em exclusivo ao Club-k salientou que "Nesta parte do discurso o Presidente foi simplesmente infeliz, especialmente sob o ponto de vista político" acrescentando no entanto que o presidente angolano "pela primeira vez, ter-se-á aventurado a escrever ele próprio um discurso de tamanha importância.

 

- “J&J”
Fonte: Club-k.net
  

Marcolino MOCO: Presidente empurrou novamente o país para um sistema de partido-estado com um palavreado diferente

 
O PR angolano que discursava durante a cerimónia de abertura da primeira sessão extraordinária do Comité Central do MPLA na semana passada apelou ainda à denunciarem os oportunistas que pretendem promover a confusão no país para a subversão da ordem democrática estabelecida na Constituição da República, e derrubar governos eleitos, a favor de grupos fantoches para beneficiarem interesses estrangeiros.

Para analisar cientificamente o “magno discurso” do líder do MPLA, o Club-k convidou/solicitou o ex-primeiro Ministro de Angola, o professor Marcolino Moco que - calorosamente - se disponibilizou em reflectir e perspectivar academicamente as “teses” mas polemicas do referido discurso. Transcrevemos a seguir a conversa"interactiva" na íntegra:

 
Club-k.net ("J&J") - “Quando éramos jovens, no tempo do colonialismo, sabíamos que a luta de emancipação dos povos era conduzida através de movimentos sindicais, de partidos políticos ou de movimentos de libertação nacional, que tinham como principais animadores líderes e pessoas de grande prestígio e capacidade, muito conhecidas na sociedade.” O Presidente da república concluiu que “Nas chamadas redes sociais, que são organizadas via Internet, e nalguns outros meios de comunicação social fala-se de revolução, mas não se fala de alternância democratica e que “Para essa gente, revolução quer dizer juntar pessoas e fazer manifestações”. Perante esta passagem pergunto: Será que o presidente angolano reconhece que vivemos numa era tecnológica em que o povo tem muito mas informações disponíveis comparado com a década dos 60 e que não necessita obrigatoriamente de um sindicato ou partido politico para liderar uma causa? 
Marcolino Moco - Efectivamente, na questão colocada está a resposta. Por isso é que a História ensinou, a Ciência Política e o Direito ofixaram e líderes avisados como George Washigton, Senghor, Nierere e Mandela, entre outros, aplicaram há tempos, o princípio de que os homens não devem permanecer no poder durante muito tempo, por mais excepcionais que eles sejam. Porque dificilmente um homem se desfaz das ideias do seu tempo e, sobretudo, o poder corrompe. Há que ir dando lugar a outras pessoas, a novas gerações e a novas ideias. O que não significa deixar o poder na rua. 
    
 
{xtypo_quote_right} hoje somos um sistema de homem-único {/xtypo_quote_right}“... o processo revolucionário teve carácter de classe e levou à tentativa de configuração de uma ditadura democrático-revolucionária, com um sistema de governo socialista baseado no plano económico único e na direcção centralizada da economia.” Disse o presidente, salientando no entanto que estes “dois modelos não vingaram, porque não foram capazes de proporcionar o exercício das liberdades e garantias fundamentais e o advento da prosperidade económica e social.” Sobre esta passagem do presidente muitos questionam. Será que o actual processo do presidente angolano tem granjeado sucessos a favor da classe nobre?
Quando chegámos à conclusão a que o Presidente se refere, em finais dos anos 80, eu era um jovem de 30 anos, em ascensão nas estruturas de direcção do Partido-Estado. Tendo sido governador de duas províncias do interior do país, sendo leitor assíduo das críticas que os últimos dirigentes soviéticos, especialmente Gorbachov, faziam ao sistema centralizado, tanto político como particularmente económico, entendi muito cedo o problema. Por isso fui dos mais entusiastas em relação às mudanças que se impunham e que o presidente parecia ter entendido tão bem. O problema do Presidente é que ele hoje empurrou novamente o país para um sistema de partido-estado,só que com um palavreado diferente ,em que bajuladores internos e externos se agarram para dizerem que somos uma república democrática e de direito normal. E diria mesmo o seguinte: hoje somos um sistema de homem-único, que até está consagrado na parte da organização do poder da Constituição de 2010; mas, o mais grave é especialmente a prática centralizadora que ultrapassa de longe o que é previsto pela constituição. Com um sistema assim, não há solução para nenhuma classe social de um vasto e multifacetado país.        
 

O presidente angolano disse ainda que em Africa “No fim dos anos 80 e começo dos anos 90 surgiram os processos democráticos que estão hoje em curso em quase todos os países em que o Presidente, o Governo e os Deputados são regularmente eleitos pelo povo.” Estatísticas e estudos sobre “Políticas e lideranças em África” apontam que em media os presidentes Africanos permanecem no poder mas de  15 anos consecutivos e muitos só abandonam por vias violentas -golpes e assassinatos- . Estudos revelam ainda que a maioria desses lideres participaram nas revoluções coloniais. Que observação tem a fazer sobre a dissertação do presidente angolano sobre as democracias africanas em vigor?
Pois, mas aqui é que está o problema. Como é que podem falar em alternância de presidentes que quando chega a vez do esgotamento dos seus mandatos alteram as constituições, com base em maiorias por vezes maticamente impossíveis, lá onde houvesse, por exemplo uma comunicação social minimamente livre, transmitindo de forma justamente repartida a mensagem dos concorrentes políticos? No caso do Egipto, por exemplo, nem oposição definida havia, a comandar a dita revolução, porque foi sendo eliminada ao longo dos anos. Foram camadas jovens indiferenciadas que povoaram Tahrir até o Presidente se ir embora. No caso de José Eduardo, ele teve um justificativo para permanecer no poder até 2002 (23 anos) por facilidades que aparentemente a teimosia belicista de Jonas Savimbi lhe terá proporcionado. Mas, seguindo a "africana" regra, bastou o seu partido obter uma maioria esmagadora para anular as eleições presidenciais que estavam marcadas para o ano seguinte (em que fazia 30 anos de poder), reconduzir-se por mais de dois anos sem ser eleito e alterar o sistema de eleição presidencial por sufrágio, em voto separado, directo e universal, por outro em que o presidente aproveita boleia do partido vencedor nas legislativas. E tudo isso sem recurso a qualquer referendo; e tudo isso contra os programas, moções e agendas apresentadas nas eleições legislativas anteriores pelo seu próprio partido. É muito cinismo esperar que os concorrentes, todo o povo e especialmente os jovens acreditem em alguma alternâncias, nestas condições!
 

{xtypo_quote_right} A longevidade dos seus líderes {/xtypo_quote_right}“O que eles pretendem fazer não é a revolução. Chama-se confusão, subversão da democracia ou da ordem democrática estabelecida na Constituição da República. O presidente da república não estará a ignorar o parecer de alguns citadinos e da classe intelectual que tem alertado constantemente que a actual Constituição da República não representa o real interesse da maioria da população (...)
É a história de Esopo, a do lobo e do cordeirinho. O lobo a beber a montante e o cordeirnho a juzante. Mas, por fim, quem sujou a água do senhor Lobo foi o cordeirinho. O cordeirinho ainda balbuciou que estando ele do lado para onde a água corria, não podia sujar a água do senhor Lobo. Mas o lobo imperial rotorquiu que ia devorá-lo  por castigo; que de facto não tinha sido ele, o cordeirinho, que lhe sujara a água naquele dia; tinham sido os seus pais, aí uns dias antes. Para dizer que quem tem armado confusão e subvertido a ordem democrática estabelecida nas constituições são os nossos "queridos" presidentes. Por ainda pensarem como Luis XIV: "L'état cést moi".  Aqui, quem subverteu a ordem democrática chama-se José Eduardo dos Santos, em 2009/2010.

 
O chefe da nação angolana considera que “Hoje há uma certa confusão em África e alguns querem trazer essa confusão para Angola.”? É esta via de provocação que estão a escolher para tentar derrubar governos eleitos que estão no cumprimento do seu mandato.” Em que circunstâncias o povo goza de poder para remover governos que não cumprem com as suas obrigações ou que executam projectos não especificados durante as campanhas eleitorais? 
Na verdade, a ligação que aqui em Angola se fez aos acontecimentos do Magreb e outros Estados árabes, não foi tanto pelo incumprimento do prometido nas eleições de 2008, até porque o mandato ainda não terminou. O que as pessoas fazem, sobretudo os jovens, é estabelecer o paralelo das principais causas daquelas revoluções que são nomeadamente: a longevidade dos seus líderes, o desrespeito pelos direitos humanos e o saque, nem sequer disfarçado, dos respectivos tesouros públicos por  si e seus familiares. É evidente, que nestas circunstâncias, as pessoas não se devem admirar se vêm ao de cima as questões de carácter mais imediato como a pobreza e a miséria. Foi justamente o alerta que eu fiz, a quando da aprovação da nova constituição, contra  princípios da nossa Constituição Histórica. Acredito que, sobretudo se o Presidente de Angola não desse aquele sinal de querer eternizar-se no poder ou passá-lo de forma irregular, não teria havido tal extrapolação. Pergunte-se se a houve, pelo menos na mesma dimensão que agora o assusta, em Moçambique, na África do Sul ou na Namíbia? Com certeza que não.        
 

Sobre a pobreza em Angola um dos pontos mas polémicos o presidente argumentou. “Nunca ninguém disse que não há e esta situação não é recente. Quando eu nasci e mesmo quando os meus falecidos pais nasceram já havia muita pobreza na periferia das cidades, nos musseques, no campo, e nas áreas rurais. Conhecemos a origem da pobreza em Angola. Não foi o MPLA nem o seu Governo que a criou. Esta é uma pesada herança do colonialismo e uma das causas que levou o MPLA a conduzir a nossa luta pela liberdade e para criar o ambiente político necessário para resolver esse grave problema.” Acredita que as justificações apresentadas pelo presidente da república que coincidentemente foi um dos defensores contra a pobreza e injustiças durante o sistema colonial foram as mas apropriadas e lógicas? 
Nesta parte do discurso o Presidente foi simplesmente infeliz, especialmente sob o ponto de vista político. Dizem alguns que isto aconteceu porque, pela primeira vez, ter-se-á aventurado a escrever ele próprio um discurso de tamanha importância. Aliás, como amante que sou da literatura angolana, ficaria surpreso se me dissessem que foi o escritor Mena Abrantes, a quem é normalmente atribuída a função de "ghost writer" do Presidente, que trocou "peixe podre" por "peixe seco", do poema de António Jacinto, o que não é exactamente a mesma coisa. Colocando aqui um pouco de humor, "peixe seco" é comido por gente de muito boa cepa, em suculentos "calulus". Poucos jovens  e mesmo pessoas mais velhas terão aceitado aquela argumentação desastradamente passadista.

 
Ainda sobre pobreza o presidente disse que este problemas reduziu de 70 por cento em 2002, para cerca de 37 por cento para 2010. Estes dados justificam a realidade quotidiana?

{xtypo_quote_left} Eduardo dos Santos subverteu a ordem democrática {/xtypo_quote_left}Não posso confirmar ou desconfirmar esta estatística mas, volto a frisar, o problema não é só da pobreza em si. A pobreza e a miséria multiplicam-se, em termos psicológicos, quando o cidadão é cinicamente tratado. Por exemplo, na nossa comunicação social, onde a exploração do Canal 2 da Televisão foi entregue a filhos do Presidente, e onde as principais reportagens são feitas não com base numa análise crítica, ou pelo menos objectivamente neutra, mas de forma laudatória ao Executivo e ao Presidente, como aliás, aconteceu com o próprio discurso que estamos a analisar, as pessoas se dão conta que o que se diz de bom, nem sempre corresponde à realidade do terreno. Por outro lado, quando todos sabem que neste país ninguém faz nada de importante sem a ordem do Presidente, e onde foi prometida a construção de um milhão de casas, muitas pessoas não vêm essas casas (até podiam ter alguma paciência e esperar) mas muitas vêm as suas casas partidas e, com um pouco de sorte, são lançadas em tendas, em nome de um desenvolvimento que não os pode beneficiar de imediato. Apesar de isso ter sido também tema da parte dos nossos poetas e cantores na era colonial, os mais velhos passam aos mais novos a ideia de que nem nesse tempo isso era feito com tanta crueldade; em nome desse progresso, mercados tradicionais, alimentando milhares e milhares de bocas, como o Roque Santeiro, e o do Ponto Final da ilha de Luanda, são fechados apressadamente em projectos executados mas não elaborados pelos governos provinciais e administrações locais que poderiam prever as desastrosas consequências, porque o poder vem de cima; e algumas vezes esse desenvolvimento refere-se a construção de empreendimentos de pessoas perto do poder ou familiares. Quando se passa por problemas gravíssimos de água e luz nas cidades e bairros periféricos, constroem-se estádios de futebol como nunca se viu, para um CAN que abafa completamente as impostas discussões sobre uma constituição apresentada de forma traiçoeira, para não dizer trapaceira. Em quase todos os jornais fala-se de aquisições de grande vulto por Angola e pelo Mundo, especialmente em Portugal, por parte de pessoas ligadas ao Presidente, sem se explicar a origem do dinheiro, e não há uma preocupação mínima com desmentidos (neste aspecto talvez o desafio do presidente sobre quem encontrar as suas contas no exterior, talvez seja ao menos um mal menor, embora igualmente cínico; parece que pelo menos os cães ladraram e, desta vez, a caravana parou). É isso que agita ainda mais a pobreza e a miséria de muitos angolanos. Isso não é nenhuma campanha política de fantoches. É pura realidade.    
 
 
O presidente angolano classifica os manifestantes e críticos ao seu governo como “oportunistas, intriguistas e demagogos que querem enganar aqueles que não têm o conhecimento da verdade.” Os mentores das manifestações alegam em mudança e saída do presidente como líder da nação e reformas administrativas. Na há aqui uma má interpretação por parte do presidente?
Demagogos, intriguistas e oportunistas só vingam onde encontraram terreno preparado. Nos casos africanos que conhecemos,infelizmente Angola ainda não se afastou desse caminho, sob a liderança de José Eduardo dos Santos, são os regimes vigentes que lhes preparam o terreno. Por altura da aprovação da nova constituição, eu chamei de bomba retardatária, a forma de aprovação da mesma, bem como a forma de eleição presidencial  adoptada, contra uma cláusula pétrea da constituição então vigente. A final, a bomba não foi tão retardatária assim. Fui eu que tive que estar entre "os mais velhos" que aconselharam os jovens que ainda não se esgotaram os meios para se partir para revoluções do tipo magrebino porque viemos de um processo de paz recente. Penso que o Presidente José Eduardo, de que não sou opositor político, sou apenas um cidadão crítico-construtivo, deverá rever muitas coisas urgentemente e com coragem. Não o ajudarão os seus pares que continuarem a concordar com tudo  o que ele pensa e manda fazer; ou os poucos iluminados que como ele continuam a pensar, à moda antiga de que "quem pensa diferente de mim é fantoche".

 
No mesmo discurso o presidente disse que “Foi no musseque e no campo, nesse mundo de pobreza, que a maior parte de nós nasceu, cresceu e forjou a sua personalidade.” Mas adiante acrescentou que “Na Internet, alguém pôs a circular a notícia de que o Presidente de Angola tem uma fortuna de vinte biliões de dólares no estrangeiro. Ainda a este respeito, o lider do MPLA disse que ”Se essa pessoa fosse honesta e séria, devia indicar imediatamente ao Departamento de Inteligência Financeira do Banco Nacional de Angola (BNA) os nomes dos bancos e os números das contas em que esse dinheiro está depositado, para que o Tesouro Nacional possa transferir esse montante para as suas contas.” Assim sendo, por favor justifica o seguinte paradoxo. Num regime vulgo  -Atípico- na qual a constituição consagra todos os poderes ao presidente incluindo o poder jurídico será possível e com sucesso um cidadão comum exigir uma investigação profunda sobre os bens do presidente e seus familiares?
O meu amigo entrevistador já disse tudo e eu também já havia dito. Isto é o que se chama cinismo. Serviu muito bem alguns líderes da África antiga que vai morrer. Com os sinais que estão aí o melhor mesmo é mudar e tratar os cidadãos como seres pensantes, na nova África que começa a nascer. Mas já foi bom, como disse antes, que que desta fez os cães ladraram e a caravana não se limitou a passar.

 

Nós estamos num momento de reafirmação dos compromissos assumidos nas eleições de 2008”. A classe esclarecida argumenta que o MPLA nas últimas legislativas tinha duas agendas: A Pública e a escondida. A primeira (pública) na qual incluía a construção de um milhão de casas para a classe desfavorecida, promoção da liberdade de imprensa e cuidar com zelo os bens públicos. A segunda (escondida) incluiu a reforma da Constituição eleitoral favorecendo o presidente a permanecer no poder sem eleições presidenciais e a falta de transparencia nos acordos com a China. Portanto, quais são os compromissos que o MPLA cumpriu na sua totalidade que beneficiaram directamente a classe pobre?
Não sendo nem governante nem da oposição, não me dedico a estatísticas sobre pobreza, nem a analisar o cumprimento das promessas eleitorais. A minha intervenção persiste no domínio da Cidadania e do Direito que é uma especialidade académica a que continuarei a dar prioridade  nos próximos tempos. Sob este ponto de vista não sou eu que o confirmo. É toda a sociedade que o viu: houve claramente duas agendas aplicadas de forma autoritária e abusiva. Só uma correcção: até onde as coisas mudaram, a agenda escondida só era do Presidente. Todos viram que durante algum tempo, o Presidente dizia uma coisa e os porta-vozes do MPLA diziam outra; até que se viu que havia uma determinação irresistível: o comando-único tinha que ser cumprido e aí apareceram os alfaiates, meus colegas no ofício jurídico, a coser o fato que o Presidente queria.


Ainda no referido discurso José Eduardo dos Santos alega que em Angola, “há liberdades de expressão e de pensamento” justificando no entanto que jornalistas dizem e escrevem o que bem entendem, chegando alguns a ofender dirigentes e o Presidente da República e membros da sua família e, que eu saiba, nenhum deles está preso”. Acredita que democracia em geral revela-se unicamente com a existencia de jornais privados, ONG’s, associações e a realização de eleições legislativas?
O grande problema de muitos dos líderes africanos, é pensarem que devem impor o seu conceito subjectivo sobre as coisas, como se o facto de serem líderes lhes conferisse o poder de saber de tudo. Por exemplo, se eu fosse Presidente da República, já saberia de Engenharia, Arquitectura,  Silvicultura, etc, etc.. Em relação ao Direito então, mesmo se fosse apenas deputado, eu saberia mais de  Direito e de Filosofia de Direito do que os Professores Jorge Miranda, Gomes Canotilho, Hans Kelsen  Norberto Bobbio  ou John Rawls. Foi compreendendo perfeitamente este enigma que a História acaba de inscrever nos seus anais a passagem de um  líder extraordinário no Brasil de nome Lula, que sem referências académicas de relevo, apoiando-se nas capacidades de uma liderança sem complexos e libertadora de sinergias, foi capaz de realizar a obra que deixa para a posteridade. Pois a vida ensina que os conceitos relevantes, mesmo no domínios de ciências humanas como a Política, o Direito e a História ,  são cientificamente elaboradas, contribuindo, deste modo, para a harmonização e estabilidade das sociedades. Na verdade, se os seus assessores naquelas áreas o pudessem abordar sem constrangimentos, o Presidente José Eduardo veria que anda muito longe do que se entende por "liberdade de expressão e pensamento" e daí aquela referência ao conceito de "manifestações não autorizadas" que não existe nem na nossa Constituição nem na legislação internacional, fora dos estados de emergência ou de sítio que não são vividos por Angola, neste momento. 


Perante este controverso discurso se tivesse a oportunidade de participar num debate aberto -tal como existe em países realmente democráticos- com o Presidente da República quais seriam as três questões a coloca-lo? 
O meu amigo sabe que isto é uma hipótese muito longínqua, porque dos Santos nunca se expõe a tal tipo de questionamentos, nem na Assembleia Nacional, muito menos na comunicação social. Diz coisas importante diante do seu Partido e nas poucas visitas de Estado, fora ou dentro do país. E, repetindo que eu não sou opositor político, vou reservar-me o direito de não formular tais questões que se podem presumir, aliás, em tudo que acabo de dizer. Só auguro que consiga evitar que tenhamos de viver mais revoluções, depois de tantas que a sua e minha gerações já viveram, abrindo de forma transparente os caminhos para uma participação de todos, sobretudo compreendendo que o futuro aos jovens pertence.


{xtypo_quote_right} M. Moco: Na verdade eu nunca dei tréguas às tentativas de retrocesso ao processo democrático {/xtypo_quote_right} Saindo um pouco do tema sobre a última intervenção do Presidente angolano. Tenho quatro pontos relativamente conectados e que gostaria de por em mesa para serem analisados. Como primeiro aspecto: A Assembleia Nacional aprovou favoravelmente ao novo pacote legal sobre regulação da imprensa e particularmente sobre os “medias digitais” -internet-.  Que passos podem ser dados para que o PR não promulgue  esta lei tal como foi concebido. Por outro lado, se este pacote for promulgado sem emendas, que  benefícios terá para a promoção da pluralidade de ideias? 
Pelo que me dizem, tal pacote legislativo, que redundaria na criação de algumas normas inconstitucionais, terá sido congelado, o que significa que com os chamados ventos do Norte, as nossas vozes começam a ser ouvidas. É aqui mais uma vez a caravana a não limitar-se a ouvir os cães a ladrar. Bem haja.


O presidente angolano no seu último discurso omitiu um tema que todos esperavam. O envolvimento e tratados que o governo de José Eduardo dos Santos teve nos últimos tempos com o presidente  da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo. Acredita que o presidente angolano tem o dever moral de dar uma justificação ao povo a este respeito? 
Pois este apoio fora dado antes dos acontecimentos do Norte, ou, quando eles ainda não tinham atingido a escalada que alcançaram. Neste âmbito, o Presidente quis mesmo passar para a África, a sua teoria do "Presidente Constitucional", para resolver as crises. mas, saiu-se mal. Em 2008, publiquei um relatório de Mestrado em que falava da evolução do conceito de constituição e seus reflexos no conceito de soberania. Nessa altura muitas pessoas não entenderam que eu aludisse ao cerceamento da soberania dos Estados, quando se trata de defender terminados valores como os direitos humanos e salvaguarda da paz. Neste momento temos a ilustração do que aí se dizia. A União Africana já não vai tolerando o abuso do conceito tradicional de soberania; as Nações Unidas vão se tornando cada vez mais intransigentes em relação a líderes nacionais que abusam de poderes legitimados ou não, alegando a soberania dos seus Estados. A Angola dos actuais líderes, teve de entender isso à pressa e recuou. Só o Jornal de Angola é que se vai lamentando das interferências externas em África, esquecendo que a soberania foi concebida para proteger o cidadão e não para o sufocar; e que quem não põe a sua casa em ordem, arrisca-se a ver a aglomeração de vizinhos, agradáveis ou desagradáveis, à porta. O Presidente dos Santos que nem tem muito jeito para  justificações do que vai fazendo, e parecendo que cada dia se torna mais perito nisso, deve é pensar muito seriamente, em mudar todo paradigma de actuação, para o seu bem  e para o bem de todos nós.


Analistas políticos, observadores independentes, população em geral e inclusive em alguns grupos restritos ligados ao MPLA -em anonimato- afirmam que o actual líder não estar atento com as transformações políticas e económicas exigidas no presente século na qual tornando-o assim inapto para liderar o país rumo ao próximo século. Compartilha com este parecer?
Perfeitamente. A única diferença com estes sectores que não são tão restritos assim, mesmo no partido, é que eu assumo as minhas responsabilidades históricas como entidade visível na sociedade, pelos cargos que fui assumindo, porque acho que esta pressão pode ser relevante para alertar que há caminhos outros do que os que estão a ser perigosamente seguidos, como se as coisas não chegassem para todos.

 
Como última questão, muito frontal e directa. Que diferença existe no MPLA de hoje em relação ao MPLA de ontem na qual era o primeiro Ministro?
No meu tempo, começo pela altura que entrei para o Comité Central, em 1985, as discussões eram todas a porta fechada, mas nós discutíamos e questionávamos o Presidente e ele tinha que se explicar e explicava-se. No início de 1990, à luz dos acontecimentos do Leste e da queda do muro de Berlim, eu propus que as teses que vieram da sede do Partido a tentar introduzir mudanças cosméticas regressassem para serem realisticamente reformuladas e isso aconteceu, e daí nasceu a constituição de 1991. Passado algum tempo fui eleito Secretário Geral do MPLA, por voto secreto, embora como candidato único, apresentado pelo Presidente, no seio do Comité Central, onde eu já era um influente secretário para os assuntos políticos. Em 1992 sou nomeado Primeiro Ministro, num período que não conheceu nem um minuto de paz, e, mesmo apoiando o Presidente, que também era o do Partido, nunca deixei de emitir ideias próprias. Aquelas pessoas que insistem hoje que eu me devia calar porque participei na montagem do sistema estão completamente equivocadas. Na verdade eu nunca dei tréguas às tentativas de retrocesso ao processo democrático e não é difícil entender que foi por isso que, de forma cínica, ao lado de outras grandes figuras do Partido, como o próprio então Secretário Geral do Partido, fomos afastados da direcção do Partido, no Congresso fantasma de 1998. É desta altura para cá que  dos Santos transformou o regime democrático numa estrutura que ele próprio não se inibe de chamar de "atípica":  um partido completamente vergado a si, onde qualquer tipo de ideia diferente é castigado com métodos cínicos; uma comunicação social  pública a funcionar plenamente sob a batuta da censura e auto censura; instituições pessoais como a FESA,  o Movimento  Espontâneo, Ajapraz e outras associações familiares transformadas em entidades de utilidade públicas vs a marginalização de outras associações e entidades da sociedade civil. Embora esta estrutura estivesse a ser montada sorrateiramente no tempo em que eu me encontrava na direcção  do MPLA e especialmente como Primeiro Ministro, não era possível, com a nossa presença lá dentro que as coisas funcionassem como a pouca vergonha que está hoje.


 
 * O Club-k.net tentou mas sem êxitos até ao presente momento ouvir a posição do MPLA (…)

 

Artigo relacionado:

Discurso do Presidente José Eduardo dos Santos na reunião do Comité Central