Luanda - Apesar de ser um dos Chefes de Estado mais antigos de África, José Eduardo dos Santos é dos que menos fala, tanto à Comunicação Social como ao País directamente. E quando fá-lo, é através de discursos cuidadosamente escritos, que lê religiosamente. Dali que os seus pronunciamentos sejam geralmente racionais e serenos. Desapaixonados.


Fonte: SA

Em jeito de análise crítica

Não foi isso que aconteceu no discurso de abertura da reunião do Comité Central do MPLA da passada Sexta-Feira. Vimos um PR emocionado, a tocar as raias da melancolia. Como que desiludido – cansado talvez seja o termo – com a onda de críticas que a sua governação vem recebendo nas redes sociais na ressaca dos acontecimentos do Magrebe e da Costa do Marfim. Numa atitude até agora inédita, JES queixa-se de ser insultado, ele e a sua família. «Há dezenas de anos que membros de ong’s e jornalistas dizem e escrevem o que bem entendem, chegando alguns a ofender dirigentes e o Presidente da República e membros da sua família e, que eu saiba, nenhum deles está preso!» -- disse textualmente.

 


Impõe-se aqui uma análise objectiva e serena ao discurso do PR, pois parece que ele ficou eivado de alguns erros de certa maneira graves de leitura dos sinais dos tempos.  O primeiro prende-se com a conjuntura da sua juventude que ele recorda com alguma nostalgia: «Quando éramos jovens, no tempo do colonialismo, sabíamos que a luta de emancipação dos povos era conduzida através de movimentos sindicais, de partidos políticos ou de movimentos de libertação nacional, que tinham como principais animadores líderes e pessoas de grande prestígio e capacidade, muito conhecidas na sociedade. (…) Hoje há uma certa confusão em África e alguns querem trazer essa confusão para Angola» diz o Presidente.


Na verdade, ele tem razão. No seu tempo era assim. Não existia a INTERNET e as pessoas protestavam através destas organizações que eram os espaços sociológicos disponíveis. Mas os jovens daquele tempo – um dos quais o próprio Presidente – possuíam a mesma capacidade dos jovens actuais de quebrar os paradigmas estabelecidos e às vezes socialmente aceites para construir os alicerces de um Mundo novo, mais desenvolvido e de acordo com as exigências tecnológicas cada vez mais evoluídas. Assim foi que o jovem JES, considerado como um jovem calmo, dedicado à música, ao desporto e aos estudos, ao invés de terminar a sua formação no Salvador Correia de Sá e quiçá a Universidade de Angola, decidiu arriscar tudo isso e a sua vida para fugir para as matas. O jovem JES quebrou o paradigma de uma carreira tranquila no funcionalismo público colonial para lançar-se numa aventura na altura idealística e incerta da construção de uma Angola nova, onde todos os angolanos beneficiassem das enormes riquezas que o País possui.

 

O Presidente deve por isso compreender a sede romântica e libertária desses jovens do nosso tempo que, descontentes e impacientes com o enorme desequilíbrio na distribuição das riquezas do país, lutam pelos seus ideais. Engraçado que esses ideais são os mesmo que nortearam os jovens da geração do PR: uma Angola mais justa.

 

Só que, ao invés dos jovens do nosso tempo fugirem para as matas e pegarem em armas, hoje usam esta ferramenta que transformou o Mundo numa Aldeia Global: A INTERNET. Através dela comunicam-se, organizam-se, mobilizam-se e manifestam-se. Num espaço totalmente virtual é quase imbatível porque reside nas mentes dos seus actores. Como banir ideias das mentes das pessoas senão com outras e novas ideias? Porque neste espaço, que não é físico também surgem «líderes com ideais, programas e estratégias de luta, que divulgavam para conhecimento de todos, os quais definiam claramente o inimigo e determinavam quais eram as forças aliadas» como definiu o PR os líderes do seu tempo.

 

É verdade que instalou-se no País a partir de uma dada altura «(…) processos democráticos (que) baseiam-se, entre outros, no princípio da alternância democrática, o que quer dizer que os dirigentes e deputados que estão a governar disputam em eleições os votos dos eleitores, com as pessoas indicadas pelos partidos da oposição, e quem conseguir a maioria desses votos ganha o direito de governar no período seguinte. Quando os que estão no poder ganham, há continuidade. Quando os que estão na oposição ganham, há alternância democrática do poder, porque os que lá estavam saem».Mas ainda assim há insatisfação no seio da juventude – a maioria da população. E porquê? Porque os processos democráticos não se resumem nem se esgotam em eleições. O que os jovens hoje reclamam é uma maior participação cidadã na condução das coisas da Nação. Dali que, a visão que o voto popular, por mais expressivo que seja legitima a falta de ética e humanismo no exercício do Poder, hoje por hoje está desajustada como uma carreira na administração colonial desajustou-se com os ventos libertários do continente.

 


Não compreender e não lidar com esta realidade é um erro que, a ser cometido por gestores com responsabilidade de Estado, pode perigar os ganhos da Nação e levar o país ao caos que resulta das revoluções populares – cuja principal característica é destrutiva, desde que existem. Por isso, não é certamente prudente tratar estes jovens, que são nossos filhos e que constituem o futura da Nação «(…) os oportunistas, os intriguistas e os demagogos que querem enganar aqueles que não têm o conhecimento da verdade».

 

{xtypo_quote_right} Ou enriquece a maioria dos angolanos, ou «re-divide» {/xtypo_quote_right} Já Pôncio Pilatos, posto perante a dicotomia filosófica da Verdade perguntava antes de condenar Cristo que sabia um homem justo: «o que é a Verdade?»  É verdade que «nas chamadas redes sociais, que são organizadas via Internet, e nalguns outros meios de comunicação social fala-se de revolução, mas não se fala de alternância democrática». Mas é outro erro de leitura dos sinais dos tempos aferir que «para essa gente, revolução quer dizer juntar pessoas e fazer manifestações, mesmo as não autorizadas, para insultar, denegrir, provocar distúrbios e confusão, com o propósito de obrigar a polícia a agir e poderem dizer que não há liberdade de expressão e não há respeito pelos direitos» e que portanto «é esta via de provocação que estão a escolher para tentar derrubar governos eleitos que estão no cumprimento do seu mandato».Porque essas coisas são normalmente ultrapassadas através do diálogo. Mas esse diálogo deve estar assente a percepção e respeito dos Direitos dos Povos, e no reconhecimento dos governantes como servidores dos cidadãos. Não fica bem que o PR diga num discurso oficial que «as manifestações, mesmo as não autorizadas» quando sabe-se que pela nova constituição elas dispensam esse procedimento.  E, embora reconheça-se algum exagero nos slogans dos jovens – é seu apanágio, como dissemos atrás – deve ser considerado normal num contexto democrático que se gritem slogans contra o titular do Poder Executivo, pois ele é o responsável individual da governação do País.

 

Quanto ao assunto da pobreza. Bem se pode falar do que disseram os poetas nacionalistas sobre isso. Foi para erradicar essa pobreza e dar aos angolanos um futuro melhor que a saga de jovens nacionalistas como o PR deram a sua juventude. Mas a verdade é que nem o MPLA, nem os seus dirigentes, nem o próprio PR algum dia explicaram como é que alguns, poucos, ficaram enormemente ricos (quase todos eles próximos do MPLA e do próprio PR) enquanto a grande maioria vegeta na pobreza.

 

Esse é, como dizia num artigo há alguns anos atrás, o último desafio do Presidente. Ou enriquece a maioria dos angolanos, ou «re-divide» o que está com os poucos em detrimento dos muitos. Enquanto isso não acontecer, haverá mesmo contestação e os jovens, com a irreverência que lhes caracteriza, vão mesmo reivindicar o que consideram – com justa razão – seu também. E a INTERNET estará ali para constituir-se seu campo virtual, por mais teias de controlo que se lhe tente colocar. É que a INTERNET é o grande sinal destes tempos pós-modernos e não acredito que alguém, ou algo a consiga fazer parar.