Luanda - Uma caridade bem ordenada começa por si-próprio, diz a moral cívica. Esta é a razão pela qual escrevemos reiteradamente sobre a Província do Zaire de onde somos originários, pois, “criança que não chora, não mama” – diz uma sabedoria portuguesa.


Fonte: Angolense


Indo directamente ao assunto, vamos recordar aqui que as noticias sobre a Província do Zaire, uma das mais produtoras do Petróleo que serve de coluna vertebral da economia de Angola, continuam a ser tristes.

 


Sábado, 16 de Abril, um filho desta terra, natural do município central, Tomboko, telefonou a partir da vila petrolífera do Soyo a um primo dele residente em Luanda, para lhe informar que a família recebeu uma noticia desagradável sobre ele e pediu-lhe para que ligasse ao seu irmão residente no Tomboko, afim de a sossegar.

 

Este respondeu que não ligaria, porque o telefone daquele seu irmão está sempre desligado.

 

O senhor explicou-lhe que o telefone do irmão está sempre desligado, “não é por culpa dele, é por falta de energia”.

 

“Há cerca de um mes que a vila do Tomboko não tem energia eléctrica” – prosseguiu, sem outros detalhes, acrescentando apenas que “o abastecimento é feito com um gerador e mesmo quando há electricidade esta serve para iluminar a rua”.

 

“Mesmo aqui no Soyo onde eu me encontro temos água potável. As pessoas recorrem às velas e ao petróleo iluminante que compram dos comerciantes ambulantes congoleses provenientes da outra margem do rio Zaire (rio Congo), de Boma ou Moanda” – referiu.

 

O rio Zaire (rio Congo) serve de fronteira fluvial entre Angola e a RDC, precisamente entre a província do Zaire e a do Baixo Congo, do Soyo ao Noki.

 

“Ninguém acreditaria que, as vezes, os munícipes do Soyo consomem a água do rio Zaire ou dos seus afluentes (nsulu) e as ruas encontram-se quase na totalidade esburacadas” – prosseguiu o senhor que estava em visita àquela vila petrolifera, proveniente de Luanda onde reside, acrescentando que “a estrada do Soyo, precisamente no troço que vai ate ao desvio da Casa da Telha é actualmente quase intransitável”.

 

A conversa deixou o interlocutor boquiaberto, não acreditando no que estava a ouvir.

 

Qualquer pessoa que se desloca para o Zaire fica horrorizada pelo estado de abandono em que se encontra aquela província, apesar da sua enorme produção de petroleo.

 

 Muita gente diz que o Zaire produz mais petróleo que Cabinda, justificando-se a sua opinião pelo facto de a maioria das empresas produtoras que opera em Angola concentrar-se nesta província.


As multinacionais Chevron-Texaco, a francesa Total (ex-Elf Aquitaine), a italiana Agip, a britânica BP (British Petroleum), a portuguesa Petromar, a Schlumberger, e mesmo a SONANGOL exploration, operam na aérea marítima que se estende desde o Município de Ambriz ao Soyo.

 

O litoral marítimo do Zaire está habitado por plataformas petrolíferas off-shore e on-shore de varias naturezas, principalmente na área do Nzeto à Comuna de Kinzau, município do Tomboko.

 

Em Cabinda opera apenas a norte-americana Cabinda Golf Company (CABGOC).

 

Apesar de o Zaire jogar o papel de um dos principais pulmões económicos de Angola, a província não está representada nas direcções do Ministério dos Petróleos e da SONANGOL.

 

Nenhum filho do Zaire é Ministro ou Vice-Ministro dos Petróleos nem membro do Conselho da Administração (CA) da SONANGOL.

 

A Província do Zaire não é tida nem achada nas discussões ao mais alto nível sobre as políticas de exploração e distribuição do seu petróleo.

 

Recorde-se que no âmbito nacional, o Zaire não tem ministros, embaixadores, comandantes da Policia, empresários, contando apenas com dois generais (Pedro Sebastião das FAPLA-MPLA e Castro Ntonta do ELNA-FNLA) e um Governador Provincial.

 

O petróleo provem das terras de Ntotela (Rei ou Imperador do Kongo), a antiga potência colonial, Portugal, construiu uma refinaria em Luanda, e o governo do MPLA, colocou uma outra em Lobito, Província de Benguela, assim como um Instituto dos Petróleos no Sumbe, Província do Kuanza sul.

 

Mesmo as bolsas de estudos externas e internas da SONANGOL, os estudantes oriundos do Zaire não as beneficiam.

 

Por outro lado, fala-se que o Zaire beneficia de dez por cento (10%) das receitas fiscais anuais dos petróleos que o Governo cobra às empresas que exploram o petróleo na Província.

 

No entanto, o valor total das referidas receitas anuais dessas empresas assim como o que representam os 10% a que a Província tem direito estão no segredo dos deuses.

 

O tabu desses 10% é inquestionável ao ponto de constituir-se em segredo de Estado. Como são geridos e que se faz com esse dinheiro, so as autoridades provinciais sabem. O povo nada ve.

 

As ruas da responsabilidade do Governo provincial estão esburacadas, às populações faltam luz, água potável, saúde e educação.

Mesmo o asfalto resultante dos petróleos, não é aproveitado para asfaltar as estradas e as ruas do Zaire, excepto o troço rodoviário que liga o Nzeto à Mbanza Kongo.

 

Mesmo assim, deixaram as ruas interiores da vila de Nzeto e de Mbanza Kongo em picadas esburacadas.


No que diz respeito a circulação rodoviária, o trajecto do Libongo (Província do Bengo) ao Nzeto é um autêntico calvário para as viaturas. Os carros ao Zaire e regressam destruídos, os motoristas queixam-se unanimemente de molas e amortecedores quebrados e de pneus e travões gastos.

 

Um grupo de jovens originários do Tomboko organizou uma excursão para comemorar o aniversário do município. Testaram os depósitos e levaram combustíveis de reserva em bidões, pneus novos de socorro e outros acessórios.

 

Mesmo assim, devido ao estado desastroso da estrada, muitos carros tiveram os pneus e travões gastos e alguns deles regressaram à Luanda por cima de camiões.

 

Ultimamente, circulam informações segundo as quais, este troço de Libongo ao Nzeto onde apareciam ainda os restos de asfalto do tempo colonial foi raspado. Uns dizem que a circulação tornou-se menos penosa, mas outros insistem em considerar que em nada melhorou.

 

Dentro da Província, o Governo tentou tirar o Município do Noki e as suas comunas de Lufiku e Mpala do isolamento, abrindo uma linha de transporte intermunicipal de autocarros para àquela via.

 

A iniciativa é louvável, mas peca pelo estado intransivel da picada. Os autocarros não sao concebidos para circular em buracões. As duas estradas do Noki, tanto a que vai do Tomboko como a que passa pelo rio Mpozo e Kinga die Tava, são das piores que o Zaire tem, ao lado das de Kindezi, Kaluka, Serra da Nkanda e Luvaka.

 

Desde a independência de Angola em 1975, algumas das referidas picadas apenas beneficiaram de desmatações.

 

Ainda no Municipio do Noki, desabou a ponte sobre o rio Lue, situada entre as aldeias Sandulula e Tomboko de Nkiankumbu (Tomboko do Noki). A ponte tinha sido parcialmente destruída pelo rebentamento de uma mina durante a guerra civil, desde então as viaturas passavam de lado.

 

Como paliativo, o governo colocou alguns ferros por cima da ponte, permitindo a “passagem” de viaturas, com todos os riscos possíveis.

 

Voltando à situacao socioeconómica do Zaire, a Província continua a clamar pelos serviços de saúde com hospitais, pessoal médico, medicamentos e material adequados, escolas de todos os níveis, água potável e energia eléctrica.

 

A população do Zaire desconhece a água potável, a energia eléctrica e o gás de cozinha. Ela consome água bruta dos rios e poços, recorre a lenha para cozinhar e iluminar as casas, a kipoyo (tipóia) para o transporte dos doentes, compra remédio na rua através dos comerciantes ambulantes vindos da RDC.

 

No domínio da saúde, as empresas que exploram o petróleo no Zaire construíram ou instalaram os seus hospitais em Luanda, a exemplo das Clínicas da Sonangol e Chevron-Texaco, assim como a CLIDOPA.


Quanto aos Desportos, alem da falta de estruturas desportivas como Estádios, piscinas, é também estranha a ausência, nesta Província produtora de petróleos, de equipas patrocinadas pelas empresas exploradoras deste ouro negro.


Mas outras províncias como as de Luanda, Huambo e Benguela têm equipas de várias modalidades desportivas que beneficiam do “patrocínio” petrolífero. São nomeadamente Petro de Luanda e Huambo e Sonangol do Namibe.


A província não tem portos marítimos, empresas, farmácias, hotéis, lojas e restaurantes.

Os únicos empregos disponíveis são a função pública e o MPLA.

 

As multinacionais petrolíferas como a Total e Chevron-Texaco há muito deixaram de admitir jovens oriundos do Zaire. Significa isto dizer que a população não beneficia nada da exploração do seu petróleo por parte dessas companhias.

 

As referidas multinacionais petrolíferas não patrocinam os serviços sociais de saúde, ensino, água potável e combustíveis, ou melhor elas não constroem escolas, hospitais, bombas de combustíveis, nem sequer patrocinam a compra de ambulâncias, remédios e material médico essenciais, o abastecimento em água potável em energia eléctrica às populações da província.


Há quem prognostica que o governo do MPLA vai acabar o petróleo do Zaire e deixar apenas areia aquele território (nsenge a nkatu evo nyenge anana bekutisisila).


A saída deste quadro negro é dificultada pela falta de união e entendimento entre os quadros da Província. Os poucos quadros humanos que o Zaire tem são profundamente divididos entre os que permaneceram na Província durante os tempos difíceis de guerra e os intelectuais que dispersos fora dela, os primeiros rejeitando os outros.


“A união faz a forca” – diz o português.


Uma simples visita de um intelectual da diáspora à Província é mal vista por aqueles que se consideram os únicos donos das terras do Zaire.


Existem duas diásporas, externa e interna (de fora e dentro de Angola).


No Zaire, o intelectual é hostilizado e considerado de elemento nocivo e anti-patriótico por parte daqueles que permaneceram na Província que temem perder os lugares.


Contrariamente ao que acontece noutras regiões de Angola, os filhos do Zaire não organizam excursões para a sua Província, temendo que não sejam bem recebidos pelas autoridades que podem considerar essas iniciativas como meio de permitir a infiltração de pessoas que consideram de ideologicamente “persona non grata”.


Por esta razão, as festas aniversárias de Mbanza Kongo e outras vilas da Província são comemoradas com reserva, dispensando qualquer publicidade.


Mesmo quando se trata de conferências ou colóquios de carácter científico e internacional que decorrem na Província do Zaire, os participantes são minuciosamente seleccionados com base em critérios político-ideológicos.


A visita à administração municipal do Tomboko de um cidadão descendente do município, proveniente de Luanda, foi motivo de admiração por parte de um munícipe local.


“Este veio fazer o quê, na nossa Administração?” – murmurou na presença de pessoas que lhe ouviram.

Uma outra cena rocambolesca aconteceu com um jovem intelectual proveniente da Suica. Este disse que pretendia abrir uma escola primária na sua aldeia ou ensinar numa já existente no município de Kuimba. O seu projecto foi imediatamente rejeitado pelas autoridades da da Província do Zaire que estranharam a preferência deste intelectual formado na Europa de ensinar numa escola primária e ainda numa aldeia.


“Porque é que ele quer ensinar na sua aldeia e as crianças; quando lutávamos contra a FNLA e UNITA ele andava aonde; agora que temos a paz é que surge?” – questionaram.


O jovem solicitou em vão o apoio do falecido Resposta (Mputuilu) – coordenador do núcleo das autoridades tradicionais do Zaire. O jovem desistiu e regressou à Europa.


Outra pergunta que eles fazem aos intelectuais oriundos do Zaire residentes fora da Província que manifestam o desejo de regressar a terra eh de saber “O quê é que justifica que tu és daqui; construístes uma casa na Província ou porquê é que fugistes durante a guerra?”.

 

A democracia, o multipartidarismo e uma certa liberdade de expressão apenas são vividas em Luanda; no interior de Angola a realidade é uma autêntica escravatura.

 

“Durante o colonialismo português, o povo sabia que era colonizados e se comportava como tal. Mas quando se fala em democracia, multipartidarismo e liberdade e faz o contrario, é o mais abominável que se pode enfrentar” – disse, a fonte acima referida.

 

Lamentou que “Na Província, as pessoas vindas de Luanda ou outros pontos cardinais são evitadas. Mesmo os quadros que formamos e promovemos nos evitam, para não serem conotados, não nos recebem nem aceitam conversar connosco”.