Luanda - Quando o prezado leitor tiver este exemplar em mãos, o Congresso Extraordinário do MPLA estará no seu último dia. Muito já se terá discutido, seja na plenária, seja nos corredores. Mas uma certeza já existe: o assunto que domina todas as mentes terá sido já transferido… para as calendas gregas. Ou seja, não será desta que os militantes e os cidadãos em geral ficarão a conhecer quem será o número dois no partido e por via disso substituir José Eduardo dos Santos. Isso mesmo disse já o porta-voz do MPLA Rui Pinto de Andrade em entrevista à RNA e à TPA.


Fonte: SA

Transferida do Congresso para o Comité Central

São várias as leituras que podem ser feitas a partir desse facto, mas uma coisa afigura-se certa: os camaradas ainda não estão preparados para definir o «herdeiro aparente». Ou, parafraseando Rui Falcão, ainda não se debateu o assunto, e os consensos aparecem depois do debate, nunca antes…


Consensos esses que não estão a ser fáceis de ser encontrados, pois são muitos os dados que precisam ser levados em conta, sendo o primeiro o perfil étnico-linguístico do candidato. Sendo o núcleo duro do MPLA tradicionalmente dominado por pessoas oriundas do extracto urbano da zona Ambundu – o «Ême» não gosta de admitir isso –  com o epicentro no eixo Catete-Luanda, estará esse partido preparado para acolher alguém de outra área, com ênfase para um Umbundu ou Bakongo geralmente conotados com a UNITA e FNLA, respectivamente e que representam grupos maiores que os Ambundu (segundo estimativas os Umbundu constituem o maior grupo etno-linguístico, seguindo-se depois os Bakongo em segundo e ao Ambundu ou Kimbundu em terceiro)?

 

Em caso afirmativo, o nome de Paulo Kassoma torna-se incontornável. O seu percurso no Huambo, na primatura e agora na Assembleia Nacional torna-o num político tecnocrata que reúne consensos. Pode trazer consigo o voto Umbundu que veria na sua elevação um voto de confiança de um partido geralmente conotado com a etnia Ambundu.

 

Isso, entretanto não é dado adquirido. Mesmo que nesse congresso seja elevado a Vice-Presidente do partido, isso não significará que seja o sucessor de José Eduardo dos Santos. Esse poderá ser o Vice-Presidente da República. Para já, um VP do partido Umbundu dará o equilíbrio étnico que já funcionou com Marcolino Moco em 1992.


Caso o MPLA decida manter a matriz Ambundu que possui, dois nomes se alinham na «pole-position»: Fernando da Piedade Dias dos Santos e Bornito de Sousa. Nandó – que de facto é a segunda figura do Estado – tem-se revelado o homem de confiança de JES. Tem revelado que sabe mandar – afinal é general – mas também sabe obedecer. Não cria ondas, mas todos sabem que, querendo, tem capacidade de mando. Dá mostras de saber interpretar não só as orientações explícitas como as implícitas. Diz-se dele que é das pessoas vistas como a que salvaguardaria os interesses do PR e da sua família em caso da saída deste.


Bornito de Sousa é um jovem político em plena ascensão. Depois de um desempenho brilhante como presidente da Bancada parlamentar do MPLA, está-se desempenhando com não menos brilho como Ministro da Administração do Território. Competente, moderado e discreto, é dos dirigentes mais consensuais no seio do seu partido. Mas o PR, que parece seguir a sua carreira com interesse, não deu até agora quaisquer sinais que esteja a pensar nele como um possível sucessor.


Membro de uma família tipicamente «kaluanda», Manuel Vicente é outro nome a reter. Competente até dizer chega, o ainda PCA da Sonangol parece ser dos preferidos do PR, mas tem a seu desfavor o pouco traquejo na «política das massas» e é pouco conhecido pelas bases, especialmente das províncias. Mesmo sabendo que caso o queira JES poderá impô-lo ao Comité Central – que segundo Rui Falcão será o órgão a definir o sucessor do PR – é pouco crível que este queira desenhar um cenário de saída pondo no leme do barco alguém que não reúna os consensos necessários para garantir a estabilidade interna do partido pois teria que mais tarde apagar fogueiras. Como se diz na gíria, não teria feito nada…

 

Carlos Feijó é outro dos nomes a ter em conta no que à sucessão de JES diz respeito. Por força da delegação do PR, é ele na prática o segundo homem do executivo. De competência sobejamente reconhecida é no entanto ainda «miúdo» no que a correlação das forças internas do partido diz respeito. A não ser que o Presidente aposte mesmo nele, e então terá que ensiná-lo a «ir ao povo e dar comício» para aliar à sua competência técnica traquejo político no que respeita à gestão da relação com as massas.

 

Um outro elemento que complica as contas da sucessão é o histórico conflituoso que o MPLA tem desde a sua fundação com relação aos número dois. Que o digam Viriato da Cruz, Matias Miguéis, Daniel Chipenda, Lopo do Nascimento, Marcolino Moco e França Van Dúnen. O próprio PR parece ter dificuldades em deixar espaços com poder real aos seus vices, seja no partido, seja no executivo. Na verdade, essa parece ser a razão principal pela qual JES constitui-se na figura central do MPLA e não se vislumbra um herdeiro-aparente. O Comité Central optará por isso em deixar a escolha ao próprio PR, limitando-se a debater os prós e os contras dessa escolha. Esta pode ser a razão pela qual o assunto foi adiado para a próxima reunião do CC.

 

Esse adiamento pode entretanto ser contraproducente, pois perde-se uma ocasião soberana para, no mais magno evento do partido, apresentar o sucessor de JES. A legitimidade seria indubitavelmente maior. É que, afinal congresso é congresso, e não é a mesmo coisa que uma reunião do CC.

 

Outro aspecto menos bom prende-se com o tempo que o sucessor terá para conhecer e ser conhecido como tal pela massa militante. Ainda que o CC reúna nos próximos dois meses – o tempo mínimo para preparar um evento destes, especialmente depois de um congresso – ficará apenas um ano para as próximas eleições, o que é pouco tempo. Mais a mais se tiver-se em conta que, tanto o sucessor como o próprio PR precisarão de ajustar-se à nova realidade. O PR terá, por exemplo, que entregar poder real ao seu vice, o que até agora tem tido dificuldades em fazer. E o vice terá que habituar-se a exercer esse poder sem precisar em cada minuto recorrer ao Chefe. E os militantes e os cidadãos em geral terão que habituar-se a ver JES dividindo as luzes da ribalta com outro.

 

Como se poder ver, são muitos os ingredientes necessários para «cozinhar» o sucessor do PR – o número dois na lista de deputados – e claramente o «pitéu» não ficou pronto a tempo de ser servido durante o congresso. O tópico vai rolar nos corredores do complexo do Futungo II, com sabor a mujimbu mas, como é já hábito bem mwangolé, nada disso se vai falar nas plenárias.

 

Interessante será também ver como se vão movimentar os possíveis candidatos. Certamente as individualidades que nomeamos acima – e outros mais, afinal sonhar não é pecado – embarcarão numa «campanha silenciosa» que de silenciosa terá muito pouco. Alianças serão feitas e desfeitas, promessas em surdina rolarão certamente pelos corredores, velhas amizades e inimizades serão revisitadas. Para já, fica registada uma autêntica campanha surda contra Paulo Kassoma, que se assume como o príncipe do precioso voto umbundu do planalto central e como tal pode ascender à Vice-Presidência do partido caso Roberto de Almeida leve avante a sua intenção de reformar-se.

 

Essas campanhas – interessantes sem dúvidas para quem estiver lá a assistir – não passarão de meros exercícios gratuitos. Para animar o congresso (afinal um congresso sem isso, não é bem um congresso). Uma só pessoa no meio dos delegados todos sabe quem será o sucessor de José Eduardo dos Santos. Como sempre, só revelará o nome quando achar que o timing é perfeito. Essa pessoa, famosa por guardar bem os seus segredos é precisamente… José Eduardo dos Santos.