A começar,  considera que a política em Angola está madura?


Sim, está madura,  mas é preciso explicar. Quando digo madura, não digo maturidade plena, lamento. Era bom, mas está numa fase interessante porque estamos em 2011 e o ano começou com alguns fenómenos, internos e externos. Eu diria que estamos a viver alguns ventos novos que sopram de norte para sul, que está a preocupar muita gente, mas penso que são incontornáveis porque iam surgir mais dia ou menos dia.

 

Fonte: O Pais

MPLA está convencido que o poder é eterno

Lamentavelmente, a leitura que faço é que o MPLA não está preparado para estes ventos, está convencido que o poder é eterno, não se preparou nunca para a alternância e creio mesmo que também nunca se preparou para fazer contas com a História. Quando digo que está madura, refiro-me a isso, porque vivemos uma semana em que houve uma intervenção do senhor Presidente da República, onde a minha leitura é um pouco isso, que são as contas com a História. E nós devemos jogálas com tranquilidade e nada mais do que isso.

 


Quando diz que o MPLA não está preparado para a alternância, está a olhar para a UNITA como estando à altura de assumir o país como está?


Está a fazer esta pergunta a um dirigente da UNITA que também tem uma boa capacidade de autocrítica. Eu penso que a UNITA está em condições de assumir os destinos do país, mas também é preciso dizer que nós só podemos fazê-lo no dia que tivermos uma maioria de votos, não há alternativa disso. É desejável mesmo que os caminhos todos do futuro sejam através de processos democráticos, absolutamente transparentes. Os angolanos, desde a descolonização, só tiveram o partido no poder e está há tempo excessivo no poder. Sou daqueles que pensam que um dia a UNITA vai ser Governo, mas a partir do segundo mandato começam os riscos também. A experiência que nós temos não é pequenina a nível de países que tiveram experiências democráticas, ganhase um primeiro mandato ainda com muitas ideias e vontade de trabalhar e inovar, ganha-se um segundo mandato que permite materializar muito dos programas que as ideias trouxeram e que permitiram realizar, mas no terceiro mandato começa a trazer uma certa cristalização de quem interpreta o poder. Se terceiro mandato é um risco, então imagine 35 anos de poder, é muito perigoso.

É desejável que Angola viva a democracia efectiva pela primeira vez e, naturalmente, como dirigente da UNITA, gostaria que fosse o partido que os angolanos votassem.

 

Qual é a opinião que tem do discurso do Presidente do MPLA, na antecâmara do congresso extraordinário deste partido, que vai gizar as estratégias para as eleições do próximo ano?


Começo pela sua última parte: é desejável que mais rápido quanto possível vejamos a confirmação destas eleições. Os angolanos estão sempre habituados a caminharem no escuro, nunca ninguém sabe afinal quem as convoca. Está apontado para 2012, mas não foram formalmente convocadas ou assumidas, era bom que fosse com distância bastante para que todos pudessem estar preparados devidamente.

 
Mas é um período constitucional...


Seria bom que fosse um período constitucional, mas, caros jornalistas, lamento dizer isso enquanto dirigente político porque é uma constatação. Continuo a constatar que as leis servem o partido do regime quando são convenientes, mesmo aquelas que estão na Constituição violam-se quando não são convenientes. Isso é lamentável que continue a ser uma prática de quem está a interpretar o poder e dou-lhe exemplo. Indo directamente ao discurso de Sua Excelência o Presidente da República, diria que tem grandes novidades. Acima de tudo pareceume um discurso muito emocional que não me surpreende muito. O senhor Presidente da República está no poder há muito tempo e 32 anos de poder são muitos anos. E muitos anos também têm desgaste e nós aqui vamos tentar separar-nos da nossa pertença política diferente do senhor Presidente da República.


Trinta e dois anos de um exercício claramente difícil, de liderança complexa, um homem que chegou ao poder muito novo, claramente jovem, isso deixa marca, cansa, também vicia. O problema da longevidade do poder é que, por vezes, pode criar determinados estados de espírito de não reconhecimento de uma vida dedicada ao poder e depois confrontado com uma sociedade que vai abrindo, começa a criticar e não há uma grande responsabilidade para se reconhecer isso como essência da democracia. Não é muito fácil conviver com essa realidade muitas vezes. Sinceramente, foi uma formatação de grande exposição da pessoa do senhor Presidente da República.  Depois do fórum escolhido, não o faria naqueles termos. Estamos a viver o mês de Abril que tem uma data que é o 4 de Abril. Tive o prazer de ser convidado pelos Serviços da Presidência da República para ir a uma cerimónia  que marcou a data do aniversário da paz. E surpreendentemente na sala onde estava presente a elite nacional e diplomática, estiveram ausentes as três figuras mais importante do Estado angolano. O senhor Presidente da República não se fez presente e até hoje não se sabe porquê!


O vice-presidente da República e o presidente da Assembleia Nacional também não se fizeram presente. Isso é um bocado negativo, era uma altura boa, perante aquele cenário, para se fazer um discurso à Nação, se de facto havia matéria para tal. O que nós temos constatado é que em Angola, o MPLA considera que o partido é mais importante que o Estado, a Nação. É uma realidade absoluta e quando os factos se circunscrevem ao fórum do partido são vistos como fosse o Estado angolano, o fórum nacional de governação.  Confundese o 11 de Novembro com as datas do MPLA, as datas do partido. Creio que isso resulta de uma prática de partido único muito longínqua, mas leva muito tempo a mudar. Digo também, de uma maneira que diria didáctica, é altura de se começar a ver isto de uma forma diferente.


Temos que começar a olhar para Angola como um Estado plural, que tem outras realidades, onde os partidos são apenas instrumentos de serviços e não são mais importantes, não estão na precedência, mas depois do país. Creio que aquele discurso num fórum do partido não sei se foi melhor e houve uma abordagem um pouco polémica, matérias que a opinião pública reagiu muito mal.

Eu fui exposto porque no mesmo dia convidaram-me para comentar numa televisão. Constato que as leituras que fiz coincidem com aquilo que estou a ouvir em toda a semana nos diversos estratos da sociedade, desde o público em geral. Achamos que não foi muito bom, não dignificou. Ela continha um olhar de desconfiança excepcional para toda a sociedade, o espaço externo com ameaças do que as potências estavam a fazer a Angola, recuperou-se a linguagem dos fantoches internos, a problemática do acesso aos bens foi abordado de uma forma que expõe o senhor Presidente.

 

Como assim?


Digo tudo isso porque sou daqueles que acho que é  preciso preservar a figura do senhor Presidente da República, porque tem uma intervenção e poderes demasiados. Defenderia para Angola e para o Presidente da República que temos uma transição estável e garantida por todas as razões: pelo seu papel longínquo, pela interpretação que fez, que pudessem dar a nós também a garantia de uma transição estável e digna. Mas para isso tudo é preciso disponibilidade e visão, porque muitas vezes as pessoas não vêem longe e outras são mal aconselhadas, só quando já não têm muito ângulo de manobra é que tentam corrigir. Penso que as várias forças políticas, depois de um processo pós-guerra, numa fase de reconciliação e de transição que considero que não está esgotada, uma das matérias a abordar é mesmo esta transição no topo do poder político, com garantias;  ganhávamos todos com isso e não tenho muita dúvida.

 


Quando fala que o Presidente está há muito tempo no poder não menospreza o facto de que a guerra também contribuiu para que isso acontecesse?


 Não podemos em tempo de guerra dizer que se pode viver em constituições democráticas, portanto é preciso separar bem as águas. Lamentavelmente Angola viveu uma guerra que foi longa demais, felizmente terminou. Devo dizer que não terminou só por vontade de uma parte, porque é impossível. Terminou com a vontade de duas partes e de forma muito específica. Vivi durante alguns anos de trabalho numa área diplomática, que nos meus últimos quatro anos quase exclusivamente a acompanhar a negociação para o fim da guerra. Isso para dizer que a UNITA trabalhou muito para o fim desta guerra. Portanto, acabou há dez anos e é sobre este período que queria falar, onde se retomou a regularização do funcionamento das instituições e do país. Penso que 10 anos não é pouco…

 


Mas tivemos um processo eleitoral?


Sem dúvida, mas podíamos ter tido mais do que um. Esse fim de guerra teve várias datas para se realizarem eleições mas que não foram cumpridas, algumas até convocadas em voz pela própria magistratura máxima do país. Devo dizer que feita a paz em 2002, poder-se-ia ter feito as eleições em 2004 e 2005, foram datas favorecidas, depois em 2007 e nenhuma destas foi cumprida. Em 2008 acabaram por ter lugar. E a de 2009? Também estava marcada e não foi cumprida. Repare que foram quatro eleições que estavam marcadas regularmente, Conselho da República reunido, datas apontadas e incumprimento sem negociação política. É um dado importante a reter aqui, porque o não cumprimento não partiu de consensos nacionais. Partiu do MPLA ter considerado como datas não propícias para vantagem do seu partido.


Todos também sabem que o país é governado sob decisões políticas do Bureau Político do MPLA , que decide estrategicamente aquilo que o Governo faz. É dentro desta medida que digo que estamos no nono ano de paz e a caminho do décimo, já começa a ser um tempo acentuado, felizmente não mais o retorno à guerra, mas o país está a caminhar demasiado devagar para aquilo que gostaria enquanto angolano. Temos um país extraordinário em termos de potencialidades, mas um país com muitos problemas, com uma pobreza excepcional, que tem poucos quadros para os problemas que tem e muitos recursos mal aproveitados.


Por exemplo, repare algumas questões fundamentais, que são bases do crescimento estável do país, como a educação e a saúde. Repare que hoje vais para uma estrada qualquer, tens um acidente e o risco é total, porque vai-se para um hospital com péssimos serviços e aqui não está em causa os médicos que Angola tem, mas sim as condições com que trabalham. Penso os recursos que o país tem, os anos de paz que temos, já devíamos ter um outro tipo de garantia em relação a esta questão. O ensino está caro, está pago, mesmo aqueles que são público os pais são obrigados a comprar lugares. O Estado está incapaz de pôr termo a este vício, esta corrupção endémica que grassa praticamente por todas as instituições e não queria ser crítico por ser. Fica até um pouco desagradável porque quando se anda no país real, quando se viaja muito, se fala com as pessoas, essas são as realidades que elas nos apresentam. Portanto, voltando ao discurso, acompanhei que podia ter sido num outro fórum, foi muito emocional e penso que em Angola precisamos de mais diálogo.


Sinto também que provavelmente algumas lutas internas no MPLA estão na base do discurso do senhor Presidente, não é só uma questão externa. Vemos, felizmente juntos, convivemos, sei que a problemática da sucessão do Presidente é um problema sério dentro do próprio MPLA, mas não devo meter-me, não tem nada a ver comigo e não sou dirigente  deste partido. Mas enquanto angolano preocupa-me porque há uma sobreposição da presidência deste partido com a da República.


O Inquérito sobre o Bem-Estar da População (IBEP), publicado no ano passado, indica que apenas 37 por cento dos angolanos vivem abaixo da linha da pobreza, um feito também avançado pelo presidente do MPLA.

 


A UNITA acredita nesses números? 


Começo por dizer que se esse número fosse verdade, ainda teríamos de trabalhar muito mais para o fazer baixar. Mas quero reflectir o país real que conhecemos e andamos. Angola não faz um censo populacional há muito, muito e muito tempo. Segundo os dados que tenho desde 1968, porque em 1974 não foi geral. Desde 1968 a 2011 que não temos dados pormenorizados e objectivos daquilo que somos, fisicamente e não só. Me parece que os vários registos limitados que fomos fazendo também não servem como indicadores científicos bastantes para fazermos uma avaliação completa. Não conheço a amostra que o Instituto fez para fazer o estudo. Quando se diz amostra significa qual foi o horizonte do estudo e que províncias é que foram tidas em conta. Tudo isso me diz que foi um estudo com dados relativos, tendo ainda uma imagem de respeito que foi feito, mas creio que não é completo. Ainda bem que ontem vi ir para a mesa a necessidade da realização de um censo completo para 2013, mas não entendo porque tão tarde. Angola está em condições de iniciá-lo já há um tempo, está com algum atraso. Ninguém toma decisões correctas sem estatísticas correctas. Não é possível governar sem dados de rigor, em nenhum sector da vida pública, governativa ou da casa, é preciso ter dados evidentes daquilo que precisa para tomar decisões.

 


Portanto, estes números da pobreza não me convencem, penso que não são de grande rigor e que precisamos, de facto, realizar o censo populacional rigoroso de quantos somos, onde estamos, características e especificidades. Até lá vamos sempre jogar com grandes margens de risco e possibilidades de cometer erros na tomada de decisão. Os níveis de pobreza são aqueles que vejo no dia-a-dia e estes me parecem ser superiores aos 37 por cento que os números indicam. Considero hoje que há muita gente que teoricamente devia estar na classe média mas que vive na pobreza extrema, porque nós somos vítimas do dia-a-dia. Conheço quadros de nível médio alto, muitos licenciados que não têm o mínimo para viver no seu dia-a-dia, não têm o que se alimentar e quando isto atinge licenciados em Luanda, com acesso aos meios, olho para o país e fico preocupadíssimo. Como todos sabemos o fenómeno socioeconómico hoje é grave.

 

 Quanto custa a terra para se construir uma casa? Custa os olhos da cara para toda a gente, agora imagine um cidadão desempregado ou de classe baixa, não consegue mesmo. E a terra para os angolanos não devia ser cara, devia ser um bem em que as pessoas beneficiariam de um plano do Estado, de forma equilibrada. Passo da terra para a construção: quanto custa um saco de cimento? O mercado internacional não justifica os preços praticados. Já fiz pontes, quero lhe falar de questões concretas, para determinados responsáveis institucionais que permitiam colocar aqui no país sacos de cimento a 2 dólares, que na altura significava 200 e tal Kwanzas. Importar nestas condições retirava o monopólio de quem tem hoje o saco a um preço proibitivo, portanto isto penaliza e empobrece o cidadão. Quem paga isso é o cidadão comum, o homem comum. Vivemos hoje uma sociedade da especulação, do ganho fácil do contentor, Angola vive da importação e não da produção própria. E quem paga estes custos é o cidadão que empobrece com essa realidade, tenho a leitura de que o número é mais alto. A pobreza não é só aquela que às vezes as pessoas pensam, há muita gente bem vestida porque pôs uma coisa para não parecer mal, mas vive na extrema pobreza, lamentavelmente.

 


Falou da pobreza, evidentemente, mas a UNITA que se quer afirmar como alternativa tem alguma fórmula para resolver este problema?


O combate à pobreza não vai ser ganho por um partido político. Os desafios são tão grandes que vão obrigar a mobilização da sociedade. Vejo que não há uma grande mobilização da sociedade sobre esta temática, vivemos o contrário, hoje a mensagem que se passa é que somos ricos. Um país rico desperdiça-se no supérfluo, Angola importa carros de alto luxo, quando podia gastar muito menos dinheiro. Portanto, há uma mensagem da própria instituição máxima e da governação de que nós vivemos acima dos padrões médios acima daquilo que são as exigências do dia-a-dia. Ora, quando as instituições gastam desta maneira não estão a passar uma mensagem de moderação e de educação ao país de uma forma muito calma e clara.


Respondendo à vossa pergunta, penso que a UNITA tem de facto programa de combate à pobreza e podem encontrá-lo naquilo que foram as propostas estratégicas que apresentou durante a campanha eleitoral. É um livrinho muito importante ainda hoje, com inovações para resolver o problema de Luanda, aquela área metropolitana que nós sugeríamos está a evoluir. Se for verificar, aquilo que o MPLA começou a fazer é exactamente o que está proposto naquele programa. Como é que se vai valorizar a mulher? Como é que se criam núcleos de desenvolvimento rural? Como é que se pode avançar com determinados níveis de sustentação ao desenvolvimento rural? São áreas muito importantes.


Como é que se diminui esta imigração interna permanente para as grandes cidades, que também aumenta a pobreza? As pessoas saem do interior onde há muita terra, áreas agrárias, possibilidade da auto-suficiência e ficam nos limites das grandes cidades, onde ficam a vegetar. Esses fluxos aumentaram;  desde os últimos nove anos do fim da guerra não se diminuiu o fluxo para as grandes cidades. Está sempre a crescer, sem soluções. O problema do tráfego, da saúde pública, resulta disso também. As mortes com AVC, com gente jovem aos 28 e 29 anos, é resultado disso, porque vivem com stress permanente uma vez que os programas são feitos de uma forma pouco estratégica. Os problemas de Luanda não se resolvem em Luanda.

 

Os problemas de Luanda resolvem se estrategicamente na governação central e também em Luanda, resolve no investimento descentralizado no interior, em políticas macro bem pensadas. Penso que o Governo não tem pensado nisso, porque é preciso coragem também, rigor, disciplina, exemplo. E aquilo que se tem visto não são muito bons exemplos, enfim. Não significa que não se está a construir, porque há aí novas cidades, mas não sei se elas vão resolver o problema por causa da forma como estão a ser concebidas. Parece-me que não.

 


Alguns valores da UNITA passam pela justiça social, a ética deve sobrepor-se à política e falou da importação de carros caros. Porquê é que os 16 deputados do vosso partido aceitaram os BMW, que custaram cerca de 200 mil dólares, e não alocaram o valor dos mesmos às escolas que têm falta de carteiras ou hospitais?


 É uma boa pergunta. Acompanhamos todos os debates da importação de carros pela Assembleia, devo dizer que este é um elemento que é mau.  Estamos a viver uma fase de reconstrução nacional, com alguns desafios, onde aqui mesmo no Panguila, perímetro de Luanda, as crianças não têm escolas porque não há orçamentos, não há dinheiros para se pagar uma escola que não custa mais de 20 mil dólares. E depois o orçamento do professor/ ano, que possa dar aula aos miúdos, mas o custo da escola e as viagens, não acredito que custem mais de 50 mil dólares. Mas importam-se carros deste valor. Criticamos em absoluto. Porque é que a UNITA e os seus deputados não recusaram aqueles carros? Recebidos são propriedades dos deputados de imediato? Penso que não, porque aqueles carros são propriedades da Assembleia, ainda indaguei isso de que forma. Gradualmente, eles podem reverter à propriedade dos seus utilizadores.  Portanto, não podem fazer a entrega dos carros porque eles são propriedade da Assembleia. É uma péssima decisão de compra .


Agora se esses carros forem pertença das pessoas é preciso coragem para devolvê-los e os deputados da UNITA se fossem proprietários também teriam este desafio que é preciso tê-lo. Vi o secretário-geral da UNITA, Camalata Numa, a fazer uma greve, que é difícil, impõe uma exposição. Fez uma greve que não é normal e viram a reacção. É o único deputado a merecer uma comissão de inquérito, mas o que esbofeteia polícias não tem comissão de inquérito, porque eticamente isso não se questiona. Não é problema ou porque pertence ao MPLA? O que usou uma lei constitucionalmente assumida tem comissão de ética. É difícil fazer greve, mas devolver um carro de 200 mil dólares é preciso muita força. Mas é preciso questionar aqui a quem pertence os carros? Gostava de ter esta resposta, mas acho que pertence à Assembleia nesta fase. Se pertencessem aos deputados, também os da UNITA estariam expostos, não tenho qualquer dúvida.

 


Mas podiam recusar.


Ia acontecer um pequeno terramoto. Iam dizer que lá vêm estes anti-instituição, lá vêm estes pôr em causa o funcionamento institucional de alguns instrumentos do Estado.  Lá vêm estes do contra, porque é está a postura que nós temos visto. Mas tenho a certeza que se tem de começar a abrir um capítulo de coragem nova a esse nível.   Não apoiamos manifestação por causa da manipulação


A UNITA está preocupada com a sociedade ou com o partido no poder?


A UNITA está preocupada com a sociedade, mas o partido no poder hoje ocupa todo o espaço da sociedade sem pedir licença. Veja as listas, o que aconteceu nas eleições de 2008. Somos todos conhecedores da dinâmica da sociedade deste país. Hoje para se ter emprego bom é preciso ter cartão do MPLA, foi assim que se impuseram as regras. Para se ter acesso a uma bolsa para o filho é preciso ter cartão, um bom nível de vida é preciso ser militante porque criou-se algo absurdo e terrível no nosso país que se chama comités de especialidade. Os comités de especialidades são um dos maiores atentados àquilo que é a unidade e interesse nacional. Digo e repito. Os comités de especialidades privilegiam os vinculados no seu espaço. Isso significa que no acto de governação, qualquer daquelas figuras privilegia os próprios e exclui os outros. Aqui estáse já a violar a Constituição. É uma prática a todos os níveis, ascende se for de pertença, mas se não for, mesmo que seja o mais capaz, competente, corajoso e criativo, e recusa o cartão, está destinado ao insucesso. Tenho jovens que me abordam e dizem que ‘engenheiro ajudaste-nos a fazer formação, alguns vindo do exterior, chegámos aqui mas vai nos desculpar, porque feita a formação que tivemos ou vamos para a frustração do copo ou vou buscar o cartão e faço carreira para ganhar dinheiro’. É este desafio que se está a atirar para as pessoas, é grave e está-se a alienar uma juventude inteira nesta lógica, porque não penso já um pouco nas gerações passadas, mas nos jovens , faixa que até felizmente é maioritária. Os exemplos que vêm são maus e quando falo nisso não são apenas críticas, mas também alertas.

 

Há gente com muita capacidade para reflectir mas tem medo. Fruto do processo histórico que vivemos criámos várias razões para que ao longo dos anos as pessoas fossem criando a percepção do ‘não te metas, tratas da tua vida’ ou ‘porque é que te vais meter numa coisa dessas?’. Vamos acumular riqueza é a postura de toda a gente e o individualismo assumiuse hoje como modelo e , portanto, dentro disto as pessoas acabam por deixar andar o seu próprio espaço de moderação e de equilíbrio. Acho que temos boas saídas, porque temos uma fase em que comecei esta entrevista que está interessante, onde há uma melhoria da capacidade crítica geral, sem excepção, penso que os riscos das manifestações que foram olhadas com grande medo, apesar de não terem sido feitas no dia 7, alertaram as consciências das pessoas letradas, iletradas, ricos e pobres. Afinal, toda a gente descobriu que o direito à manifestação existe e foi uma grande conquista. A UNITA não apoiou porque percebemos que havia uma clara manipulação, onde se estava a dizer que manifestar é fazer guerra. E depois queria-se dizer que era a UNITA que estava a querer fazer guerra outra vez, percebemos essa questão, não conhecíamos o autor da convocatória e demarcamo-nos em nome mesmo de não facilitarmos qualquer postura incorrecta, mas marcamos uma passeata exclusivamente feita pelo partido. Deu-nos um indicador bastante interessante daquilo que é o povo e as percepções dizem-nos que há mesmo um amadurecimento, um ganho e diminuiuse um bocadinho os medos, mas não ainda o suficiente para aquilo que gostaria de ver. Vivi num país onde nunca vi tanta gente tão disponível para ir à rua quando se põe em causa um dos seus direitos, que é a Itália.


Nunca tinha visto nos países por onde andei as pessoas ricas irem à rua manifestar-se, mas na Itália quando os mínimos direitos são postos em causa, as pessoas saem à rua, porque é um direito, um modo de equilibrar os poderes políticos e a governação. É talvez uma dos maiores direitos, vejam por exemplo as manifestações do norte de África que derrubaram regimes e foram tidas como legítimas porque se tratavam de regimes ditatoriais. Gostaria de ver o Governo angolano a ficar atento a estes fenómenos e melhorar a governação claramente, para que não tenhamos a mesma exposição de fenómenos idênticos que de facto não são a muitos níveis os melhores. Fazer mudança por revolução nem sempre é a melhor via, é melhor fazê-lo de uma forma mais estável. Uma transição estável, através de processos democráticos estáveis também, do que ir para outros exemplos. Mas se não se muda, se se fica radical, não se dá liberdade , se põe fundamentalmente a Polícia que não dialoga e bate, se não se tem uma gestão equilibrada daquilo que são os bens públicos, naturalmente que os riscos são grandes. Há coisas que não se devia ter muito receio de falar delas.

 


Quando fala em individualismo e apatia está também a focar o distanciamento que se observa em relação ao intervencionismo da própria UNITA. Onde anda o Governo-sombra que tinham constituído?


Penso que quando se vive numa sociedade em que os modelos são aqueles que aqui deixei está-se sempre no risco de se adoptar estes modelos como referência própria. Não há dúvida que temos um partido político com valores que se perseguem, mas não significa que não haja gente que não ponha o pé na poça. E há, efectivamente. O pior seria se fossem colectivos e é meu desejo  que quem olhe para nós não nos olhe como se estivéssemos mais dentro desta apatia do que no espaço de intervenção.


Quero dizer que tenho algumas razões para explicar porque se pensa que se faz pouco. Fui porta-voz da UNITA durante muitos anos e , enquanto isso, nos primeiros anos de paz, tive acesso aos órgãos de informação públicos, mas nos últimos cinco anos nunca fui entrevistado uma única vez. Deixei de ir à TPA, Rádio Nacional de Angola. E repare que era o porta-voz do maior partido da oposição numa fase de maior dinâmica política. A leitura que temos é que com a evolução dos anos houve um retorno dos processos de abertura, diminuiu a capacidade de diálogo, a disponibilidade, os muros dos partidos cresceram e isto é mau para o país. Não vemos debates nos órgãos públicos onde haja pluralismo, estão só e exclusivamente aqueles que dizem bem do partido no poder e desde 2008 que isso está pior.  Vi o cenário das eleições logo no próprio dia com os mesmos comentadores, que ficaram os novos artistas do comentário e são sempre os mesmos até hoje.

 


Quem são, pode avançar os nomes de alguns?


 Meus amigos, não preciso de citar nomes, também tenho noção dos limites da responsabilidade. Sabemos quais e quem são porque estão lá todos os dias. É o professor tal que diz sempre aquilo que o regime gosta de ouvir, não convidam mais ninguém.  O porta-voz da UNITA foi chamado para algum debate na TPA nos últimos tempos? Se foi convidado para algum programa na Rádio Nacional de Angola? Naturalmente que quando se limita o alcance das rádios, aquelas que têm pluralismo, os limites das províncias, está-se a impedir que no espaço nacional haja conhecimento. Quando as pessoas têm informações restritas, elas não têm culpas.

 


Mas a UNITA tem uma rádio?


É da UNITA. Enquanto jornalista vão investigar. A Rádio Despertar foi criada na sequência do processo de paz, foi criada dando o Estado angolano a autorização de ser aberta uma frequência comercial através de uma estrutura de uma empresa. Portanto, é isso que existe.

 


Mas é gerida por gente próxima da UNITA?


Pode dizer que tem gente próxima da UNITA, não posso contestar. Mas agora pergunto se tem pluralismo? As pessoas do MPLA têm acesso à rádio? Os membros dos outros partidos e da própria sociedade? Aqui é que está a verdadeira questão e tirem as conclusões. Eu não preciso tirar porque acompanho, posso dizer que mau seria se as proximidades resultassem nos filtros que os órgãos do Estado têm.


Quero lhe dizer que vejo exemplos distintos, vejo pluralismo ali, que gostaria de ver nos outros locais e até acrescido. Acompanho com muita atenção a rádio Despertar e outras, porque nós fazemos o zapping permanente. Lemos  o Jornal de Angola todos os dias, que está verdadeiramente uma coisa escandalosa. Penso que teremos talvez uma gestão do Jornal de Angola da pior possível nos últimos anos, absolutamente partidarizada, não criativa, uma coisa escandalosa.


Ler os editorais do Jornal de Angola, se fosse dirigente do MPLA, com responsabilidades nesta orientação, ficava envergonhado. É do pior a nível do pluralismo de informação.

 

Como membro da direcção da UNITA, daquilo que pode ser considerado o seu núcleo duro, gostaríamos de saber se o vosso partido vai realizar ou não um congresso antes da ida às urnas em 2012?


(Risos). Gostaria de responderlhe pela via formal, que é efectiva. A UNITA realizou uma reunião da sua Comissão Política onde este tema esteve sobre a mesa, também. O partido nas suas recomendações decidiu que tudo se deve fazer para se realizar o congresso, não extraordinário, mas sim ordinário. Portanto, esta é uma decisão respaldada na reunião máxima do partido. Quero acreditar que estas decisões são para vincular e não para fazer de conta. Agora posso te dar a minha leitura e a minha interpretação de que o que poderá retardar o Congresso sejam as condições para serem realizadas. Quando digo condições são coisas sérias. A UNITA vive neste país, é um partido com uma representação nacional, tem comités no país de norte a sul, quadros e logística para sustentar todos os dias. No equilíbrio em que o país se encontra, a UNITA é penalizada pelo modo de estar de quem está sentado hoje na governação. Gostaria que quando publicassem isso, colocassem tudo para as pessoas poderem entender. A UNITA, por exemplo, não pode dispor do seu património porque ele não é devolvido e tem um direito adquirido desta realidade. Nós gastamos muito tempo, saber, paciência, persistência, e quem está sentado na cadeira do poder retarda aquilo que é de direito. Aquilo que é até de compromisso. Devo dizer que ao longo dos anos a UNITA comprou muita coisa. Os anos que tivemos de guerra levaram a que muita da sua propriedade fosse invadida. Há instituições do Estado que estão em casas da UNITA e são várias. O que a UNITA comprou em 1992 hoje estão representações dos ministérios A e C. São exemplos muito concretos, há ministros hoje que estão sentados na cadeira do poder que estão em casas que a UNITA comprou formalmente mas não aceitam entregar. São realidades objectivas, este património intervém também na gestão do partido.

Temos algumas dificuldades que também advêm de posturas que não são as mais correctas e que penalizam o adversário. Se hoje viajarmos pelo país vemos que as sedes do MPLA são as melhores casas que estão nas províncias, mas será que compraram? A quem? Por quanto? De que forma as coisas foram feitas? São coisas muito sérias, e é preciso dizer que em Angola precisamos ser um pouco mais sérios e verdadeiros, começar a exigir dos políticos a adopção de políticas mais sérias e menos partidárias e egoístas. As pessoas podem dizer que vou beneficiar o meu partido, mas vai penalizar a qualidade da democracia, a qualidade do debate, e o cidadão sai penalizado quando não há uma disputa a todos os níveis. Fui para as eleições anteriores e acompanhei que os partidos políticos não tinham financiamento quando a campanha já tinha partido. Vocês sabiam disso como jornalistas? Sabem que o Estado estava obrigado por lei a financiar os partidos todos, mas os dinheiros, os subsídios que o Estado prevê para o financiamento dos partidos para as campanhas eleitorais, apareceram depois do início das mesmas? Sabem quanto tempo faz uma encomenda à partida? Há partidos cujos dirigentes foram presos porque tentaram viajar de uma forma precipitada com alguns meios que receberam à última hora. E isto tudo foi o Estado responsável porque não tiveram condições de fazer encomenda e aquele que estava no poder não tinha problemas a esse nível. De forma concreta, quis-lhe responder com aquilo que é a realidade. A UNITA está altamente penalizada.

 


Vai haver ou não congresso?


Dei-lhe uma resposta concreta, é uma obrigação de decisão interna, eventuais atrasos possam circunscrever-se a esta realidade nacional onde não temos acesso àquilo que é nosso.  Mas, numa palavra última, penso que vamos poder ter o congresso este ano.

 


Um militante da UNITA que não comunga com os ideias de Jonas Savimbi pode ser penalizado internamente e num processo eleitoral dificilmente chega à liderança da UNITA? 


Os militantes da UNITA que aderem ao partido fazem-no de forma voluntária e porque estão de acordo com os princípios que a UNITA defende. Então a pergunta está contraditória em si. Se vou avaliar, está a dizer que aquele militante que aderiu aos objectivos ao mesmo tempo já não os comunga. Se ele aderiu com um ideal que a UNITA defende é porque está conforme com aquilo que se defende, porque a adesão é voluntária. Portanto, a posição da UNITA é conhecida, é pública. Agora, é possível a UNITA ter um militante da FNLA dentro das suas fileiras? Penso que não. Cada um dentro daquilo que são os seus ideias. A UNITA deu alguns exemplos extraordinários de abertura nos últimos tempos a vários níveis.


Não é exclusivamente da UNITA, que sugeriu nome de figuras institucionais que hoje estão a interpretar funções muito relevantes mas que não eram seus militantes. Significa que estamos a olhar para os angolanos e não só para os militantes da UNITA. Incorporou na sua lista de deputados cidadãos independentes que estão na Assembleia, significa que não é obrigatório ser da UNITA.

 


Não será caça ao voto?


É fácil dizê-lo, mas difícil fazê-lo. Repare que estamos a fazer, porque quando se trata de caça ao voto significa que não se tem vocação para tal. Significa que foi uma mera propaganda, não tem interpretação, quando chega alto lá, porque era apenas uma caça ao voto. Temos deputados no nosso grupo parlamentar que são cidadãos independentes, porque a UNITA abriu como uma oportunidade de serem voz diária que não estariam representadas se não fizéssemos isso.


Estamos agora em substituição da presidente, vai entrar um deputado independente.  O Makuta Nkondo não é membro da UNITA. É o primeiro da lista de precedência e não creio que alguém lhe vá colocar qualquer dificuldade de acesso, naquilo que é o seu lugar. Portanto, melhor do que isso para lhe responder era muito difícil.


Creio que a UNITA está a provar que está capaz de trabalhar com os angolanos em geral, independentemente de estarem vinculados ou não. Aqueles que  têm cartões de militantes, é claro que estão de acordo com o ideal do partido.

 

Havendo um cenário em que não seja possível realizar o congresso, e numa altura em que se aproximam as eleições, não acha que podem ser acusados de quererem perpetuar a imagem do presidente Isaías Samakuva?


A UNITA é o único partido que desde que a paz chegou fez dois congressos, com eleição plural, com vários candidatos. Aqui não vale a pena virem com estórias, porque o MPLA não consegue. O MPLA tem candidato único permanente e ainda por cima limita-o às opções de voto.


No último congresso o candidato era único, mas não se podia circunscrever a todas opções, vota a favor, contra ou abstenção. Só tinham duas opções. Por amor de Deus, estamos longe.

Quem teve a coragem de dar estas lições, não quer perder as vantagens de as ter dado, de maneira nenhuma. É no interesse da UNITA que nós cumpramos com regularidade o ciclo da eleição do presidente do partido.


O ciclo não significa data, pode não ser uns meses antes ou a seguir. Mas o ciclo deve ser cumprido e para nós é uma condição ‘sine qua non’ que se cumpra até por várias razões. Estamos obrigados a dar exemplos ao país, que não cumpre ciclos. Mal seria se fôssemos fazer o contrário deste esforço enormíssimo que não foi fácil. Um ano depois da morte do Dr. Savimbi a UNITA fez um congresso em Luanda, plural, com três candidaturas, que foram inclusive fazer campanha para a TPA. Não foi brincadeira, era preciso muita coragem.

 

Mas só foi depois da morte de Jonas Savimbi?


Meus amigos, a grande verdade é que vocês dizem que foi bom, mas… Os outros foram capazes? Agostinho Neto morreu há quanto tempo? Tem havido candidaturas múltiplas? Essas coisas vocês perguntam aos dirigentes do MPLA?


Não havendo o congresso não se estará a coarctar a possibilidade daqueles que pretendem chegar à presidência da República, entre os quais o político Abel Chivukuvuku, que concedeu recentemente uma entrevista à revista Figura & Negócios, uma vez que não podem concorrer sem antes serem cabeças de lista da UNITA?

 

Eu li a entrevista também e depois falei com o Abel sobre os conteúdos da mesma. Em nenhum sítio ele diz que vai ser candidato fora do partido. Ele analisa cenários possíveis por causa das leis que foram criadas na Assembleia Nacional impedirem candidaturas independentes. É preciso dizer bem isso, a lei que foi votada, não pela UNITA mas pelo MPLA, obriga que os candidatos à Presidência da República têm de, obrigatoriamente, ser cabeças de lista. O próprio processo de eleição do Presidente da República acabou com a eleição directa, é uma coisa escandalosa. Os angolanos não se iludam, porque não votam mais directamente para escolher o Presidente da República, porque ela emana da votação do partido. O partido que ganhar tem o Presidente da República lá metido. Isto é péssimo, duas eleições distintas num só acto. Significa que onde devia haver equilíbrio de poderes, porque devem ser auto fiscalizados, acabou, uma vez que o Presidente emana do partido. A Assembleia não vai fazer fiscalidade do Presidente e este não faz da governação porque é a mesma coisa. É dentro deste quadro que respondo que alguns partidos, não tendo figuras, podem ir para aqui ou ali, mas em nenhum sítio ele disse que poderia ir para fora. Em segundo lugar nós vamos ter congresso.


Quais são as verdadeiras razões que levaram a deputada Alda Sachiambo a renunciar o seu mandato na Assembleia Nacional?


É um facto de grande impacto. Até vou lhe dizer que foi com grande tristeza que vi este facto ocorrer, porque fui das primeiras pessoas a apoiar a sua nomeação no seio do partido. Achei que ela era boa e não me arrependi de o ter feito, penso que cumpriu bem o seu papel enquanto líder do grupo parlamentar, enquanto mulher, uma mulher bonita, devo dizer. Foi algo que trouxe para a UNITA também vantagens. Chegado ao ponto de uma renúncia de mandato naturalmente que estaria também sujeito a muita especulação, particularmente porque ainda não houve uma intervenção em voz própria. Devo-lhe dizer que conheço os dois conteúdos das duas cartas que ela endereçou tanto ao partido como à Assembleia. Nestas duas cartas, em punho, a ex-presidente indica agravamento do estado de saúde, porque enquanto companheiro interno em muitas reuniões ela não se sentava, por exemplo, a maior parte do tempo.


Nos últimos meses ela passou muito tempo ausente porque tinha problemas, havia dias em que não conseguia caminhar. Hoje falei longamente com ela, está fora do país e num hospital.


Expus-lhe as leituras que se está a fazer em relação à sua saída, porque é provável que estando fora não tenha noção do nível de especulação que se está a fazer. Portanto, gostaria de vê-la nos próximos dias a fazer intervenção em voz própria que pudesse retirar o espaço de especulação que se faz, mas considero até normal dado o ambiente político que Angola vive. É o limite que lhe posso dizer, porque ela é uma pessoa com um percurso muito interessante, que se viu na necessidade de fazer uma retirada. Houve o agravamento da saúde, estamos perto, se for verdade, das eleições, obviamente a pessoa pensaria que não seria penalizadora a saída nesta altura.

 

A cerca de um ano das eleições, a UNITA está preparada para tal e superar o pleito de 2008?


As eleições em Angola são coisas muito sérias e um desafio talvez dos mais difíceis que possamos ter pela frente. Penso que o próprio MPLA deve reflectir que o formato que temos não deve servir de motivo, porque nós em Angola não temos órgãos independentes a organizarem eleições. É factual.


Nem sempre aquilo que as pessoas aprovam depois respeitam. Aliás, em 2008, a última lei que a Assembleia aprovou foi violentamente desrespeitada durante os actos eleitorais. Se não se devem lembrar, no dia 20 de Maio deste ano a Assembleia reuniu numa sessão extraordinária, votaram a obrigatoriedade de fazerem eleições num só dia.

 

Fizeram eleições num só dia? Violação completa. Havia condições de tutela das urnas? Havia condições para funcionarem mais dias? Não estava nada, houve factos e foi uma brincadeira. Em Luanda, aqui mesmo na Comissão Nacional Eleitoral, nas urnas não tinham votos e as assembleias não funcionaram. Foi uma vergonha em termo de imagem, mas depois temos o velho problema do petróleo e dos interesses. É preciso não nos iludirmos aqui, talvez os novos tempos tragam às potências uma nova exigência. É preciso mudar o velho slogan de que para África ‘isso já está bom’.

 


Temos de continuar a viver dependentes destas potências?


Quando estas potências num dia dizem que é uma vergonha o processo, não tem transparência, mas depois os seus governos chamam-nos e no dia seguinte corrigem o tiro dado, significa que aquelas opiniões contam e são importantes. Nós tivemos declarações de que foi tudo muito claro e bonito, mas é tempo de falarmos sério. A UNITA publicou aquilo que chamou Livro Branco sobre as Eleições de 2008, a que deu o título de contribuições para os processos eleitorais, onde só utilizamos dados oficiais da Comissão Nacional Eleitoral (CNE). A análise estatística daqueles dados dá uma vergonha de uma conclusão. Significa que é tempo, estamos em 2011, de dizer a verdade sobre as eleições.

 

 A UNITA antes de os resultados saírem veio a público aceitá-los, consciente da fraude generalizada. Fez isso com custos muito grandes no plano político para acabar com esta onda psicológica de que as eleições são sempre recusadas, essa disponibilidade de transferir responsabilidades para terceiros, não assumir os próprios actos por parte do poder central. Aqueles mesmo que se não os fizéssemos criticavam, vieram criticar-nos porque não o devíamos ter feito. Fizemos bem, mas o preço é esses 10 por cento. As pessoas pensam que representam verdades no cenário nacional, mas não representam nada. Sou engenheiro electrotécnico e estudei muita estatística. Não há eleições em todo o mundo que tenha rectas como padrão. Façam um gráfico do comportamento das eleições de 2008 em todas as províncias, vocês vão ver um parâmetro idêntico que são rectas a 82 por cento. Isso não existe, nem foram criativos, porque as eleições pronunciam-se por sinuzoides em todo o lado.


Vão nos dizer que o comportamento no Cazenga, Cunene, Cabinda é uma recta exclusiva, estamos todos a pensar da mesma maneira, vestimos todos camisa amarela, calça preta e cinto vermelho, a bandeira do MPLA. Isto é uma brincadeira, estão a gozar com a nossa inteligência. Não tivemos eleições nenhumas com transparência.

 

Mas a UNITA esteve presente em todas as assembleias?


Não esteve, estou a lhe dizer isso porque conheço profundamente, senão não falava. Acompanhei todo o processo de registo eleitoral, muitas das vezes fui mandatado para falar com o ministro da Administração do Território, presidentes de partidos, acompanhei a aprovação de toda a legislação. Angola nem sequer publicou os cadernos eleitorais, começo pelo registo. Começou por violar a fase do registo e há uma célebre declaração do actual líder da bancada parlamentar do MPLA, o ex-ministro da Administração do Território, a dizer que “essas leis não são para Angola”, as leis que tinham sido aprovadas pela própria maioria de que ele fazia parte, acabadas de aprovar para este processo que nós vivemos! Mas o próprio ministro diz que isso não se aplica em Angola, porque a realidade não se circunscreve ao cumprimento destas leis. Está tudo dito, não se respeitou coisa alguma.
Quais foram as assembleias que tiveram cadernos eleitorais, que é a base fundamental para a transparência do processo? Nenhuma. Então, demoramos tanto tempo, gastamos tanto dinheiro, mais de 400 milhões de dólares e estes trabalho todo não apareceu no dia das eleições. Vocês sabem de alguém que foi punido ou investigado sobre esta falha gravíssima?

 

Devia haver alguém?


Sem, dúvida. Senão estamos a brincar. O senhor cidadão aceita que o seu dinheiro esteja a ser mal gasto, ser manipulado, que as pessoas sejam bem pagas, gastem rios de dinheiro mas não aparece nenhum caderno eleitoral no dia do voto. Não apareceram os PDAs que permitissem o voto daquelas pessoas que votassem fora dos seus locais.  Estão no orçamento e é muito dinheiro que foi destinado. Então é assim que se gere o interesse comum, com essa permissividade? É este modo de fazer que depois não serve de moral, as pessoas habituaram-se que não se pune ninguém, pode-se roubar não pago, desviar e não é responsabilizado porque tenho nome, porque os penalizados são os que não têm nome.


E nisto tudo, meus caros amigos, estamos a criar um modo de viver da juventude em que dizem apenas que querem ficar ricos. Volto para as eleições, para o seu modo científico que provam que elas foram uma autêntica fraude. A UNITA aceitou rápido, passou uma mensagem de que esta história de que se recusam os resultados não é verdade. Estamos a pagar o preço e é bom que ele resulte numa melhoria dos processos eleitorais, senão nós não ganhamos nada. Nós angolanos, não nós UNITA. A grande verdade é que os nossos irmãos em Moçambique foram mais longe, muito mais longe do que a coragem que aqui em Angola ainda não chegou. Eles votaram os membros da CNE na Assembleia por perfil e não por partido. Quer dizer que foram pessoas que o parlamento votou uma quantidade delas, algumas instituições propuseram nomes  e poucos membros votados pelo perfil de seriedade, conduta, desempenho e experiência que garantem o interesse público, por um período longo de interpretação, com um bom salário. Eles não vão servir o partido A, B ou C. Eles estarão mais independentes para servirem o interesse das pessoas, mas nós em Angola continuamos a não ter isso.   É isso que significa Comissão Eleitoral Independente. Independente do partido, do presidente e do ministro.

 

Aqui em Angola o Presidente nomeia não sei quantos, o partido nomeia, o ministro que também é do partido também nomeia, depois do tribunal também nomeia. Se virmos que todos pertencem ao mesmo partido, então estamos a ver a falta de equilíbrio representada nos órgãos. Repare mais uma vez, falando de eleições, o presidente da CNE violou permanentemente a Constituição que estava em vigor, porque era presidente da CNE e membro do Tribunal Supremo em simultâneo.  Quando os problemas da CNE existissem ascendiam para o Tribunal Supremo, então o presidente da CNE julgava a sua própria interpretação quando se sentasse no Tribunal Supremo. Bonito, não é? Maravilhoso! Todas as intervenções por escrito feitas foram recusadas, inclusive para o senhor Presidente da República. Para depois quando ele saiu, o argumento utilizado fosse este, de que era incompatível com a sua função, que ele tinha feito durante quatro anos. Vejam que país temos! Podemos corrigir para eleições futuras, mas se não se corrigir nada, vamos ter 90 por cento do partido no poder. Até podemos ter 100 por cento e o país vê recusado o seu futuro. Não há futuro sem liberdade, não há futuro sem democracia. E o MPLA que pensa que tira vantagem desta maioria, hoje já deve estar a ver que ela é perversa.


Hoje o público não tem dúvida de quem é a responsabilidade da governação, porque o MPLA tem uma maioria expressivíssima, faz tudo o que quer e bem lhe apetece. Então não pode dizer que a culpa é da guerra que já acabou há muito tempo, como é tendência global, não pode dizer que o erro é do partido A ou do C. Não pode dizer que não teve fundo, num país com o petróleo que Angola tem. Angola tem um orçamento que é capaz de ser 10 vezes mais que o de Moçambique. Dez vezes? E os resultados também são dez vezes mais? Até são piores, aquele país tem uma avaliação externa melhor do que aquilo que se faz.

 

Mas tivemos mais guerra que em Moçambique?


Vem de novo com a guerra, quer viver mais 50 anos a desculpar-se na guerra, como ouvimos dizer que a pobreza foi herdada do colonialismo? Então nos próximos 100 anos vai viver assim a dizer que Angola está subdesenvolvida porque tivemos colonialismo no século anterior? Acho que temos de ser um pouco mais exigentes, temos que começar a pensar que temos de trabalhar mais, somos todos pais de família, irmãos, cidadãos, homens, pessoas com necessidade de viver em estabilidade o melhor possível. As políticas que se forem fazendo influenciam as nossas vidas e bastante. Ou ganhamos um bocado mais o pragmatismo e a coragem de que devemos ser sujeitos intervenientes e esclarecidos ou vai ser mais difícil.