Luanda - De volta a este espaço de arte de bem pensar e da galeria da liberdade cumpre-nos trazer à reflexão a problemática da co-existência de nações e nação num mesmo espaço territorial e humano.


Fonte: Club-k.net


Angola é não um Estado-Nação como alguns Estados que bem conhecemos. Ela é uma nação e, jovem, em construção que precisa de todos os seus filhos e, sobretudo, dos detentores do poder politico muitos sacrifícios para compreendermos que apesar das distâncias e cadeias (reinos e sobados) que a história nos honra fazemos um todo uno na diversidade cultural e etnolinguística. E trazer ao debate esta temática num tempo como este não é uma provocação nem é remar contra a estabilidade política que vivemos. Antes, é voltar à verdade e fazer jus aos fundamentos históricos dos povos de Angola; é desmascarar a hipocrisia e o duelo que encobre o problema.

 

Julgamos ser de todo fundamental debater os grandes problemas do país despidos da razão nómada ou neo-colonial que caracteriza o mimetismo ou snobismo ideológico-político que vamos assistindo um pouco por toda África. É o medo de descontruir a história. Por isso, assiste a esta abordagem algumas razões de difícil enumeração, mas que podemos depreender das seguintes frases: a hipocrisia constitucional sobre a existência secular de nações na nação angolana; marginalização e descaracterização do poder político das autoridades tradicionais; a acomodação da constituição fundiária, em grande medida, colonial; a tirania das fronteiras coloniais inter-nações; a má distribuição de recursos do país responsável pela hegemonia ou sobreposição entre regiões ditando disfunções e assimetrias entre povos de diferentes nações numa nação.

 

Para o resto da nossa reflexão vale aqui dizer que o conceito de nação remete grosso modo para a ideia de “o mesmo e de comunhão” ou de unidade de identidade cultural e etnolinguística sob um mesmo poder politico. Portanto, perfilam neste conceito de nação valores de pertença, profundamente, enraizados no costume. É com este conceito que  orientamos a nossa reflexão e que nos permite traçar a fronteira entre nação-Estado e Nações.

 


1. Hipocrisia Entre Nação e Nações: Uma Herança Colonial

A organização do poder politico em Angola antes da império colonial (império por unir para um mesmo espaço político diferentes povos e noutros casos separar, compulsivamente, o mesmo povo desterritorializando o poder político) assentava no conceito de nação enquanto um povo com a convicção e sentimento de pertença originariamente a um mesmo território (natio, de natus), partilha a mesma tradição, costume, língua e sujeitos de e/ a um poder politico que a todos remete para um mesmo passado. Injustamente, a colonização impôs uma  vontade formal elaborada à luz de protocolos jurídico-legais, enfim, uma vontade arbitrária como alguns cientistas sociais a designam. Implantou-se  uma ordem que destruiu os fundamentos de natureza política tradicional, económica e religiosa dos povos de Angola. Os Sobas foram, compulsivamente, fardados e patenteados despindo-os do seu traje tradicional; ficaram, acima de tudo, ao serviço dos interesses da política colonial e, por isso, instrumentalizados. Durante séculos a nação colonial conviveu, hipocritamente, com as nações; foram mais tarde, formalmente, reconhecidas como sendo pertença das famílias em meio rural as terras por si geridas segundo o costume, mas na prática nunca tiveram direito a elas sendo certo que em muitos casos foram desterradas ou viram diminuídas as suas terras. No país da colonização enquanto uns estavam na luz, no asfalto e no cimento outros e grandes maiorias andavam na escuridão, descalços em caminhos tradicionais e casas de pau-a-pique, mas o discurso era o de hipocrisia. Até o mesmo colonizado nalguns casos apontava dedo ao seu irmão, o negro.

 

2. Hipocrisia Político-Constitucional Na Angola Independente


A primeira lei fundamental de Angola resultou como bem se sabe de um processo politico bastante conturbado sob a presidência do MPLA que assumiu a direcção do país sem a legitimidade popular nem revolucionária tendo forjado uma lei constitucional marginal aos fundamentos históricos e valores sócio-politicos e culturais dos povos ou das nações de que falamos. Injustamente, o desencontro entre o território do Estado ou Nação e a unidade identitária cultural e linguística é uma realidade colocando muros entre famílias de um mesmo povo.

 

Lamentavelmente, com a independência o quadro jurídico-constitucional pouco ou nada mudou. A forma unitária do Estado angolano não garante nem mesmo reconhece, ainda que hipocritamente, à semelhança da Constituição Espanhola que em respeito à sua história faz espreitar o direito à autonomia das nacionalidades e das regiões que a compõe. Aqui, mesmo as outras formas de exercício do poder são silenciadas. Portanto, faltou aos detentores do poder político estadual e ao legislador a coragem e o respeito de assumirem que somos povos de diferentes nações, por isso, com identidades culturais, linguísticas e fundamentos históricos próprios neste país que nos junta e deve unir-nos na nação estadual numa altura em que o estandarte partidário perverte o sentido de Estado e nação. Hoje, os distanciamentos e falta de diálogo entre os centros de decisão e informação; entre os serviços e servidores públicos leva-nos a questionar a cidadania politica, económica e cultural de cada filho deste país que deve ser reconstruído com os olhos no futuro.

 

Angola não é um feudo. É, sim, um mosaiko a cuidar e a responsabilidade é de cada um e de todos os filhos deste país sob pena de condenarmos o país numa hipocrisia crónica. Há que falar, desapaixonadamente, a verdade com verdade. As expressões kamukuiza, Kamuthundas, kamundongos, bailundus; etc. escondem realidades, algumas delas, que não queríamos para esta jovem nação que temos de construir. Há que olhar para o passado e nele ler os sinais e símbolos que nos unem ao invés de erguermos monumentos e sinais partidários que ensanguinaram todas as famílias e de diferentes nações deste país. De hipocrisias, basta. Nação e Nações há que criar pontes e diálogo ao invés de um duelo nalguns casos visível e, noutros, subterrâneo ou adormecido.

 

3. O Caminho A Seguir

 

Existem apenas na vida dois caminhos: o caminho do bem que a todos consola e une e o caminho do mal que a todos atormenta e destrói. O que custa é parar, ouvir a todos, portanto, sem exclusão e corrigir ao invés de contentarmos algumas populações, de forma efémera, para justificarmos legitimidades que nem sempre se compadecem com as ordens constitucionais.

 

O sacrifício de que aludimos acima para a edificação da nação Estado e não Estado-Nação passa pelo respeito e aceitação da diferença, ou seja, não importa de que partido ou igreja; pela justiça económica  e distribuição equilibrada dos rendimentos do país; pelo tratamento igual perante a lei; pela segurança mínima do direito à terra; pela não discriminação de algumas línguas nacionais e grupos minoritários (San e outros); pela promoção do sentimento de pertença e amor pelo país; pelo combate à discriminação regional; pela redefinição do conceito de sentido de Estado; pelo diálogo, participação e gestão transparente do erário público.

 

As impunidades ou sentenças encomendadas, a arrogância, a intolerância política ou religiosa, o abuso de poder, a imposição de uma história partidarizada, as demolições compulsivas em prol de certos grupos, o enriquecimento sem justa causa que, recorrentemente, deu lugar aos desaparecimentos de milhões e milhões dos cofres do Estado, a intimidação e o uso da força, o direito à informação e a comunicação social pública reféns ao voto partidário, etc. em nada contribuem muito menos dignificam a nação que queremos construir. Aliás, são sinais que fomentam o sentimento de descomprometimento com a causa do país e abala o sentimento de pertença responsável pela vox populorum “isso tem os seus donos”.

 

Portanto, de que adianta a hipocrisia politica e quem estaria a ganhar com a ausência do diálogo entre o poder tradicional, os fundamentos e valores da nossa história política e a nação Estado?