Luanda -  Não se tratam de acusações avulsas. O presente trabalho resulta de investigações que têm sido feitas por profissionais deste semanário no âmbito do “Caso Joaquim Ribeiro”. Desta vez, fomos dar de caras com os factos a seguir relatados, constantes, entre outros documentos, de um acórdão rubricado por juízes do Supremo Tribunal Militar, datado de 01 de Junho de 2011, fazendo fé nas investigações de especialistas da Procuradoria Militar. Trata-se do processo 11/STM/11 que reúne provas, para serem apresentadas em juízo pelos especialistas competentes, de tudo quanto aqui se reporta.


*Mariano Brás
Fonte: Semanário A Capital
 


Tudo começou como uma brincadeira. Francisco Sachipepe Tomé espantou-se com o volume de dinheiro, habitualmente em posse do seu patrão. Não era para menos. Fernando Gomes Monteiro era, apenas, segurança do Banco Nacional de Angola (BNA), mas movimentava, habitualmente, elevados valores em dólares e em kwanzas sempre acompanhado pelo seu motorista, que conhecia, em casa, os cantos onde tais somas eram guardadas.

 

O motorista Francisco Tomé comentou, num certo dia, o facto com o seu amigo Paulo Manuel Xavito. Não fosse esse cidadão uma pessoa bem relacionada com elementos ligados à Polícia Nacional, sobretudo do Comando de Divisão de Viana, onde, de resto, residia o patrão do seu amigo, o caso teria morrido por aí. Ao contar a Paulo Xavito sobre as operações financeiras do seu patrão, Francisco Tomé revelou um pormenor importante: que além do dinheiro, viu o segurança do BNA comprar uma metralhadora do tipo akm, que a guardava em casa.


 
Paulo Xavito não resistiu. Contou, por sua vez, a história a Lútero José, Inspector da Polícia Nacional, com responsabilidades de chefia na 48„ Esquadra da Polícia Nacional, em Viana. Disse-lhe que sabia a história de um segurança do BNA que tinha, em casa, uma metralhadora e elevados valores em dinheiro; que sabia que esse dinheiro era recolhido todos os sábados, pelo mesmo, em transacções que decorriam nas imediações dos escritórios Toyota de Angola.

 

Toda a história, ao redor do agora chamado “Caso Quim Ribeiro”, teve origem nessas conversas entre amigos. Ganharam, entretanto, contornos maiores com o envolvimento do Inspector Lútero José que acabou por revelar-se uma peça fundamental para a evolução dos factos até serem tornados públicos.

 

Ostentando a patente de Inspector, Lútero José era chefe da Brigada dos Serviços de Sector da 48„ Esquadra, em Viana. Em posse das informações, optou por não a revelar aos seus superiores hierárquicos como, afinal, era a sua obrigação. A despeito dos procedimentos habituais partilhou os dados ao seu dispor com três colegas. Trata-se de Carlos Albano Ukuama, oficial operativo da 48„ Esquadra, com a patente de subinspector, Manuel da Mata João, agente, colocado na mesma unidade policial, além de Damião Sampaio Quilengo, primeiro subchefe da Polícia Nacional, entretanto colocado na 44„ Esquadra afecta, também, ao comando de Viana.

 

O grupo, assim constituído, reuniu-se às 19 horas do dia 13 de Agosto de 2009, justamente nas instalações da 48„ Esquadra. Sem qualquer informação aos superiores e fora dos trâmites habituais, os três decidiram realizar uma operação de busca dirigida à casa de Fernando Gomes Monteiro, o segurança do BNA, que, segundo a informação feita circular pelo seu motorista, guardava em casa elevadas somas em dinheiro e uma metralhadora. A acção ficou agendada para a madrugada do dia seguinte, 14 de Agosto. O alvo era uma residência no quilómetro 9, numa zona identificada como Coelho. Para lá, além dos quatro oficiais já identificados, seria ainda encaminhada uma viatura patrulha, da Polícia Nacional, para conferir maior credibilidade à acção.

 

Assim pensado, assim foi feito. Quem passou pelos lados do bairro Coelho, por volta das 05 da manhã do dia 14 de Agosto, não podia imaginar o que estava prestes a acontecer por aí. Os quatro oficiais seguiam transportados numa viatura Toyota Corolla, do estilo popularmente conhecido como “Rabo de Pato”. Não trazia chapa de matrícula. Como identificação, ela trazia, apenas, uma inscrição no vidro traseiro, sintomática da operação em curso: luto. Os vidros estavam fumados. Mas, mesmo por detrás dela, vinha outra viatura, Desta feita, trata-se de um carro patrulha, de serviço na 48„ Esquadra, chefiada pelo agente Salvador Ramos

 

Quivite, embora fosse um outro agente, no caso,  Serafim Mizaraque que seguia ao volante, bem ladeado do agente de patrulha Manuel Sadissa Beta. Eram, no total, sete pessoas que efectuaram o assalto à casa de Fernando Gomes Monteiro, o endinheirado segurança do BNA.
O assalto ao dinheiro

 

Quando chegaram à residência de Fernando Gomes Monteiro, os oficiais da Polícia não demoraram muito para passar à acção. Mesmo sem exibir qualquer mandado para o efeito, introduziram-se, uns, no interior da casa, enquanto os demais fora dela, criando um perímetro de segurança. Para os que entraram, a safra foi melhor do que o esperado.  Encontrara não uma, mas duas metralhadoras do tipo akm, duas malas cheias de documentos, uma com valores em kwanzas e outras em dólares, contabilizando-se, nesta última, a quantia 3.700.000,00 (Três Milhões e Setecentos Mil Dólares). Mas levaram, ainda, duas viaturas Toyota, uma modelo Hiace e outra Corolla.


 
Em posse de tudo isso, o inspector Lútero José fez dois telefonemas e, num ápice, surgiram, no local, dois colegas seus. Sebastião Manuel Palma, Inspector Chefe e responsável pelo departamento de investigação do comando de divisão de Viana, e Manuel João Fernandes Couceiro, Intendente, que, no mesmo comando, chefiava o departamento de serviços de sector, chegaram num ápice ao local da ocorrência. Apoderaram-se das malas e rumaram para um outro local.

 

O grupo elegeu, como lugar seguro, o Posto de Polícia no Zango II, a 15 quilómetros do local da acção. E tinham uma razão para tal. Afinal, era o local mais isolado possível na jurisdição da Divisão de Viana. Além dos meios apreendidos, eles levaram, ainda, como detidos, Teresa Fernando Pintinho, esposa do segurança do BNA, e o seu filho Gomes Fernando Pintinho Monteiro.


No local escolhido, o grupo, agora reforçado com os dois oficiais chamados por Lútero José, fez a contagem do dinheiro. Mas indicaram o Inspector Chefe Sebastião Manuel Palma, dada a sua condição de chefe do departamento de investigação, para elaborar um auto de apreensão. Com um detalhe: não seria revelada a totalidade dos valores encontrados. Foi declarada, no documento em referência, a apreensão de apenas 1.080.000,00 (Um Milhão e Oitenta Mil Dólares). Isso significa que, do valor verdadeiramente encontrado, os oficiais subtraíram 2.620.000,00 (Dois Milhões e Seiscentos e Vinte Mil Dólares). E, para dar crédito ao documento, coagiram a esposa e o filho do segurança do BNA a assiná-lo, como condição para que fossem, então, colocados em liberdade, mesmo sem saberem do respectivo conteúdo.
Foram soltos por volta das 17 horas, do mesmo dia, depois de largas hora sob detenção e domínio dos oficiais já identificados.
 
 

As pernas curtas da mentira


 
O então comandante da Divisão de Viana da Polícia Nacional, o Superintende Augusto Viana Mateus, soube apenas da operação e da apreensão, consequente, de elevados valores em dinheiro muitas horas depois. Foi informado, a respeito, pelo Intendente Manuel João Fernandes Couceiro, na altura chefe de departamento dos serviços de sector. Essa informação foi, por si, encaminhada ao seu superior hierárquico, no caso, ao comandante provincial de Luanda, o comissário Joaquim Vieira Ribeiro.


A pergunta do comandante foi óbvia: qual a totalidade do valor apreendido. Augusto Viana Mateus não soube precisar, por ser uma informação que, ainda, não dominava na totalidade. Mas disse que ligaria, o que foi feito, ao director provincial da Investigação Criminal da altura, o Inspector Chefe António João, para lhe dar conta da ocorrência e enviar, para o seu controlo, o montante que lhe for entregue pelos seus operativos, já que a sua divisão não trata de delitos económicos.

 

Deslocou-se, então, ao Posto de Polícia do Zango II para tratar do assunto. Lá já se encontravam Paulo Rodrigues, director provincial adjunto de investigação criminal, e João Lando Caricoco Adolfo Pedro, chefe de departamento de operações da mesma direcção. Ante o comandante, o Inspector Sebastião Manuel Palma exibiu o auto de apreensão, já na sua versão reduzida, com os valores de 1.080.000,00 (Um Milhão e 80 Mil Dólares) e pouco mais de 200.000,00 (Duzentos Mil Kwanzas), duas viaturas e duas metralhadoras. Como mandam as regras, a pasta contendo os valores foi fitada. Todos os meios apreendidos foram remetidos à Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC). Augusto Viana Mateus encarregou, a 17 de Agosto de 2009, Sebastião Manuel Palma, na qualidade de chefe de investigação na divisão sob o seu comando, de entregar ao director provincial de investigação, fazendo, entretanto, uma cópia dos autos. Sebastião Palma cumpriu a ordem acompanhado de Domingos António Lima Simão. Os bens foram, então, entregues ao fiel depositário que tratou de confirmar isso mesmo telefonicamente ao comandante de Viana. Este tratou de, seguida, confirmar a posse dos valores e das armas apreendidas ao comandante da Polícia de Luanda, no caso, ao Comissário Joaquim Ribeiro.
O entornar do caldo

 

Uma semana depois do ocorrido, começaram a surgir as primeiras evidências de que as coisas iriam correr mal. Mais concretamente a 21 de Agosto de 2009, o então comandante de Viana, Augusto Viana Mateus, recebeu, no seu gabinete, oficiais afectos ao Comando Geral da Polícia Nacional a dar conta do que, na realidade, se tinha passado em casa do segurança do BNA.

 

Ao gabinete de Viana, acorreram o Superintendente Filipe José Fernandes, acompanhado de três familiares de Fernando Gomes Monteiro. Aqueles contaram, a Viana, os detalhes da operação que resultou, na verdade, na apreensão de 3.700.000,00 (Três Milhões e Setecentos Mil Dólares), e não apenas de 1.080.000,00 (Um Milhão e Oitenta Mil Dólares), conforme chegou, inicialmente, ao conhecimento do comandante.

 

Mais ainda: os familiares de Fernando Gomes Monteiro contaram que o Inspector Lútero José já se tinha apropriado de 100.000,00 (Cem Mil Dólares) e exigia, ao segurança do BNA, o pagamento da mesma quantia a troco da devolução dos documentos “importantes” achados selados numa pasta. Além de que os oficiais da Polícia que irromperam pela casa adentro levaram bens diversos (dois computadores, oito relógios de pulso, três mascotes, três fios de ouro, quatro telemóveis, seis frascos de perfume) avaliados em 11.200,00 (Onze Mil e Duzentos Dólares), além de um passaporte em nome de Fernando Gomes Monteiro. Teresa Bernardo Pintinho, a esposa do segurança, confirmou essas informações, que não constavam do auto de apreensão então em posse da DIPC.
 


Desconfiado pelas evidências apresentadas pelos queixosos, o comandante de Divisão chamou, ao seu gabinete, o Inspector Lútero para confrontá-lo com as informações em sua posse na presença, pois, de quem as transmitia. Este reagiu mal. E, em desrespeito à autoridade de Augusto Viana Mateus, ordenou a prisão do Superintendente Francisco José Fernandes, na qualidade de denunciante, fotografou-o e o injuriou violentamente. Por serem muito ofensivas, este semanário remete-se ao direito de publicar, apenas, parte do que foi dito pelo Inspector ao seu Superintendente. “Seu (º) você vai ver! Você não é nada.  Seu (º) tira as patentes. Levem esse gajo para a cadeia. Você me caluniou que recebi USD 100.000,00 (Cem Mil Dólares)”.

 

Ante a inacção do comandante de Divisão, Lútero encaminhou os presentes à cadeia. Porém, o Superintende Francisco José Fernandes escapou da humilhação, já que o seu irmão, Intendente Felisberto António Agostinho, que chefiava, em Viana, o departamento de informação e análise, facilitou a sua fuga.

 
O ROSTO DA VÍTIMA

 

Um dia antes da morte de Joãozinho, Joaquim Ribeiro apresentou, aos seus adjuntos, durante uma reunião do comando provincial, a carta denúncia, já em sua posse, elaborada por aquele. A António Sião Leitão Ribeiro, assim como a Elisabeth Maria Rank Frank, foi dado a conhecer a forma como a carta foi parar às mãos do comandante provincial. Mas foi António Simão Leitão Ribeiro quem entregou, ao seu superior, quatro fotografias do malogrado, já que Joaquim Ribeiro alegou não conhecê-lo bem. Em posse das fotografias, ele ordenou que fossem feitas cópias que ficaram, pois, em sua posse.


 
AS ÚLTIMAS HORAS DE JOÃOZINHO

 

Foi já depois de condenado, e na cadeia, que o Superintendente Chefe Domingos Francisco João “Joãozinho”, revoltado, decidiu escrever, do seu próprio punho, uma carta para o Ministro do Interior, dando a conhecer a situação em que se encontrava, tudo por que tinha passado mas, sobretudo, denunciando o desvio, para benefício de um punhado de oficiais do comando provincial da Polícia de Luanda, de um elevado valor em dinheiro.

 

Na carta que escreveu, e que tencionava distribuir tão logo fosse solto, ele falava em 3.500.000,00 (Três Milhões e Quinhentos Mil Dólares). Contactou, para o efeito, um outro detido, de quem se tinha feito amigo durante a longa permanência na cadeia. Ele não sabia ainda, mas esta amizade sair-lhe-ia muito cara. Seja como for, o amigo, Adelino de Jesus Ferreira Dias dos Santos, médico de profissão, cedeu o portátil a Joãozinho e este solicitou o apoio de uma reeducadora penal, para que fosse ela a digitalizar o documento.

 

Porém, uma discussão entre Joãozinho e Adelino Dias dos Santos acabou com a amizade entre ambos. O segundo não gostou das declarações do primeiro sobre a sua mulher e, vai daí, decidiu por entregar cópia da carta, arquivada no seu computador pessoal, ao comissário Joaquim Ribeiro. Ele incumbiu, no dia 18 de Outubro de 2010, a sua esposa, Ana Leandra Baptista Maurício, a contactar pessoalmente o comandante e fazer-lhe chegar o documento.

 

Ela não hesitou. Em posse da carta, deslocou-se, a 19 de Outubro, ao comando provincial, mas não foi recebida por Joaquim Ribeiro. Conseguiu, no entanto, o número de telefone daquele. No mesmo dia, por volta das 19 horas, conseguiu o contacto telefónico pretendido. Foi agendado, depois dela ter informado ao comandante sobre o documento em sua posse, bem como sobre a respectiva origem, um encontro entre ambos. Marcada para o Camama, o encontro, porém, não se realizou.

 

No dia seguinte, já a 20 de Outubro, o comissário incumbiu um dos seus homens de confiança para entrarem em contacto com a portadora do documento. O indigitado foi, mais uma vez, João Lando Caricoco Adolfo Pedro, Inspector Chefe, que não foi sozinho. Fez-se acompanhar de um amigo, no caso, António Paulo Lopes Rodrigues, que não era senão o director provincial adjunto da Investigação Criminal. Antes, ele efectuou uma chamada para a portadora, por volta das 08 horas, identificando-se como emissário do comissário Joaquim Vieira Ribeiro. Aquela confirmou a condição com uma chamada telefónica para o comandante.


Marcaram, então, um encontro que se concretizou por volta das 10 horas, nas imediações da administração municipal de Viana. Ela estava acompanhada de uma irmã, enquanto João Caricoco se fazia acompanhar de António Paulo Rodrigues, uma vez que foi levado, para Viana, à boleia de um Toyota Lad Cruiser, que era propriedade deste.


  
Já em posse da carta, e na presença da portadora, eis que um terceiro elemento entrou em cena. António Paulo Rodrigues ligou para o director adjunto da cadeia de Viana, José Manuel Teixeira, para saber de informações sobre a situação carcerária de Joãozinho. Daquele, obteve a informação de que precisava: Joãozinho seria solto, no dia seguinte, por volta das 09 horas e 30 minutos.

 

 José Manuel Teixeira manteve, por volta das 13 horas do mesmo dia, um encontro com o inspector Domingos José Gaspar, colocado no comando da Ingombota, conforme indicação de João Lando Caricoco. Ambos almoçaram juntos mesmo nas instalações da cadeia de Viana. Domingos Gaspar solicitou, a Teixeira, a intenção de conhecer o recluso Adelino, cuja esposa teve o “bom gesto” de entregar a carta de Joãozinho aos emissários de Joaquim Ribeiro. Chamado o preso, esse conversou a sós com Domingos José Gaspar, mas não revelou o seu verdadeiro nome. Antes apresentou-se como Daniel, ocultando o seu verdadeiro nome e profissão. Tão logo saiu da cadeia, Domingos Gaspar foi ao encontro de Joaquim Ribeiro, que já estava em companhia de Caricoco, aos quais contou tudo quanto tinha apurado.

 

 Antes dessa sucessão de episódios, já o comandante Joaquim Ribeiro tinha, segundo revelações, orientado o superintendente Augusto Viana para “linchar”, fazendo uso das suas palavras, o superintendente Chefe Domingos Francisco João. Ante o atraso na consumação da ordem, Viana foi, mesmo, criticado pelo seu superior que, em certo dia, chamou-o e disse: “este fim de semana quero ver a saúde do homem tratado, o homem tem que ser linchado”, referiu, em palavras que, segundo testemunho de Augusto Viana aos investigadores do processo, foram presenciadas por António João, director provincial da investigação criminal.


Mais tarde, porém, refere-se que Joaquim Ribeiro baixou a mesma ordem a João Lando Caricoco e a Domingos José Gaspar. Esta ordem, no entanto, foi mais exacta. A acção teria de ser consumada no dia 21 de Outubro, data da soltura de Domingos Francisco João e altura em que este, segundo informação recolhidos do presidiário Adelino Dias dos Santos, pretendia apresentar-se ao comando geral da Polícia Nacional, bem como dar sequência da distribuição de documentos comprometedores contra Joaquim Ribeiro e outros oficiais sob sua ordem.

 

MORTOS, MAS SEM PAZ

 

Mesmo sem estar no local, o chefe do departamento de investigação da divisão de Viana, Sebastião Manuel Palma, telefonou cinco minutos após a ocorrência a Lourenço Borges da Silva e a Tomás Francisco António da Silva, seus subordinados, a quem ordenou para que se deslocassem à estrada do Zango para, então, procederem ao levantamento de um homicídio duplo que ali ocorrera.

 


Mas foram, no entanto, dois oficiais e um sargento afectos à Esquadra de Luanda Sul as primeiras autoridades policiais a chegar ao local, por volta das 08 horas e 10 minutos. Colheram as primeiras declarações de populares que rodeavam a viatura, com os corpos das vítimas. Soube da emboscada por intermédio destes populares e, deles, obteve um pano para tapar o vidro da viatura, tal era a violência dos ferimentos sofridos. Aos prantos, chegou ao local a esposa de Joãozinho, permitindo a tais oficiais apurar a identidade das vítimas.
Aos poucos foram surgindo mais oficiais da Polícia, a quem os primeiros oficiais a tomar contacto com a ocorrência foram passando informações. Pela ordem que se segue, surgiram, no local António Galiano Miguel, Manuel João Fernandes Couceiro, António Paulo Rodrigues. Depois, por telefone, Couceiro telefonou para Sebastião Manuel Palma, confirmando a morte de Domingos Francisco João, ou tão simplesmente Joãozinho.

 

Duas horas depois, fez-se ao local uma viatura pronto-socorro que, sob ordem de António Lopes Rodrigues e António Galiano Miguel, removeram a viatura baleada e a arrastaram para a Esquadra de Luanda Sul. Os peritos de campo fotografavam, enquanto isso, a viatura, em vários ângulos. Depois, já na Esquadra, os corpos foram removidos para a morgue, por duas viaturas apropriadas das divisões de Cacuaco e Kilamba Kiaxi.

 

As personagens e os crimes de que são acusados Quem é quem no “Caso Quim Ribeiro

 

JOAQUIM VIEIRA RIBEIRO, t.c.p. “Quim Ribeiro”, Comissário da Polícia, à data dos factos Comandante Provincial da PolíciaNacional de Luanda, solteiro, de 54 anos de idade, natural de Luanda, réu preso. É acusado de ser o autor moral da morte dos dois oficiais, em concurso com os crimes de abuso de exercício do cargo, conduta indecorosa, abuso de confiança e falsificação praticada por empregado público no exercício das suas funções.

 


ANTÓNIO JOÃO, Inspector chefe da Polícia Nacional, à data dos factos Director Provincial de Investigação Criminal de Luanda, jurista, solteiro, de 44 anos de idade, natural de Luanda, réu preso. É acusado de co-autoria de um crime de violência contra superior de que resultou a morte, em concurso com o crime de violência contra inferior de que resultou a morte, abuso no exercício do cargo, conduta indecorosa, abuso de confiança e ainda falsificação praticada por empregado público no exercício das suas funções.

 

 

ANTÓNIO PAULO LOPES RODRIGUES, Intendente da Polícia Nacional, então director provincial adjunto de investigação criminal de Luanda, jurista, casado, de 42 anos de idade, réu preso. É acusado de co-autoria de um crime de violência contra superior de que resultou a morte, em concurso com o crime de violência contra inferior de que resultou a morte, abuso no exercício do cargo, conduta indecorosa, abuso de confiança e ainda falsificação praticada por empregado público no exercício das suas funções.

 

JOÃO LANDO CARICOCO ADOLFO PEDRO, Inspector Chefe da Polícia Nacional, à data dos factos Chefe de Departamento de Operações da Direcção Provincial de Investigação Criminal, casado de 40 anos de idade, natural do Rangel, Província de Luanda, réu preso. É acusado de co-autoria de um crime de violência contra superior de que resultou a morte, em concurso com o crime de violência contra inferior de que resultou a morte, abuso no exercício do cargo, conduta indecorosa, abuso de confiança e ainda falsificação praticada por empregado público no exercício das suas funções.

 

SEBASTIÃO MANUEL PALMA, Inspector Chefe da Polícia Nacional, no momento dos factos Chefe do Departamento de Investigação Criminal do Comando de Divisão de Viana, solteiro, de 46 anos de idade, natural do Sambizanga, no município com o mesmo nome da província de Luanda, réu preso. É acusado de co-autoria de um crime de violência contra superior de que resultou a morte, em concurso com o crime de violência contra inferior de que resultou a morte, abuso no exercício do cargo, conduta indecorosa, abuso de confiança e ainda falsificação praticada por empregado público no exercício das suas funções.

 

MANUEL JOÃO FERNANDES COUCEIRO, Intendente da Polícia Nacional, à data dos factos Chefe do Departamento dos Serviços de Sector do Comando de Divisão de Viana, casado, de 46 anos de idade, natural do Sambizanga, Província de Luanda, réu preso. É acusado de co-autoria de um crime de violência contra superior de que resultou a morte, em concurso com o crime de violência contra inferior de que resultou a morte, abuso no exercício do cargo, conduta indecorosa, abuso de confiança e ainda falsificação praticada por empregado público no exercício das suas funções.

 

LUTERO JOSÉ, Inspector da Polícia Nacional, à data dos factos exercia a função de Chefe da Brigada dos Serviços de Sector da 48ª Esquadra do Comando de Divisão da Polícia Nacional de Viana, solteiro, de 44 anos de idade, natural de Kaluquembe, Província da Huíla, réu preso. É acusado de abuso no exercício do cargo, conduta indecorosa, abuso de confiança, ameaça a superior hierárquico, ofensas a superior hierárquico e ainda falsificação praticada por empregado público no exercício das suas funções.

 

DAMIÃO SAMPAIO QUILENGO, t.c.p. “Mito” 1º Sub- Chefe da Polícia Nacional, à data oficial Operativo da 44ª Esquadra da Divisão da Polícia de Viana, solteiro, de 39 anos de idade, natural da Maianga, Luanda, réu preso. É acusado de abuso no exercício do cargo, conduta indecorosa, abuso de confiança e ainda falsificação praticada por empregado público no exercício das suas funções.

 

CARLOS ALBINO UKUAMA, Sub- Inspector da Polícia Nacional, à data oficial Operativo da 48ª Esquadra do Comando de Divisão da Polícia de Viana, solteiro, de 41 anos de idade, natural de Malange, réu preso. É acusado de abuso no exercício do cargo, conduta indecorosa, abuso de confiança e ainda falsificação praticada por empregado público no exercício das suas funções.

 

MANUEL DA MATA JOÃO, Agente de 1ª Classe, colocado na 48ª Esquadra da Divisão da Polícia de Viana, solteiro, de 36 anos de idade, natural do Kilamba Kiaxi, Província de Luanda, réu preso. É acusado de abuso no exercício do cargo, conduta indecorosa, abuso de confiança e ainda falsificação praticada por empregado público no exercício das suas funções.

 

ANTÓNIO GALIANO MIGUEL, Superintendente, à data dos factos Chefe de Operações da Divisão da Polícia Nacional de Viana e Comandante interino da 7ª Divisão de Viana, natural de Luanda, de 43 anos de idade, réu preso. É acusado de violência contra superior de que resultou morte, violência contra inferior de que resultou morte.

 


LOURENÇO BORGES DA SILVA, Inspector Chefe da Polícia Nacional, à data dos factos com a função de Perito de Campo do Laboratório Central de Criminalística, natural de Luanda, solteiro, de 39 anos de idade, réu preso. É acusado como encobridor de um crime de violência contra superior de que resultou a morte, com um outro crime de violência contra inferior de que resultou a morte.

 

DOMINGOS JOSÉ GASPAR, Inspector, Instrutor Processual do Departamento de Investigação Criminal da Ingombota, natural de Luanda, casado, de 44 anos de idade, réu preso. É acusado de violência contra superior de que resultou morte, violência contra inferior de que resultou morte.

 

YURI JAIME DE MATOS VILARIGUES, “RUSSO”, Sub-Inspector, à data Investigador Criminal da Direcção Provincial de Investigação Criminal, natural de Luanda, Município da Maianga, solteiro de 27 anos de idade, réu preso. É acusado de violência contra superior de que resultou morte, violência contra inferior de que resultou morte.

 

EDUARDO CAMPOS PEREIRA DA SILVA, Inspector, à data da ocorrência, Chefe de Brigada do Departamento Investigação Criminal da Divisão do Cacuaco da Polícia Nacional, solteiro de 41 anos de idade, réu preso. É acusado de violência contra superior de que resultou morte, violência contra inferior de que resultou morte.

 

JOÃO ANTÓNIO CAIXA, “RUSSO”, Inspector, à data Oficial de Investigação do Departamento de Operações da Direcção Provincial Investigação Criminal de Luanda, natural de Luanda, casado de 41 anos de idade, réu preso. É acusado de violência contra superior de que resultou morte, violência contra inferior de que resultou morte.

 

ANTÓNIO DA CONCEIÇÃO SIMÃO, “CESSA”, Sub-Inspector, à data dos factos Chefe de Brigada de Investigação do Departamento de Operações da Direcção Provincial de Investigação Criminal de Luanda, natural de Luanda, solteiro, de 39 anos de idade, réu preso. É acusado de violência contra superior de que resultou morte, violência contra inferior de que resultou morte.


TOMÁS FRANCISCO ANTÓNIO DA SILVA, Intendente, à data Chefe de Brigada do Departamento de Investigação Criminal da Divisão de Viana, natural de Kinji, Município de Kalandula, Província de Malange, solteiro, de 35 anos de idade, réu solto. É acusado como encobridor de um crime de violência contra superior de que resultou a morte, com um outro crime de violência contra inferior de que resultou a morte.

 

NICOLAU ABEL TEIXEIRA, Sub-Inspector, na altura da ocorrência Chefe de Brigada de Investigação Criminal do Departamento de Investigação Criminal da Divisão de Ingombota, natural do Cazenga, Província de Luanda, casado, de 43 anos de idade, réu preso. É acusado de violência contra superior de que resultou morte, violência contra inferior de que resultou morte.

 

JOSÉ AGOSTINHO MATIAS, Agente de 1ª Classe da Polícia Nacional, exercendo à data a função de Chefe de Brigada de Investigação Criminal da 47ª Esquadra do Zango, natural de Gulungo Alto, Província do Kwanza-Norte, solteiro, de 45 anos de idade, réu preso. É acusado de violência contra superior de que resultou morte, violência contra inferior de que resultou morte.


DOMINGOS ANTÓNIO LIMA SIMÃO, “JUBAL” Sub-Inspector, então Chefe de Secretaria do Departamento de Investigação Criminal de Viana, natural do Sambizanga, Província de Luanda, solteiro, de 43 anos de idade, réu solto. É acusado como encobridor de um crime de violência contra superior de que resultou a morte, com um outro crime de violência contra inferior de que resultou a morte.

 

OS OFICIAIS ENVOLVIDOS ORIENTARAM OS SEUS SUBORDINADOS NO SENTIDO DE COLOCAREM ARMAS NO CARRO BALEADO PARA SEREM FOTOGRAFADAS, FAZENDO, ENTÃO, CRER QUE PERTENCIAM ÀS VÍTIMAS.

 

A brigada assassina

 

Foi a brigada de “baixa visibilidade” da DPIC que tratou de matar Domingos Francisco João e o seu amigo Domingos Fonseca Mizalaque. Informações, agora divulgadas, apontam para o facto de enquanto, na manhã do fatídico dia, se faziam as diligências para a localização da casa do malogrado, executores da acção já se tinham lançado pelo Zango adentro. Faziam-se transportar, em grupo de sete pessoas (João Lando Caricoco Adolfo Pedro, Yuri Jaime de Matos Vilarigues, Eduardo Campos Pereira da Silva, Nicolau Abel Teixeira, Domingos José Gaspar, António da Conceição Simão e João António Caixa), em viaturas não identificadas, mas sabe-se que ostentavam matrículas operativas. Aguardavam, pois, o sinal de José Agostinho Matias que, como se viu, à dada altura, já monitorava os passos de Joãozinho.


Aliás, testemunhas reportam tê-los vistos por baixo de uma mangueira, próximo de um posto de abastecimento de combustível contentorizado, e do local em que as vítimas foram alvejadas. Foi deste local que a viatura Hilux, de cor branca, saiu e foi reabastecer-se de combustível, tendo João Lando Caricoco conversado com um dos frentistas para solicitar prioridade no atendimento, minutos antes do sucedido. Retiraram-se, rapidamente, logo a seguir ao telefonema e, instantes depois, deu-se o morticínio.

 


Viana foi, depois, informado do sucedido por António Galiano Miguel, em sua própria casa. Só, depois, então é que João Lando Caricoco se havia reunido, com os operativos da brigada de baixa visibilidade da DPIC, no Cemitério Municipal de Viana. Foi o sinal acordado como uma espécie de confirmação da acção.

 

Mais tarde, já a 10 de Novembro de 2010, Isaac de Assunção António, superintendente, chefe do departamento de crime contra pessoas da DPIC, deslocou-se à secção de criminalística do comando municipal de Viana, solicitando a pasta do computador onde estavam guardadas as fotografias referente ao assassinato de Joãozinho e Mizalaque. A verdade, porém, é que elas desapareceram, logo depois, do computador. Por sorte, o processo já havia sido remetido à Procuradoria Militar e as fotos estavam, já, em posse do Laboratório Central de Criminalística.

 

Tratou-se, apenas, de uma entre muitas acções desencadeadas para ocultar a autoria do crime. Em certo momento, por exemplo, os oficiais envolvidos orientaram os seus subordinados no sentido de colocarem armas no carro baleado para serem fotografadas, fazendo, então, crer que pertenciam às vítimas.


Os momentos derradeiros de um oficial Minuto a minuto
06h00.

 

 Domingos José Gaspar consegue, finalmente, o contacto telefónico com o director adjunto da Cadeia de Viana, José Manuel Teixeira, que manteve os telefones desligados desde a tarde do dia anterior, em que ambos almoçaram nas instalações do estabelecimento prisional. Ele fez a Teixeira um reparo: disse que os seus chefes não gostaram do facto dele manter o telefone desligado. Pediu, em seguida, ajuda para a localização da casa de Joãozinho, sabendo-se que ambos residiam no Zango. Seguiu, pouco depois, à procura de Joãozinho, mas já não o encontrou na residência habitual. Pediu a ajuda de um jovem, não identificado, que o levou até à nova residência do oficial. E lá o encontrou. Sem saber das reais intenções de quem o visitava, Joãozinho contou o que pretendia fazer e mais disse que esperava pelo Mizalaque, com a boleia para deslocar-se ao Comando Geral da Polícia Nacional.
 07h30.

 

 José Teixeira telefonou para Domingos José Gaspar e o informou da localização exacta da residência de Joãozinho, pondo-lhe, também, ao corrente da intenção daquele de deslocar-se ao Comando Geral da Polícia Nacional. Em paralelo, decorria uma outra diligência, no sentido de se localizar a residência de Joãozinho. Esta era encetada por José Agostinho Matias, chefe de Brigada de Investigação Criminal do Zango, sob orientação de João Lando Caricoco Adolfo Pedro. Com a ajuda de um subordinado, José Agostinho Matias, localizou a residência.
07h30m40s.

 

 José Agostinho Matias transmitia a João Lando Caricoco, que já se encontrava em Viana, a localização exacta da residência de Joãozinho Matias, entretanto, manteve-se na área da residência de Joãozinho e foi monitorando os movimentos dele, informando sobre os mesmos por telefone à Caricoco. Fez chamadas às 07h34m01s, às 07h41m44s e uma última chamada às 07h55m02s.
08h00.

 

 A viatura Toyota Corolla conduzida por Domingos Fonseca Mizalaque, acompanhado de Joãozinho, saiu do local em que se encontrava, tendo sido interceptada, pouco tempo depois, por uma outra viatura, de cor branca, de marca Toyota Hilux, de onde saltaram os ocupantes que os abordaram com vários tiros de arma de fogo do tipo akm, na estrada do Zango, numa zona pouco movimentada aquela hora. Morreram de imediato com múltiplos ferimentos de balas.
A confissão de Domingos Gaspar

 

José Manuel Teixeira, director adjunto da cadeia de Viana, foi abordado por Domingos José Gaspar para um encontro, desta vez no Restaurante Terraço, em Viana. Com medo, depois de conhecer o fim de Joãozinho, muniu-se de um gravador com o qual registou o curso da conversa, sem que o seu interlocutor desse por isso. Eis, pois, parte da gravação em referência, sendo as palavras atribuídas a Domingos José Gaspar:

 

1. O Adelino Dias dos Santos, sabe que o meu nome é Daniel e nem sabe que sou Polícia, não sabe onde trabalho e nem nada; sic


 2. Eu recebi ordem do Director Provincial Adjunto de Luanda e o Director Provincial não sabe nada, ele é um “barda merda”, o Director Adjunto é que assegura Luanda.

 

 3. Quanto a situação dos assassinatos “nem os Adjuntos, a Bety e o Leitão Ribeiro sabem, é um assunto que ficou entre Quim Ribeiro e a equipa operativa da Investigação Criminal;

 

 4. Quando você foi a casa do “Joãozinho” a equipa que estava no terreno já te tinha caracterizado e não havia de te acontecer nada.
 

5. O Comandante Provincial quando recebeu o documento fez-se de vítima e remeteu a exposição ao comandante Geral, ao Ministério do Interior e ao Presidente da República, a explicar que estava a ser alvo de difamação. Ele é um vivo.


6. A Investigação está a preparar três gajos que vão entrar “cuzú” e que vão assumir o assassinato de Joãozinho.


7. No mesmo dia o “Joãozinho” estava a levar a carta ao Comando Geral e ao Ministério do Interior. Ele é o único gajo que lhe podia prejudicar e ele próprio arranjou o seu destino,


8. A conversa de que você me passou a informação, ninguém sabe: eu só estou preocupado, se você falou alguma coisa ao Quintas ou ao Correia.