Luanda -  Num reino de cães havia um velho pastor-alemão que era o seu líder. Um dia o velho pastor adoeceu e morreu, e com a sua morte o reino esmoreceu. Embora não fosse um grande líder, o pastor, que era médico e poeta, tinha conduzido o povo na luta pela independência, contra as hienas brancas que tinham vindo de terras longínquas para os explorar.


Fonte: JD


Sem saberem o que fazer, os mais velhos do reino decidiram escolher outro líder. Mas como o reino era novo e instável, e ninguém sabia se iria sobreviver por causa da guerra que existia entre os cães da cidade, que estavam no poder, contra os cães do norte, liderados por um Galgo, e os cães do sul, comandados por um Rotweiler demagogo, ou se as hienas brancas voltariam atacar, nenhum dos cães mais velhos queria o lugar. Perante este quadro de hesitação geral, e de grande cobardia também, um influente grupo de mais velhos, quase todos rafeiros, decidiu escolher um cachorro jovem, um pitbull de cara mansa, ar delicado, que quase não ladrava, e quando o fazia era baixinho e conveniente, que aceitava fazer tudo o que lhe mandavam, a quem nos últimos anos da sua vida o velho pastor escolhia quase sempre para cumprir missões importantes do reino no exterior.  Aproveitando-se disso, o grupo dos velhos inventou que antes de morrer, o velho pastor tinha deixado um testamento político indicando a sua preferência pelo jovem pitbull de cara mansa. E assim, nesse ambiente de luto e indecisão, o jovem pit foi escolhido como o novo líder do reino dos cães.


Nos primeiros anos o jovem cachorrinho mostrou-se tímido e inseguro. Falava cada vez menos, ouvia tudo o que os mais velhos lhe diziam e não fazia confusão. E apesar de inexperiente, o povo gostava dele. Ele era jovem, bonito e tinha um porte atlético. Não era muito simpático, mas o seu ar de cachorro molhado a pedir colinho, faziam com que fosse adorado pelo povo. Como qualquer cão, andava atrás das cadelas, às vezes usando o seu poder e dinheiro, e foi fazendo muitos filhos.

 

Apesar da guerra com os cães do sul, que tinham apoio dos americanos e dos cães brancos sul-africanos, o reino foi-se estabilizando graças à sua riqueza, principalmente o petróleo e o diamante, e alguns mais velhos começaram a pensar em tirar o jovem pitbull do poder para meter um deles. O jovem pit, já habituado e agarrado ao poder, percebeu a trama e se antecipou. Graças a experiência acumulada, fez algumas alianças com os cães generais e conseguiu afastar, um a um, todos os que lhe queriam apear do trono. E durante os anos que se seguiram foi afastando os cães que, expressamente ou apenas por mera hipótese teórica, podiam disputar o seu lugar. E sem que ninguém se apercebesse, lentamente aquele jovem pitbull foi-se transformando num lobo muito mau, a quem todos, incluindo os mais velhos que o tinham colocado no poder, passaram a obedecer cegamente e a temer como a um verdadeiro Deus. E era assim que o tratavam, como um Deus, e lhe davam todos os títulos, as suas fotos foram espalhadas por todos os cantos do reino, e a tudo davam o seu nome, e no dinheiro do reino meteram o seu rosto ao lado do velho pastor, e no bilhete de identidade também, e quando conseguiu eliminar o Rotweiler demagogo os seus seguidores passaram a chamá-lo obreiro da paz e queriam candidatá-lo ao prémio Nobel. E depois, apesar das desastradas políticas, começaram a chamá-lo de obreiro da reconstrução, guia da juventude, pai da nação, e nenhum ministro do reino falava sem citar o seu nome, e quem ousasse criticá-lo era afastado e punido severamente, afastado das cercanias do poder. Enquanto isso os seus filhos foram enriquecendo, a sua filha mais velha é a décima mulher mais rica do continente e a mais poderosa do antigo reino colonizador.

 

A empresa de um outro, foi escolhida para fazer a gestão da imagem do governo do pai, o outro é dono de um banco, a outra, uma maluquinha, é presidente de um clube e gere a televisão estatal. A esposa passa a vida em eventos fúteis para angariar dinheiro.


Hoje o jovem pitbull está velho. As pernas já não têm forças, começou a mancar, o latido é inócuo e fraco. Já ninguém o percebe e muitos desligam a tv quando ele ladra. O povo, sofrido, amadureceu e percebeu que o pit velho afinal é transformou-se num lobo-mau e coloca em causa a sobrevivência do reino, onde o povo vive cada vez pior.

 


 Para se justificar das críticas nas redes sociais, o pitvelho fez um discurso a dizer que a culpa não é sua nem do seu partido, porque quando chegou ao poder já havia pobreza e não foi ele que a inventou, que esta foi causada pelas hienas brancas que tinham vindo explorar os cães. E o povo, chateado com tudo isso, já não quer um lobo, ainda por cima mau, a dirigi-los, e por isso os jovens do reino começaram a pedir para ele ir embora, porque acham que o velho pit, cansado e ultrapassado, deixou de entender o seu povo, perdeu a noção das coisas, e já não consegue tomar as decisões. Escolhe os seus ministros com base no tamanho e na maciez da língua. E os ministros do seu reino, embora já não gostem muito dele, fingem que querem que ele continue no poder, mas eles sabem que o velho pit ladra mas já não morde. E o pitvelho, que também sabe que já não pode morder, porque corre o risco de perder os dentes todos, de tão fracos que estão, vai fingindo que ainda morde, por vezes rosna ameaçadoramente, tranca a cara enrugada e cansada, e, ao invés de medo, causa uma silenciosa gargalhada geral. Mas os seus cãonistros e colegas de partido fingem que ficam com medo, enfiam as caudas no rabo mas riem-se dele às escondidas.

 

E hoje o reino dos cães vive assim, com um velho pitbull no poder, que ladra fraquinho mas já não morde, e ministros, jovens e velhos, a maioria incompetente, que finge sentir medo dos seus latidos e rosnares, mas que já não o querem lá, e aproveitam que o velho está cego e senil para continuarem a enganá-lo e assim fazerem a sua vida, delapidando a riqueza do reino. Muitos deles, ministros e colegas do partido, estão apenas à espera que o velho pit morra para começarem a dizer mal dele, arrancarem as fotos dos seus gabinetes, tirar o seu nome da universidade do Huambo, derrubar as suas estátuas, queimar os seus discursos, trocar o nome dos seus familiares nas ruas e hospitais, por alguém que mais mereça. Só que, enquanto isso não acontece, quem paga é o povo, que depende de um velho pit cansado e senil, que ladra mas não morde, e de ministros cobardes e corruptos, que fingem que sentem medo só para se manter nos lugares. Ele sabe que já não pode morder, eles sabem que ele já não pode morder.


Ele finge que ainda morde, e eles fingem que acreditam que o velho ainda morde, e a fingir assim vai o reino dos cães.