Luanda - Essa pergunta é, obviamente, feita ao tempo. Depois de horrorosas mortes selectivas e silenciosas protagonizadas pela PIDE/DGS, no caso, de países colonizados por portugueses, hoje, em muitos Estados democráticos e de direito as detenções e execuções arbitrárias continuam a ensombrar a humanidade.


Fonte: Club-k.net

 

A caça ao homem parece ter ficado para sempre no dicionário político mesmo daqueles que não sabem ler. As torturas e banhos de sangue em razão da não aceitação da diferença ideológico-partidária, origem ou cor são as sombras do passado que a ninguém honra revivê-las, pois, remetem para os campos de fuzilamentos, enforcamentos, asfixia e decapitação de homens, mulheres e velhos o que abalou e enlutou, profundamente, famílias inteiras e a humanidade.


Contudo, vale, aqui, distinguir, mortes sob o escudo de pena de morte entendida de entre diversas definições e, com todo o respeito, como execuções de vidas humanas à luz de uma ordem judicial das execuções arbitrárias qualificadas como mortes contra legem, grosso modo, que caracterizam regimes totalitários e, marcadamente, opressores. Ou seja, regimes que sob vários pretextos eliminam vidas humanas de forma subterrânea. Para todos os efeitos, perderam-se vidas humanas, aqui e acolá, em valas comuns ou praças públicas sem a responsabilização criminal dos seus verdadeiros protagonistas. E olhando para o passado, ou seja, o tempo do kaputo poucos sabem das valas comuns ou sítios para onde foram atirados, impiedosamente, homens, mulheres e jovens que sabiam ler e escrever, eram críticos ou tinham pontos de vistas diferentes relativamente ao regime colonial. Aliás, quantos inocentes não foram desumana e arbitrariamente detidos e tantos outros executados?
 


1. Ontem: Pena De Morte __ Depois Da Independência
 

A independência de Angola foi proclamada numa altura em que a consciência politica de várias elites era dominada por duas forças, profundamente, contraditórias: por um lado e, no plano interno, a necessidade de afirmação da auto-determinação e dignidade recuperadas ora das lutas anti-coloniais e, por outro, na esteira internacional, as incertezas e arritmias em termos de buscas de posicionamentos ideológicos confrontados com interesses de blocos, em muitos casos, responsáveis pela ideofrenia politica aliada a faltas de vária ordem internamente nos países, na altura, recém-independepentes. Obviamente, este clima minou, não só  a paz social, mas acima de tudo, os fundamentos da identidade política e sócio-cultural dos seus povos tornando-os reféns ou, sem conta disso, assumindo uma racionalidade, para nós, snobe e de ruptura. Nisso, injustamente, em 1975 o legislador constituinte não soube traçar a fronteira e, por conseguinte, distanciar-se do posicionamento e da ideologia do Partido-Estado que sob o escudo da segurança do Estado acolheu a pena de morte. Hipocrisia ou não, a história registou com muita dor e luto a pena de morte. Foi uma espécie, ainda que não oficial, da declaração de guerra e ódio, fundamentalmente, contra as liberdades fundamentais e a dignidade humana. O pior de todos os males estava reservado não só ao criminoso, o cidadão, como também, à humanidade pervertendo duramente os fundamentos de justiça. A morte era o preço do crime. Estávamos numa época em que o clima político era de profundo ódio àqueles que fossem contra a ordem politica estabelecida pelo partido único, que se impôs, contra tudo e todos, como o único detentor do poder legitimo. Assim, tendo-se assumido como Partido-Estado desenhou a geografia humana da exclusão o fez desfilar acontecimentos que nem mesmo, sumariamente, ousamos traçar à liça. Aliás, muitos acontecimentos não teriam testemunho documental algures enterrados ou mesmo rasgados.
 


Na altura, os crimes que, desencadeavam a pena capital ou pena de morte não eram do fórum comum. Por isso, foram criados durante o partido único tribunais especiais ad hoc cujo objecto mais do que, propriamente, perseguir a justiça e julgar com verdade era incriminar e condenar todos aqueles que se insurgiam contra o regime do partido único; os que exploravam, ilegalmente, o diamante, vulgo, kamanguistas e aqueles que eram bombistas ou atentavam contra a integridade territorial ou as instituições do Partido-Estado. Contudo, outros tantos foram condenados e mortos, injustamente, ou melhor, inocentes. Para o nosso caso, o fuzilamento, o estrangulamento, asfixia ou atirar ao rio eram as formas mais comuns que ceifaram vidas um pouco por todo o país.

 

Todo este clima que cheirava, acima de tudo, a perseguições políticas estendiam-se, de tal modo, que muitos chefes militares a seu bel-prazer condenavam tropos que, muitos deles, eram fuzilados sob o olhar pio de tantos outros soldados. Assim, era a justiça que tinha uma ideologia, a do partido. Portanto, fique claro que olhamos para o passado para, melhor, lermos os sinais do tempo presente. Longe de abrir as feridas que muitos Deputados não conseguem suturar em época de reconciliação nacional e de paz.

 

Dos PALOP, Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, só Cabo-Verde afastou esse cálice ou a pena de morte como medida de justiça. É uma grande lição que fica para a história de um povo e a humanidade. Quanto aos outros, como o nosso, condenar e fuzilar um simpatizante ou membro da FNLA ou UNITA ou ainda do MPLA com ideias muito revolucionárias era como se de uma vitória se tratasse.  E muitos eram mortos em praças públicas. Felizmente, os tempos mudaram e a década de Noventa é uma graça, especialmente, para nós. Moçambique aboliu a pena de morte em 1990, G.Bissau em 1993, S. Tomé e Príncipe em 1990 e Angola em 1991. Finalmente e, para a reflexão, ficam algumas questões: por que o legislador ter-se-ia levado pelos ventos do tempo? Ou terão deixado de existir os tipos de crimes que deram azo à pena de morte para assistirmos com hipocrisia a estas detenções e execuções arbitrárias?
2. Hoje: Execuções Arbitrárias

A pena de morte foi abolida, mas em muitos Estados são crescentes as execuções arbitrárias que os defensores dos direitos humanos não se cansam de denunciar. Em países democráticos e de direito esse cenário ainda é visível. O verbo matar parece mais dócil aos feudocratas que subterraneamente perseguem, sobretudo, quem denuncia, critica ou investiga casos sensíveis que põem em causa a imagem de um regime ou de certas personalidades que a seu bel-prazer e de forma indevida se apropriam do erário público. Naturalmente, o estado social é de consternação quando vemos irmãos nossos perseguidos, detidos ou executados num Estado de direito. Essa prática que corre um pouco por todo o mundo deve merecer uma grande atenção e vir ao debate, pois, geralmente, o sujeito ou o autor directo ou indirecto é a pessoa singular ou colectiva sobre quem impende o ónus de proteger e garantir as liberdades fundamentais e segurança ao próprio cidadão que é morto subterraneamente.

 

Nisso alguns jornalistas, os activistas cívicos, académicos e políticos críticos ou não dóceis aos regimes totalitários são os mais visados, pois, os detentores do poder político e económico, por todos os meios e ciladas, procuram eternizar as suas legitimidades. De uma ou doutra forma, as execuções arbitrárias descredibilizam as instituições de um Estado e abalam a segurança e o fundamento de justiça. E tudo isso, faz-nos pensar por que razão é produzida tanta legislação quando não existe, entre nós, a cultura do diálogo científico? Por que é que se fomenta, o que é gravíssimo, hierarquias e muros no conhecimento científico dando privilégios a alguns ramos do saber cientifico em detrimento de tantos outros na produção de leis? Porventura, não sabemos que a realidade é a mesma e totalitária sendo, apenas, diferente a forma de percepcioná-la? E o cerne da questão está, precisamente, nessas rupturas ou falta da multi e transdisciplinaridade. Eis por que a lei é encarada com muita resistência porque desarticulada desse diálogo multidisciplinar e dos fundamentos dos valores sócio-culturais do homem. Em resultado disso, a função e o fim último da norma jurídica não se realiza e cada vez mais é crescente a população prisional, mais centros prisionais e mais leis num eterno círculo vicioso.

 

Para terminar ao mesmo tempo borrifarmos a fronteira do saber, entendemos que a lei deve dialogar com os fundamentos éticos de uma sociedade, pois, o grande limite na vida é a consciência moral, o que nos vem de dentro __ É o grande leme da vida ao qual devemos associar outros valores ainda que não familiares, mas necessários para que a vida não seja a presa mais fácil dos algozes dos homens e mulheres de bem. Viva a vida para sempre, pois, nenhuma ordem, nenhum poder são mais do que ela. PORVENTURA, NÃO ESTARÁ A PIDE/DGS MORTA COM A COLONIZAÇÃO?