Luanda - Aquele que viria a ser o fundador da nação angolana abriu os olhos ao mundo na aldeia de Kaxicane, banhada pelas águas caudalosas do rio Kwanza, na região de Catete, circunscrição de Icolo e Bengo, a 60 km de Luanda. Corria o ano de 1992. Como era hábito na altura, o parto decorreu em família, na casa modesta do pastor metodista Agostinho Pedro Neto, e de sua mulher, a pr...ofessora primária Maria da Silva Neto. O menino viria a chamar-se António Agostinho Neto, nome que não tardaria a andar nas bocas do mundo.


Fonte: Fragata De Morais

 

Os primeiros tempos da sua formação foram bastante irregulares, pois a inegável capacidade que demonstrou para os estudos não foi devidamente estimulada pelos pais. Feita a instrução primária, acabou por se arrastar no liceu durante dez para um curso de sete, não obstante figurar sempre no Quadro de Honra. Tudo porque os pais capricharam em que acompanhasse a par e passo o irmão mais velho, Pedro, o qual se atrasara nos estudos e não tinha idêntico aproveitamento. Deste modo, se o Pedro reprovava num ano, Agostinho Neto suspendia a preparação e esperava por ele. Assim se explica que, tendo-se matriculado no Liceu Nacional Salvador Correia em 14 de Fevereiro de 1934, só concluísse o 7º ano em Janeiro de 1949.

 

Segundo o testamento de quem o conheceu nesse tempo, Agostinho Neto nunca se mostrou revoltado pelo facto de ser vítima desses constrangimentos. Mas a verdade é que, se eles não tivessem existido, podia ter ido longe mais cedo. Em todo o caso, a frequente suspensão dos estudos liceais acabaria por exercitar a sua aptidão como professor, actividade que, ainda adolescente, por vezes exerceu na Missão Evangélica de Luanda, a convite dos respectivos missionários. Era então tratado, pelos mais velhos, como o menino Antonico, e pelos mais novos como o Professor Pequeno, conforme recordam os seus colegas de então, Mendes de Carvalho e Adriano Sebastião.

 

Em 1936, quando tinha apenas 14 anos, fez a sua primeira oração pública, no decorrer de uma sessão realizada na Liga Nacional Africana, por iniciativa da União da Cristandade Evangélica de Luanda. Tratou-se de uma oração fúnebre, em louvar do missionário metodista Robert Shields, que trabalhara durante muitos anos em Luanda, nomeadamente no Maculusso. Além de Agostinho Neto, usaram da palavra os angolanos José Arsénio Gonçalves, Domingos da Silva, Gaspar de Almeida e Artur Eugénio Victor.

 

Data essa altura a criação do CEJA- Centro Evangélico da Juventude Angolana que Agostinho Neto fundou na Missão, com a finalidade de apoiar os alunos do ensino primário, habitando-os a vencer as dificuldades de aprendizagem, em especial no respeitante à língua portuguesa. O CEJA, que desaparecia após o afastamento do seu fundador, seria a primeira das muitas organizações que, ao longo da vida, Agostinho Neto criou ou a que se associou.
Mentalmente desenvolvido para a sua idade (hoje dir-se-ia sobredotado), Neto revela já as características de circunspecção sisudez que o caracterizariam pela vida fora e que, no plano político, o afectariam junto daqueles para quem um líder com carisma tem de ser populista e fala-barato. Ao invés dos buliçosos companheiros de estudo, que se pelavam pelas actividades lúdicas e recreativas, ele preferia a sala de aula, os livros e os cadernos de apontamentos.


Até nas brincadeiras com o seu irmão Pedro, esse lado de adulto precoce se tornava patente nos mais verdes anos, a avaliar por uma carta que a mãe um dia lhe escreveu para a prisão.
Nessa carta, Maria da Silva Neto recorda, embevecida, os tempos em que ele era pequenino e, provavelmente imitando o pai, fazia em casa, na escada, as cerimónias de culto religiosos. O irmão Pedro desempenhava o papel de organista, enquanto Agostinho Neto era - como não podia deixar de ser - o pregador.

 

Por vezes, os pais e os irmãos faziam o papel de fieis devotos, rezando, cantando e ouvindo as prédicas do nível “pastor”, que alguns anos mais tarde trocaria a Bíblia pelo O Capital, de Karl Marx, com o propósito de querer o céu na terra.


Mercê de tais antecedentes, seria de esperar que, terminando o liceu, além do mais como a alta classificação de 18 valores, Agostinho Neto tivesse acesso imediato a estudos superiores. Mas não havia universidade em Angola e a sua frequência na Metrópole (como então se aludia a Portugal) era onerosa demais para os modestos recursos familiares. E a única possibilidade de tornear tal obstáculo acabaria por ser-lhe vedada.

 

Na altura, o Governo colonial dispunha de uma bolsa de estudo anualmente atribuída ao estudante finalista do liceu como melhor classificação. António Agostinho Neto era um forte candidato, mas rivalizava com outro estudante oriundo de Cabinda, António Pinheiro da Silva. Segundo recorda Adriano Sebastião, gerou-se polémica entre as facções apoiantes dos dois Antónios, tendo a balança prendido para Pinheiro da Silva. Este tinha a vantagem de ser mestiço e católico, enquanto Agostinho Neto era negro e protestante. Ou a religião e a raça tiveram razões que a razão desconhece.

 

Não deixa de ser curioso observar que a evolução futura dos finalistas rivais a acentuar as suas diferenças, pois enquanto Agostinho Neto se tornou o líder revolucionária que conduziu o seu povo à independência, Pinheiro da Silva foi sempre um apaniguado do regime colonialista e chegou, nos anos 60, a assumir responsabilidade governativas em Angola, como Secretário Provincial da Educação.

 

Enfim, com 22 anos feitos e gorada no imediato a hipótese da bolsa de estudo, a solução de Agostinho Neto foi arranjar trabalho. Mediante concurso público, igressou no quadro administrativo dos Serviços de Saúde e Higiene de Angola, sendo colocado primeiro em Malanje de depois no Bié. Ao chegar a Malange ver-se-ia novo confrontado, agora de uma forma directa, com o preconceito racial. Conforme mais tarde recordou, num documento escrito da prisão, fora-lhe recusada a entrada num hotel inferior categoria, onde normalmente se hospedam operários brancos, muitos deles analfabetos.


O confronto com este tipo de situações humilhantes, a par do regime esclavagista que testemunhara na infância junto dos trabalhadores de algodão de Icolo e Bengo, ou dos trabalhadores contratadores para as plantações de café na região dos Dembos, no Piri, para onde seus pais haviam sido entretanto transferidos, despertaram-lhe a consciência para as duras realidades do colonialismo, que no seu espírito cedo se perfilou como inimigo a abater.

 

A comprová-lo estão os seus primeiros escritos, publicados entre 1938 e1946 nos jornais “O Estandarte”, “O Farolim e “O Estudante”, em que as suas preocupações sociais transparecem num estilo de revolta contida, como aliás não podia deixar de ser, visto que regime de censura prévia assim o impunha.


Mas é sobretudo na poesia que Agostinho Neto virá a encontrar a expressão mais adequada para dar voz á sua indignação perante a injustiça e transmitir a sagrada esperança na vitória dos fracos sobre os fortes, dos humilhados e ofendidos sobre os orgulhosos e arrogantes detectores do poder colonial e imperialista, não apenas em Angola mas no mundo inteiro.


Sem nunca ter desistido de subir a corda mais alto, finalmente Agostinho Neto conseguiu, três anos depois de ter iniciado carreira como funcionário público, reunir condições para estudar na então Metrópole. Fê-lo, inicialmente, com as economistas que conseguiu realizar dos seus magros proventos. Só dois anos mais tarde, segundo refere Marga Holness, lhe terá sido atribuída uma bolsa de estudante da Igreja Americana Metodista, por interferência do bispo Ralp Dodge, um velho amigo de seu pai e de que ele próprio tinha sido secretário quando estuante do liceu.