Brasil -  Tenho acompanhando, mesmo estando fora de Angola há mais de seis anos, os grandes debates em torno do novo modelo constitucionalista adotado pela República de Angola, a quando da entrada em vigor da nossa nova Carta Magna. Eu estava em Angola quando ela foi promulgada; porém, como estava de férias e lançando meu segundo CD, não me atentei -confesso - a detalhes em torno das altercações que foram agarradas de forma mais direta, exceto aquelas que eu acompanhei lendo nos sítios oficiais nacionais.


Fonte: Club-k.net


Mas, como não se pode negar o fato de que a mídia em Angola é pró-governo, fiquei receoso de escrever ou imitir alguma opinião a despeito da nova Carta Maior angolana publicada aos 03 de Fevereiro de 2010. Hoje, passados mais de um ano e meio desde que foi promulgada, tenho-a lido e estudado, mas confesso que das análises que fui fazendo, mesmo não sabendo nada – me sirvo da máxima socratiana: só sei que nada sei -, tenho chegado à conclusão de que há ainda enormes reptos na sociedade angolana que esta constituição não abiscoitou deliberar; ou pelo menos, não os previu e muito menos dispôs sobre a sua concretização.


 Parece-me que o modelo é limitado em questões básicas e importantes, levando-se em consideração, claro, em termos comparativos com modelos constitucionais pós-modernos que têm no seu esboço uma grande doze de caráter pós-positivista – modelo adotado hoje em quase todos os países da chamada “linda da frente” no mundo., além de que, vejo uma grande deficiência em questões de efetivação de direitos e garantias fundamentais; direitos, esses, que mesmo que estejam plasmados na constituição, não são suficientes; ou seja, não basta apenas que estejam plasmados no texto maior; esses direitos carecem urgentemente de ter efetividade jurídica evitando assim que a constituição se torne numa bela carta que do ponto de vista semântico é linda e com uma redação incontestável, mas que do ponto de vista de eficácia jurídica das suas normas constitucionais, claro,  é zero. Este é o nosso grande e maior problema, a meu ver – Eficácia das normas constitucionais.

 

 As normas constitucionais precisam do ponto de vista funcional, serem garantísticas agindo no “dever ser” invés de se atear ao “ser” apenas. Penso ser esse é um dos grandes problemas, como supracitado, que observo na constituição angolana; diga-se de passagem, não só em Angola; aliás, é um problema que largamente se percebe nos constitucionalismos africanos, não conseguindo tutelar de forma efetiva direitos fundamentais básicos. 

 

 Mesmo não tendo tido acesso ao texto original, isto porque apenas tomei conhecimento dela mediante uma cópia baixada da Internet, ainda assim, atrevo-me, aqui, a expor algumas considerações que julgo serem importantes e que devem e/ou deveriam estar plasmados nesse nosso novo texto pátrio.


 Como é sabido, o constitucionalismo contemporâneo é marcado pela existência de documentos amplos, analíticos, extensos; com ideias transconstitucionalistas, “propondo” de maneira desafiante um modelo com várias multifacetas. Isso porque, é no constitucionalismo contemporâneo que se nota com mais claridez a consagração daquelas ideias pós-positivistas, propostas na etapa do constitucionalismo moderno durante a segunda metade do século XX.


 A constituição angolana, “contemporânea”, apesar de ser analítica, extensa, ampla, (...) peca muito por ser, ainda, restrita em termos de normas de direitos fundamentais e suas garantias. O que eu quero dizer é que no constitucionalismo moderno, as normas de direitos e garantias fundamentais, não são apenas aquelas que estão plasmadas na nossa Carta Política; existem muito mais. Apesar de termos avançado, penso que precisaríamos nos abrir mais; ou melhor, “ousar” para se enquadrar de forma incontestável as concepções neo positivistas, não com características de constituição moderna apenas, mas sim com caráter neoconstitucionalista. Na verdade a ideia seria transformá-la em uma Carta Magna que paute de forma alargada pela defesa de normas e princípios que garantam a máxima efetividade dos direitos e garantias fundamentais, que é em última análise são a própria face principiológica do Direito.
 


Precisamos, sem sombras de dúvidas, que a nossa constituição seja aquela que tutele efetivamente direitos fundamentais de segunda geração: direitos sociais, econômicos e culturais, garantam também efetivamente os direitos fundamentais de terceira geração: direitos de fraternidade ou solidariedade incluindo, aqui, a tutela de Direitos Coletivos e Difusos, do qual estamos, ainda, muito distantes, na nossa Lex Mater.
 


Na contemporaneidade, ocorreram avanços dignos de nota, os quais se deveriam amoldar à realidade angolana para construirmos de forma substancial um país verdadeiramente democrático, livre, solidário e de justiça social; até porque, já estamos a quase dez anos de paz efetiva.
 


Promulgada, que foi, a Carta Magna de 2010, “entramos” num processo de redemocratização e reconstitucionalização do País. Ocorreram mudanças significativas, na realidade angolana com inúmeros casos de investimentos públicos e privados em várias áreas, fomentando sobremaneira a nossa economia. Mas com tudo isso a nossa realidade ainda não é das melhores, pois nos falta capacidade de se buscar e dar eficácia social a própria constituição (efetividade) e isso só será possível a partir do momento que nós buscarmos a prevalência e o alargamento dos princípios constitucionais, além da força normativa da própria Constituição junto, é claro, com o aprimoramento da hermenêutica constitucional, problema do qual padecemos muito.  
  


Sabemos que o constitucionalismo contemporâneo avançou positivamente e em determinados aspectos consagrou, uma espécie de totalitarismo constitucional, muito próximo à ideia de constituição programática1.
 


Isso corrobora significativamente para que temas que, de certa forma, não deveriam estar plasmados na constituição, acabam por estar, tornando-a, obviamente, mais prolixa. Ocorre que no caso de Angola, mesmo que assim o fosse, pela história de sucessivos anos de guerra que enfrentamos, penso que, não deveríamos economizar em termos de abrangência e na busca de efetividade de direitos e garantias fundamentais.

 

 Não há o que se temer até porque nesse particular o constitucionalismo contemporâneo diverge daquela orientação clássica, que procurava conceber as constituições como instrumentos de governo (instrument of goverment), dotadas de imperatividade ou cogência absoluta, para definir os limites da ação política; modernamente é diferente: qualquer violação à força centrípeta dos comandos constitucionais suscitaria a adoção de um sério e rígido controle de constitucionalidade.

 

 Assim, do ponto de vista da realização constitucional, temos reservas quanto à eficácia social das normas constitucionais programáticas, na nossa Lei Maior de 2010; (refiro-me à efetividade, não à eficácia normativa, intrínseca a toda disposição constitucional).

 

 Penso que a efetivação da Constituição angolana no campo objetivo, será manifestada, a partir do momento em que passarmos a ter jurisdicionalização dos direitos fundamentais; melhor dizendo, os tribunais angolanos têm que ser responsáveis pela aplicação concreta desses direitos, o que ocorreria toda vez que no caso concreto, não houvesse possibilidades de serem objetivados colocando em risco um bem maior, como por exemplo, a proteção da vida.

 


 Isso eliminará o que acontece hoje com nossa constituição; é que ao prometer benefícios futuros, deixando a implementação deles a cargo da chancela legislativa, que não se sabe quando será acionada, criam falsas expectativas amplamente rechaçadas pelo professor José Roberto Dromi2 adepto do constitucionalismo do porvir.

 

 Por isso, sou defensor categórico de uma modelo Constitucional, baseado na ideia de totalitarismo constitucional onde a Constituição passe a ser o centro de todo ordenamento jurídico, vinculando todos os órgãos dos Poderes Públicos mediante uma vasta gama de princípios jurisdicializados.

 

 Penso que a Constituição angolana de 2010, deveria ser um exemplo desse totalitarismo constitucional, alargando o rol de direitos e garantias fundamentais e não só, prevendo também normas programáticas mais amplas, em contraposição a ideia de Constituições sintéticas que preservam o sentimento constitucional.

 

 Um texto enxuto, sem maiores programas ou promessas inexequíveis, evita os excessos de carga é verdade, mas essa não é a nossa discussão, até porque, nós não temos um rol de direitos plasmados na nossa constituição que nos faça presumi-la prolixa, temos sim, é falta de normas constitucionais e de eficácia jurídica destas.

 

 A experiência comprova que o detalhamento de conteúdos leva à ineficácia social das disposições supremas do Estado. Aí está o segredo da sobrevivência da Constituição americana. Por isso, as constituições não devem ser convertidas em fontes inesgotáveis de pormenores, propiciando, mais ainda, o descompasso entre a normatividade constitucional e a facticidade política, no dizer de W. Hennis3; certamente não é esta a ideia que defendemos e que a nossa realidade conclama.

 

 Mas a tendência de um setor significativo da constitucionalística contemporânea, que propõe a implantação de textos constitucionais pormenorizados, criticando a ideia de constituição como mero instrumento de governo4. Daí o surgimento dos sentidos contemporâneos de constituição.

 

 Na Constituição angolana de 2010, a efetivação dos direitos e garantias fundamentais só será possível se levarmos em consideração um aspecto importantíssimo, qual seja, a técnica de jurisdicialização e positivação constitucional das liberdades públicas dentro de um ideal pós-positivista.


 Nesse aspecto, é possível dizer que, nas constituições contemporâneas – defendo que esses valores devem e/ou deveriam estar plasmados na constituição angolana -, os direitos fundamentais apresentam duas notas distintas:

 

1. Refletem as aquiescências, as angustias e os brados por uma sociedade melhor, justa e igualitária. Daí os constantes apelos para se colocar nas constituições normas relacionadas à informática, softwares, biociências, eutanásia, alimentos transgênicos, sucessão de filhos gerados por inseminação artificial etc. – claro que muitos desses temas não são abordados por nós ate porque, em muitos aspectos, não temos nem tecnologia para tal -,. Também desponta uma preocupação ética e moral acentuada. Inúmeros são os reclamos para esses elementos integrem a tabua de direitos fundamentais nos textos supremos contemporâneos; e

 

2. Consagram instrumentos de proteção das liberdades públicas, que se somam aos mecanismos de defesa da própria constituição. Em Angola, esses direitos deveriam ser garantidos por meios de leis que deveriam tutelar: mandado de segurança, o habeas corpus (desde a primeira instância), o mandado de injunção, a ação popular e a ação civil pública, quanto a esses dois últimos já estão plasmados na nossa Carta republicana carecendo, apenas, de norma infraconstitucional dispondo sobre a sua regência. Esses mecanismos deveriam ser ilustrados pela ação direta de inconstitucionalidade interventiva, a ação direta de inconstitucionalidade genérica, a ação declaratória de inconstitucionalidade, a arguição de descumprimento de preceito fundamental e a ação direta de constitucionalidade por omissão.


Esses aspectos deveriam em grande parte estar plasmados na nossa constituição, dando a ela caráter de constituição não apenas moderna, mas pós-positivista.
Veja-se, por exemplo, que há traços gerais do constitucionalismo contemporâneo ou neoconstitucionalismo, do qual Angola, ainda está longe, e que apresenta várias características dentre as quais destaco as seguintes:

 

1. Fase marcada pela existência de documentos constitucionais amplos, analíticos, extensos, consagrando uma espécie de totalitarismo constitucional consectário à ideia de constituição programática;

 

2. Alargamento dos textos constitucionais, isentando os indivíduos das coações autoritárias em nome da democracia política, dos direitos econômicos e dos trabalhadores;

 

3. Disseminação da ideia de constituição dirigente que diverge daquela visão tradicional de constituição, que a concebe como lei processual, definidora de competências e reguladoras de processos;

 

4. Advento de novos arquétipos de compreensão constitucional, que vierem a enriquecer a Teoria das Constituições;


5. Destaque dos direitos e garantias fundamentais como resposta às aquiescências, angústias e brados por uma sociedade melhor, justa e igualitária.

 Obviamente que todos esses aspectos aqui elencados, parecem ser inatingíveis, mas, penso que, tudo isso depende apenas de nós mesmos, da nossa capacidade de superação e de compreensão do nosso próprio papel na história.

 

Angola é, sobretudo, um país novo. Mas nossa responsabilidade é enorme, por isso, não podemos encarar as barreiras a nossa volta como empecilho para a construção de uma sociedade mais livre, justa e igualitária.

 

 O respeito às liberdades públicas são a nossa única bandeira e não podemos correr o risco de imaginar que onde nós estamos hoje, é, de fato, o destino a que nos propusemos a atingir.


Nossos corações devem se encher de esperança de um dia melhor; com direitos fundamentais mais abrangentes, uma geração de jovens, mulheres que vá se orgulhar de forma consciente da terra que Deus nos deu por herança.
  


Nenhum pessimista jamais descobriu os segredos das estrelas, nem velejou a uma terra inexplorada, nem abriu um novo céu para o espírito. Helen Keller

 

 Bulos, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional, - 5ª ed.- São Paulo: Saraiva, 2010. p. 7
²Especialista em Direito Administrativo e em Direito Público argentino
3Hennis, W. Verfassung und Verfassungswirklichreit. Tübingen, 1968. pg. 249.
4Müller, J. P. Soziale Grundrechte in der Verfassung? Besel-Frankfurt – M, 1991. pg. 715.


Nelson Custódio
Campinas, Brasil, 22 de Setembro de 2011.
Disponível também no meu Site:
www.eutenhodireitos.com