Luanda -   Hoje estava este espaço reservado a outro tema, mas não pude resistir às competentes observações do ancião do jornalismo angolano, António Setas, sobre um facto que o indignou, tal como a muitos de nós, enquanto leitores e intelectuais. Num comentário feito no Facebook, o subscritor do mesmo, exprimindo-se sobre os comentários de Celso Malavoloneke (CM) sobre a entrevista que a Drª Mihaela Webba (MW) concedeu à LAC no dia 20 de Setembro de 2011, deu a seguinte opinião, «(…) parece um ataque pessoal (…)».


Fonte: Folha

Não me parece ser exactamente o caso, pois o raciocino do contraditor extravasa por demais o âmbito das picadelas por si dadas à jurista visada pelas suas críticas. O que eu quero dizer é que estas últimas, as críticas, caminham de par em duas fachas paralelas, umas, aqui e acolá, directamente contraditórias dos argumentos de Webba, outras, ali e mais além, indirectas, a recorrer às noções de angolanidade, cores políticas e outras, mais pueris, que nada têm a ver com o caso.Vejamos a sua primeira crítica: dizer  como MWB disse, que «(…) um partido com mais chances de chegar ao Poder deve aplicar mais os tais princípios democráticos do que um que tenha menos, não é intelectualmente honesto».

 

O que o CM quer dizer, não pode ser outra coisa senão defender a ideia de que um “partidúnculo” sem qualquer representatividade tem as mesmas obrigações que um partido de Estado, como o MPLA! Dito de outra maneira, para esse nosso amigo catedrático um partido com meia dúzia de votantes deve respeitar rigorosamente os princípios democráticos, do mesmo modo que um partido que governa os respeita. Em despeito de o MPLA muitas vezes não os respeitar, a verdade é que o Direito consagra essa ideia. Só que MWB, na sua entrevista à LAC, não se exprimiu como jurista, mas sim como comentadora política e cidadã deste pais, e o camarada Celso sabe que, do ponto de vista político, se um partido no Poder não respeitar os princípios democráticos, numa verdadeira democracia ele é banido do Poder; porém, se um partido sem representatividade violar princípios democráticos, o resultado é irrelevante, meu amigo, nada muda. Chama-se a esse fenómeno insignificância política. Está lavrado nos clássicos da ciência política. E MWB apenas recorreu a parâmetros políticos.

 

Passemos à segunda: «negar aos membros de um determinado partido político o direito de elegerem os seus órgãos directivos da forma que se achem mais confortáveis é em si sinal de intolerância que pode ser entendido como arrogância».Fiquemos unidos. Na interpretação. Será que tenho razão se disser que um chefe nazi pode convocar eleições porque tem poder mas não tanto assim e quer ser Vizir no lugar do Vizir, como na banda desenhada belga do Iznogoud? Creio que não tenho, pois se o fizer deixa de ser nazi, não é!?...


Será que um líder democrata pode escolher como sucessor um familiar, ou um amigo? Se fizer essa escolha, deixa de haver eleição, não é!?... Isso não é “eleger”, é nomear. Será que o Celso Malavoloneke defende a ideia de sucessão monárquica em Angola? É o que ele deixa claramente supor, portanto, a discussão fica por aqui. Em regime de democracia, caro amigo Celso, mesmo africana, não pode haver herdeiros de cargos políticos, porque se houver, todo e qualquer académico que se preze se vê obrigado a dar-lhe outro nome… “patercracia”, por exemplo! Terceira crítica: «(…) minimizar a importância da estabilidade nacional enquanto objectivo último da governação».

 


Caro Celso Malavoloneke, quanto a esta questão referente à estabilidade política, o essencial não está esclarecido na pergunta, ou seja, o que é estabilidade política? Para si é uma ideia sua, para mim é outra, diferente, sem dúvida. Ora, pelo que pude inferir dos seus escritos, a noção por si defendida é a de que em Angola ela passa pela manutenção do statu quo político, seja qual for o preço a pagar pelos angolanos. E, nesta perspectiva de adesão dos angolanos a uma tão desejada estabilidade política, a verdade é que o statu quo está ser cada vez mais atacado, em quantidade, qualidade e em termos de horizontes de que provêm essas críticas, o que põe em causa a sua própria estabilidade. Quer dizer - na minha opinião, é claro -, quanto mais se defender o statu quo, mais chances haverá de caminharmos para uma forma de instabilidade política. Creio que a estabilidade não é de modo algum incompatível com mudança de regime, e também penso que, no caso de Angola, é mais perigoso para a sua estabilidade manter este regime, do que tentar fazer passos seguros para o mudar. Ou para o substituir. 

 

 Estou em crer que o que aqui vai escrito não é insulto nem prova de intolerância, ao contrário do que está plasmado nas suas críticas a MWB, numa aflitiva argumentação, inacreditável por vir da pluma de um professor universitário, onde não faltam os insultos, as acusações, as inferiorizações e as insinuações.

 

 O catedrático Celso Malavoloneke desce da sua cátedra, desce à cave dos seus raciocínios e não se inibe de denunciar o facto de MWB ter nascido no estrangeiro, como se isso fosse uma maleita incurável, acusa-a de ser manipuladora intelectual por ter cometido, entre outros pecados, sucessivas distorções a teses e conceitos de Direito, acusa-a ainda de submeter a realidade africana aos direitos universais, humanos e republicanos, abrindo brechas à instauração em Angola de uma República das Bananas, chega a atingir os píncaros da insolência ao acusar MWB de ser demasiado jovem e, enfim, superiormente indignado, revela o maior dos seus pecados, ser assessora jurídica de Isaías Samakuva, o que, a seu ver, a impede de pensar direito! Mesmo não tendo sido exaustivo, este rol de “bifes” desferidos por CM está bem guarnecido, e acresce sua à sua quantidade a inexactidão e mesmo deformação das suas referências às frases proferidas por MWB, o que é quanto baste para relegar as suas críticas para o campo da mediocridade. Mas o que é ainda mais insuportável é o facto de esse catedrático misturar o livre pensamento de intelectual assumido, com o livre arbítrio que, por vezes, a notoriedade indevidamente confere.

 

Da parte de um crítico que lança tão pesadas críticas, como neste caso, caem como baldes de água gelada as suas diatribes nacionalistas e outras considerações a leste do paraíso da questão em causa, como as que ele avançou sobre a juventude da jurista, sobre a sua pujante afirmação no xadrez intelectual angolano e, sobretudo, sobre a sua aderência profissional, nunca assumida como confessional, à UNITA…


Caro Celso, isso é pior que feio, isso descredibiliza-o, pura e simplesmente, transforma os seus argumentos, mesmo que sejam respeitáveis, em um monte de pedregulhos atirados por um energúmeno à cabeça de quem não tem armas, nem as quer ter, por se recusar, em nome do senso ético de que você não deu mostras, a fazer o mesmo consigo. Mude a espingarda de ombro, ponha-a no chão. Deixe isso para o J.J.!