Angolanas e angolanos
Minhas senhoras e meus senhores:


No exercício do direito democrático de oposição vimos apresentar a nossa posição ao discurso sobre o estado da Nação proferido ontem pelo Senhor Presidente da República na Assembleia Nacional. Devo dizer, entretanto, que estivemos hoje com o senhor Presidente da República, a quem colocamos  algumas questões que consideramos importantes e pertinentes na conjuntura actual do País. Tivemos, então, a oportunidade de tocar em certos temas que fizeram parte do seu discurso ontem. Porém, isso não nos impede de abordar aqui outros temas que também fizeram parte do discurso do senhor Presidente.


Em termos resumidos, ouvimos o senhor Presidente da República dizer na primeira pessoa o que pensa sobre a sua própria legitimidade para governar Angola, o que pensa sobre a sua própria governação, o que pensa sobre as eleições e o que pensa sobre o diálogo e a reconciliação nacional.  


Pelo que ouvimos, concluímos que o pensamento político do cidadão José Eduardo dos Santos sobre as questões fundamentais da democracia e da construção da Nação angolana, difere substancialmente do nosso.


Vamos citar dois exemplos:

 

O Senhor Presidente da República, afirma ter legitimidade para governar porque o seu nome constava como o primeiro de uma lista de Deputados que os eleitores elegeram em 2008.


Nós rejeitamos este pensamento porque em 2008 elegeram os Deputados e não o Presidente da República. O cidadão José Eduardo dos Santos, foi eleito como Deputado que, por cima, não tomou posse nem prestou juramento. Pelo menos pelo que sabemos. Por isso, não tem mandato do povo para agir nem como Deputado nem como governante do povo.

 

Ontem o Presidente afirmou que os angolanos depositaram a sua confiança nele para governar Angola. Todos sabemos que isso não é verdade, porque os angolanos nunca elegeram o cidadão José Eduardo dos Santos como Presidente da República de Angola. Reconhecemos-lhe como presidente da transição duma fase conturbada para a de normalização das instituições do Estado e, é neste sentido que, em nosso entender, ele governa o País.


Pelo contrário, nunca é demais realçar, contra a vontade nacional, o Presidente da transição determinou a realização em separado das eleições legislativas e presidenciais, e, depois de realizadas as legislativas, decidiu em Dezembro de 2008,  não convocar nem realizar as presidenciais acordadas para 2009.


Ao negar aos angolanos o direito de eleger o Presidente da República, o Presidente da transição violou o princípio democrático. Por ser um princípio fundamental estruturante, significa que o Presidente da transição violou também os princípios constitucionais gerais que o concretizam, nomeadamente, o princípio da soberania popular, o princípio do sufrágio universal e o princípio de renovação dos titulares dos cargos públicos.

 

Nesta base, o Presidente da República abalou de tal forma as traves mestras da ordem jurídico-constitucional em que assenta a legitimidade do órgão Presidente da República que, sem a eleição do titular do órgão ou um acordo político sobre o exercício temporário destas funções pelo Presidente da transição, o Presidente actual transformou-se num poder à margem da Constituição e a ela não juridicamente vinculado.

 

É verdade que em 2010, o Presidente do MPLA orientou a Assembleia Constituinte para substituir-se ao voto do povo e conferir legitimidade ao cidadão José Eduardo dos Santos através de uma norma jurídica. Os Deputados do MPLA na Assembleia fizeram essa norma, que está escrita assim no Artigo 241º da Constituição:

 

 “O Presidente da República em funções à data da entrada em vigor da Constituição da República de Angola mantém-se até à tomada de posse do Presidente da República eleito nos termos da presente Constituição”.


Essa norma, como todos sabemos, também não confere legitimidade democrática ao Presidente, porque quem escolhe o representante do povo para exercer o cargo de Presidente da República é o povo, e não os Deputados. Os Deputados não têm competência para substituir o povo, que é o legítimo titular do poder político, e conferir um mandato a quem o povo nunca conferiu mandato algum.


As eleições de 2008 legitimaram os Deputados à Assembleia Nacional, mas não legitimaram o Presidente da República. A aprovação da Constituição em 2010 também não normalizou o órgão Presidente da República nem legitimou o seu titular.


É preciso que se entenda que quando falamos disso, não é porque queremos ofender quem quer que seja e muito menos o Presidente da República. Queremos apenas levantar uma situação real que deve ser normalizada, para normalizarmos também a vida institucional do nosso País.


O Presidente disse-nos também que não há em Angola qualquer regime ditatorial que não respeita os direitos e liberdades fundamentais dos angolanos.

 

Seria bom que assim fosse, pois esta é a vontade da esmagadora maioria dos angolanos. Mas é essa esmagadora maioria que sente na pele todos os dias a exclusão social por não pertencer ao Partido do Presidente. É esta maioria que quando procura emprego, pedem-lhe o cartão da Jota, quando procura igualdade de oportunidades, depara-se com as muralhas da exclusão ou com o baton da ditadura.


O totalitarismo tem na sua base um Estado de não-Direito; o autoritarismo ainda fala em Estado de Direito e até o consagra formalmente, mas não respeita os direitos fundamentais dos cidadãos: efectua assassinatos políticos, mantém uma comunicação social controlada para orientar uma competição desigual; efectua prisões arbitrárias, faz presos e julgamentos políticos, bloqueia o exercício da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e do direito à manifestação e nega ao povo o direito a eleições democráticas. A verdadeira Constituição desta ditadura não é a que está escrita, mas sim a que se pratica.

 

Enquanto o totalitarismo nega em absoluto o pluralismo, o autoritarismo convive bem com um pluralismo limitado, visível e até actuante, inexistindo todavia competição real para a alternância, antes dando a impressão de um substancial imobilismo da parte da oposição a quem não se dá espaço político nem económico para competir em igualdade.

 

A ditadura imposta hoje aos angolanos não se manifesta como ditadura brutal; apresenta-se refinada, subtil e por vezes com um ar de santinha. Mas é ditadura! E nós a rejeitamos com o mesmo vigor que rejeitamos o Partido único.


Ouvimos ainda o Senhor Presidente da República citar muitos números sobre como o seu governo está a utilizar os dinheiros públicos. Alguns desses números fazem sentido, outros não, porque o sofrimento do povo os contraria.


O que faz sentido, por exemplo, é o país ter formado 1255 enfermeiros e técnicos de saúde, como afirmou o Senhor Presidente; mas já não faz sentido o país não utilizar mais de 9,000 ténicos de saúde e mais de 10,000 professores que o país já formou, que têm experiência de muitos anos de trabalho mas estão por aí nos mercados, desempregados, só porque estas pessoas não pertencem ao Partido do Presidente e só por isso não são enquadrados nas estruturas de saúde do Estado.


Faz pouco sentido dizer-se que houve um aumento de 51% no consumo de água por habitante, quando somente 8% da população tem acesso a uma torneira de água potável. Faz mais sentido reconhecer, como fez o Senhor Presidente, que o Governo do MPLA, depois de 37 anos de governação, ainda não tem “uma carteira de projectos estruturantes para resolver o problema da água”.


De igual modo, faz pouco sentido dizer que o número de 4,273,006 alunos no ensino primário é dez vezes mais que no último ano do período colonial, se a qualidade do que se lhes ensina é muitas vezes mais inferior a do período colonial.

 

O mesmo sucede com o ensino superior onde os alunos pagam a gasosa para serem admitidos e pagam a gasosa para terem diploma, quer nas instituições públicas como nas privadas. De facto, faz pouco sentido o número de 150,000 estudantes universitários se estes entram sem terem qualificações e saem sem estarem qualificados. Faz pouco sentido o número de 1,200 licenciados por ano, se esses jovens não conseguirem competir no mercado de trabalho, porque  os engenheiros não sabem trignometria, os juristas não sabem escrever português e os gestores não sabem contabilidade de acordo com os padrões internacionais. Vamos nos orgulhar desses números?

 

Por outro lado, faz sentido afectar recursos financeiros aos Municípios, tanto para a saúde, como para a educação, o saneamento e a habitação. Mas dois milhões de dólares não chegam que o senhor Presidente referiu, não chegam para a materialização deste programa. O que faz sentido é instalar pelo menos um hospital em cada município e um posto médico polivalente em cada comuna. Faz sentido instalar centrais térmicas para beneficiar não apenas 11 Municípios, mas todos os 164 municípios do país. Faz mais sentido, sim, municipalizar os programas de saúde, de redução da pobreza, de saneamento básico e de urbanização, no quadro da consagração das autarquias.

 

Enfim, caros compatriotas, o Senhor Presidente falou de muitos e muitos números, muitos planos e muitas  promessas de coisas que poderão acontecer em 2012, 2013 e 2015.  Não vamos comentá-los um por um, porque se de um lado os números crescem, sabemos que do outro lado o tecido social degrada-se. O PIB sobe mas os valores morais descem. Afinal, o mais importante são as pessoas. A riqueza material só nos trará paz e verdadeira prosperidade se for sustentada pela riqueza moral, a riqueza da solidariedade, a riqueza dos valores que é a riqueza da dignidade da pessoa humana.

 

O crescimento económico só será sustentável a longo prazo se se basear no conhecimento e no desenvolvimento humano da maioria, e não nos minerais ou na corrupção de uma minoria. A democracia será mais forte se assentar mais no diálogo e no consenso do que na imposição de maiorias sazonais. A paz e a estabilidade só estarão garantidas se a legitimidade governativa resultar de processos eleitorais justos e transparentes, e não de manipulações da democracia e das instituições. A riqueza de alguns estará melhor protegida se a pobreza de muitos for aliviada e a solidariedade social e a genuina reconciliação nacional forem instituídas como prioridades de um Plano Nacional que vise aliviar o sofrimento das pessoas, eliminar a fome e erradicar a pobreza extrema. Um Plano credível que se baseie nas pessoas, e não na ilusão de números abstratos que não sentem dor e não têm alma; 


Angolanas e angolanos:


O Presidente Eduardo dos Santos também disse algumas coisas de que gostamos de ouvir. Gostamos de ouvir o Senhor Presidente dizer que Angola tem recursos suficientes para acabar com a pobreza e que o Estado não combate os ricos. apenas combate a corrupção e o enriquecimento ilícito...(mas esta parte eu é que estou a dizer...deduzindo das palavras do Presidente....rss) e que a preocupação principal do Estado deve ser a solidariedade social para com os pobres.


Gostamos de ouvir que há intenção política de:


• reabilitarem todas as vias secundárias e terciárias do país para promover o comércio rural; (que não sejam estradas descartáveis!)


• construir 20,000 fogos para realojar as vítimas das demolições e outros que estão a viver em tendas em Luanda, na Huila, no Cunene e no Huambo; (que sejam dadas ao povo a custo zero!)


• construir e equipar finalmente uma rede nacional de bibliotecas públicas;  (que os livros sejam subvencionados, e não a cerveja!)


• promover um sistema coerente de financiamento do desporto nacional; e de se


• prosseguir uma política fiscal anti-cíclica de qualidade para se controlar a inflação e evitar a recessão. 

 

Sentimo-nos todos mais aliviados quando o Presidente apresentou números mais realistas sobre a habitação. Afinal já não são um milhão de casas, mas 350,000 fogos em 124 municípios.

 

Gostamos particularmente de ouvir o Senhor Presidente exortar os Deputados a fiscalizar o Executivo. Espero que o senhor Presidente da Assembleia Nacional não se iniba e mande investigar já as acusações de apropriação indevida de riqueza pública incluindo a existência de contas bancárias milionárias em nome de titulares de cargos públicos ou seus familiares, nos diversos paraísos fiscais do mundo incluindo o Panamá, a Ilha da Madeira, as Ilhas de Man e de Jersey no Reino Unido e o Banco do Luxemburgo.


É que, estas acusações todas ficam no ar, mancham o bom nome de compatriotas  que gostaríamos também de proteger, pois representam o nosso País em missões de soberania. Investigados, seriam esclarecidas de vez as referidas acusações e estaríamos a  projectar uma imagem diferente do nosso País.

 

 Gostamos ainda de ouvir que as nossas reservas no exterior atingiram em Julho a cifra de 21,4 mil milhões de dólares. Só esperamos que este dinheiro não desapareça sem explicações como sucedeu em 2008, quando as reservas externas do Estado baixaram de 18 mil milhões de dólares para $12,6 mil milhões e o Executivo não explicou aos angolanos onde foram parar os 6 bilhões de diferença.


Esta questão dos dinheiros desviados do tesouro nacional constitui uma das características principais do estado da Nação durante os últimos doze meses. O Presidente falou muito do que os angolanos já sabem, mas nada disse sobre o ponto em que nos encontramos em relação à probidade administrativa e à tolerância zero que anunciou há um ano atrás. Gostaríamos de ouvir também algo sobre a origem dos luxos e das fortunas que a classe política angolana exibe todos os dias no país e no estrangeiro. Os angolanos sabem que essas fortunas saíram dos cofres do Estado e que o Presidente é a única entidade que controla ou deve controlar os cofres do Estado.


Prezados compatriotas:


Ao terminar, devo dizer aos angolanos que a UNITA está muito preocupada com o processo de preparação das eleições marcadas para 2012, porque estamos a receber queixas de todos os lados. Os cidadãos dizem que o processo já está a ser subvertido e não merece credibilidade.

 

Em 2007, Angola realizou em todo o país o registo eleitoral. Levou mais de um ano, gastou-se muito dinheiro e quase toda a gente, ou seja, mais de 8,350,000 pessoas se registaram. Em resultado, foi constituído o Ficheiro Informático Central do Registo Eleitoral. Este Ficheiro ficou à guarda do Executivo por força do quadro legal anterior à Constituição vigente.

 

Agora, a nova Constituição aprovada em 2010, manda estabelecer uma administração eleitoral independente do Executivo, que deve controlar esse Ficheiro e organizar as eleições. O Executivo já não tem competências para controlar o Ficheiro nem para organizar as eleições, porque o registo eleitoral constitui parte integrante e indissociável dos processos eleitorais, que devem ser organizados por órgãos da administração eleitoral independentes como impõe a Constituição.

 

É preciso transferir a custódia e a gestão do Ficheiro Informático Central do Registo Eleitoral para a Administração eleitoral independente. O Executivo do Presidente Eduardo dos Santos não quer fazer essa transferência.


O Executivo está a usurpar as competências eleitorais que a Constituição atribui à administração eleitoral independente, porque já definiu e adquiriu uma parte substancial da logística tecnológica para o processo eleitoral, tendo o controlo exclusivo dos respectivos códigos de acesso, manuseamento e de segurança.

 

No passado, o Executivo organizou duas fraudes eleitorais a partir do controlo exclusivo do Ficheiro e da logística tecnológica. O país não quer uma nova fraude. O país não pode confiar na Base de Dados do Registo Eleitoral mantida pelo Executivo, porque a integridade dos seus códigos de acesso e de segurança está ameaçada. O sistema permite a atribuição de números diferentes de registo para a mesma pessoa; permite também a emissão de cartões duplos para a mesma pessoa. Temos aqui pelo menos um exemplo a demonstrar que isso está a acontecer. Além disso, a base de dados deverá conter, na estimativa do Executivo, cerca de 600,000 a 800,000 eleitores que já morreram.

 

Temos também o problema do mapeamento eleitoral. O país não pode confiar no mapeamento eleitoral efectuado pelo Executivo, porque muitos dos locais de votação inseridos no sistema não existem na realidade. Os peritos dizem que esta medida de essas pessoas escolherem cada um o local onde quer votar, vai trazer em 2012 a mesma confusão que houve em 2008. O melhor é cada um votar no local da sua residência mediante a conferência da sua identidade biométrica e dos cadernos eleitorais.

 

Há muitos vícios, irregularidades, reclamações e fortes suspeitas de fraude ligadas ao registo eleitoral, a saber:


a) não há entidades registadoras em número suficiente para cobrir o universo eleitoral lá onde o eleitor se encontra;


b) pessoas ligadas ao Executivo e ao Partido no poder andam pelo país a recolher os dados dos cartões dos eleitores para fins inconfessos.


c) O Executivo acoplou à função registadora, a definição dos locais de votação e a produção do mapeamento eleitoral, o que constitui uma violação da Constituição, no seu artigo 107º, que atribui estas competências à Administração Eleitoral Independente;

 

d) Todos os dias denunciamos isso, mas o Executivo não pára com essa prática ilegal.
Perguntamos: o que aconteceu com o registo de 2007? Os dados estão guardados ou não? São fiáveis ou não? O Executivo quer respeitar a Constituição, ou não quer? Bom, hoje apresentamos grande parte destas preocupações ao senhor presidente.

 

O Senhor Presidente da República apelou ontem para que cada cidadão cumpra com o seu dever de se registar, mas os cidadãos já se registaram em 2007. E se em 2007 era função do Executivo controlar o Ficheiro do Registo, em 2010 esta função foi transferida pela Constituição para a administração eleitoral independente. Agora cada cidadão está apelar ao senhor Presidente da República para cumprir o seu dever de respeitar a Constituição e transferir o Ficheiro do Registo Eleitoral para a administração Eleitoral Independente.

 

Devo lembrar que ontem mesmo o Senhor Presidente da República apelou à juventude para nunca agir à margem do povo e da lei. Nós estendemos este apelo aos mais velhos também para que todos nós, governantes e governados ajamos sempre pelo povo e nunca contra o povo; ajamos sempre dentro da lei e nunca à margem da lei. E a lei manda que seja a administração eleitoral a organizar o ficheiro do registo e as eleições, e não o Executivo.

 

O Senhor Presidente da República apelou ontem ao diálogo para se evitarem equívocos e incompreensões. Nós estamos de acordo com as suas  palavras quando disse, cito: “é na reconciliação, com paz e juntos que vamos resolver os problemas do povo angolano.”


A proposta da UNITA para este diálogo construtivo inclui, entre outros, os seguintes pontos:

 

1. respeito incondicional pela supremacia da Constituição;

 

2. fim da exclusão social e económica e concretização efectiva da reconciliação nacional;


3. criação de condições políticas de liberdade e igualdade para possibilitar a realização de eleições democráticas e competitivas;


4. Diálogo permanente, inclusivo e efectivo entre o Estado e diversos sectores representativos da sociedade angolana.


5. abertura da comunição social à pluralidade política e económica nacional;
Este apelo do Presidente para dialogar vem no momento certo.  O momento é agora, porque se não o fizermos agora ele será feito nas ruas para onde parece estar já a caminhar.


Muito obrigado.