Luanda -  A UNITA foi o primeiro partido  africano a rejeitar os resultados de uma eleição, insatisfeito por tê-las perdido. Como todos os angolanos estão lembrados, isso sucedeu em 1992 e deu no que deu: uma guerra que durou uma década, muito mais virulenta e destrutiva do que os primeiros 16 anos de guerra pós-independência.


Fonte: NJ

A UNITA foi  surpreendida  com o carácter inovador  do MPLA

Além das consequências materiais e sociais, a continuidade da guerra depois de 1992 foi a principal causa para o atraso do processo de democratização do país. Ao mesmo tempo, o exemplo da UNITA foi rapidamente imitado por outros partidos políticos africanos, tornando-se uma autêntica “praga”.


Depois de derrotada no campo de batalha, de ter feito uma jogada política desastrada em 2004, quando abandonou o debate constitucional, e de ser amplamente punida pelo eleitorado em 2008, o ainda maior partido da oposição pretende agora tumultuar desde já o processo eleitoral que deverá culminar com o pleito de 2012, tentando conquistar aquilo que não foi capaz de obter por outras vias, as mais das vezes por causa da sua incompetência política. Aparentemente, os demais partidos da oposição parlamentar (e não só) estão a reboque da estratégia da UNITA.


Para tal, a UNITA e os seus aliados ameaçam com várias possibilidades,  da agitação social no período antes das eleições a tumultos póseleitorais, passando pelo eventual boicote às próprias eleições. Remeto os distraídos, para quem a minha afirmação é supostamente  exagerada, às declarações do líder da UNITA, Isaías Samakuva, depois do encontro que teve recentemente com o Presidente José Eduardo dos Santos. Segundo ele (cito de cor), a  UNITA aceitou as “fraudes” de 1992 e 2008, mas não está disposta a voltar a fazê-lo. Outros dirigentes da UNITA têm admitido à comunicação social, com destaque para a Rádio Despertar, organizar manifestações de rua para forçar a saída do presidente (sem eleições) ou exigir a independência da Comissão Nacional Eleitoral, como se a proposta do MPLA não fosse a única que salvaguarda tal independência, como demonstrarei mais adiante.


Isso tem nome: chantagem. O esforço patético da assessoria jurídica da UNITA para fundamentar “cientificamente” essa estratégia não basta para escamotear essa realidade. Por outro lado, e apesar de todo o arrazoado e amontoado de citações (recurso de quem não possui pensamento original), não passa de um exercício de pirotecnia. Que um cidadão comum ignore o que é um órgão administrativo independente, ainda se admite, mas que um jurista o faça, é inquietante.


Deliberadamente, a UNITA e o resto da oposição radical têm introduzido muito “ruído” e confusão no debate acerca da independência da CNE, o que tem sido facilitado, até agora, pelas habituais falhas de comunicação do MPLA. A ideia que a oposição tem “vendido” ferozmente é que a proposta do MPLA não garante a referida independência. Nada mais falso. De facto, a opinião pública precisa de saber, por exemplo, que a UNITA defende a possibilidade de a CNE ser integrada por juízes e por membros das direcções partidárias, enquanto, para o PRS, o órgão deve ser composto por um representante de cada partido parlamentar, o que significaria um para o partido no poder e quatro para a oposição.  Ou seja, e como bem observou o director geral das eleições em 1992 e hoje juiz-conselheiro do Tribunal Constitucional, Onofre dos Santos, a independência da CNE, o que a oposição  radical pretende é tão somente controlar o referido órgão.


A verdade é que a UNITA e os seus aliados foram surpreendidos com o carácter inovador da proposta do MPLA e, por isso, estão assustados. Assim, o MPLA propõe que a CNE não tenha nenhum membro indicado pelo presidente da República ou pelo Executivo. Também propõe que nenhum membro da direcção dos diferentes partidos políticos faça parte da CNE (o que faria perder o emprego a alguns dirigentes da UNITA que integram a actual CNE).


A proposta do MPLA não prevê, por outro lado, nenhum representante da sociedade civil, por impossibilidade prática (como seria o mesmo indicado?), o que, entretanto, não impede nenhum partido com assento parlamentar de indicar alguma personalidade oriunda dessa área, que, como se sabe, é muito vasta. O MPLA propõe ainda que o presidente da CNE seja um juiz admitido por concurso público e que o mesmo, enquanto dirigir o órgão, suspenda as suas actividades como titular do poder judicial. Last but not the least, o MPLA abdicou do princípio da proporcionalidade, propondo que a CNE tenha 16 membros, dos quais nove do partido no poder e sete da oposição.


Cabe aos leitores, portanto, avaliar, entre as duas propostas, qual a que assegura maior independência à Comissão Nacional Eleitoral.


Outro fantasma que a UNITA e a oposição radical têm agitado é a questão do registo. Enquanto o MPLA propõe que a CNE deve supervisionar e orientar o registo, a oposição considera que é tal órgão que deve executar a referida operação.


Ora, isso significaria, na prática, que a CNE seria transformada num super-ministério, com camiões, helicópteros e outros meios logísticos.  Em toda a parte do mundo, o registo  eleitoral é uma tarefa permanente do Executivo. É isso também o que estabelece a Constituição do nosso país, quando diz que o registo é oficioso.


Dizem certos académicos “iluminados”, que não devem gostar de misturar-se às “impurezas” da vida real, assim como os assessores jurídicos da oposição, que o Estado angolano não é credível, pelo que não pode ser ele a realizar o registo eleitoral. A acusação é de uma arrogância a toda a prova. Quem deu legitimidade aos “puros” e “iluminados”, bem como aos vestais do templo da oposição, para afirmarem que um regime apoiado por mais de 80 por cento do eleitorado não tem credibilidade?


Os políticos, mesmo da oposição, têm a responsabilidade de explicar à sociedade que não há processos eleitorais perfeitos, em nenhuma parte do mundo. Mas é imperioso que todos os actores estejam imbuídos de boa fé e que ajudem a corrigir as falhas, procurando valorizar as instituições (obra para várias gerações).


Apenas para dar um exemplo externo, evoco o exemplo de Al Gore, que, quando George W. Bush foi eleito pela primeira vez, num processo repleto de problemas, se recusou a criar uma crise pós-eleitoral, para preservar o sistema.


Para terminar, a opinião pública precisa igualmente de saber que os deputados do MPLA introduziram algumas mudanças no pacote legislativo eleitoral, para responderem a várias inquietações da oposição, as quais constam do relatório-parecer da comissão de assuntos constitucionais e jurídicos da Assembleia Nacional, que deveria ter sido discutido  esta semana na especialidade.


Mesmo sem conhecê-las, porém,  a oposição radical abandonou mais uma vez a sala, na quarta-feira, furtando-se ao debate democrático.


Uma pergunta impõe-se, portanto: o que quer a UNITA e a oposição radical?


Aparentemente, não querem eleições. Terão razão aqueles que dizem que os referidos dirigentes da oposição estão apenas a usar este debate como moeda de troca para obterem vantagens materiais? Estará o “vil metal” por detrás de todo radicalismo, de todas as ameaças, em suma, de toda esta óbvia e lamentável tentativa de chantagem política que, mais uma vez, os angolanos têm de enfrentar?